Nos Estados Unidos, poucos juristas duvidam que o surgimento da Law & Economics tenha provocado uma verdadeira revolução na ciência do direito. A proposta de deduzir hipóteses para a compreensão do fenômeno jurídico a partir da microeconômica e testá-las estatisticamente implicou numa nova e polêmica abordagem científica, principalmente por se tratar de uma drástica mudança de perspectiva que não foi provocada pelo refinamento do raciocínio jurídico humanístico, mas sim pelo fato de o aparato econômico para produzir e testar hipóteses ter surgido no direito a partir de fora de suas tradições.
Visto no seu contexto histórico - a década de 50 em Chicago - esse foi um período de transição paradigmática, de revolução científica em termos kuhnianos (a referência óbvia é a obra "A Estrutura das Revoluções Científicas", de Thomas Kuhn), isto é, de um salto abrupto que rearranjou os elementos centrais do conhecimento científico num padrão não-familiar. Essa, pelo menos, é a opinião de Robert Cooter, professor da Berkeley Law School, um dos pioneiros da análise econômica do direito, autor da famosa obra "Law and Economics", publicada em 1988 em parceria com Thomas Ulen e traduzida para o português pela editora Bookman.
Não obstante o caráter revolucionário da Law & Economics - para o bem ou para o mal (não faço aqui juízo de valor sobre a metodologia deste campo de estudos no direito) -, Cooter reconhece que sua maturação em "ciência normal" tem consequências sociológicas para a academia jurídica. "A Law & Economics tem sido sempre uma atividade da elite, como jogar polo", reconhece Cooter num artigo recente (cf. Robert Cooter, 'Maturing into Normal Science: The Effect of Empirical Legal Studies on Law and Economics'). Ao contrário do que se pensa, a análise econômica do direito não é uma abordagem dispersa em todas as universidades de direito dos Estados Unidos, mas apenas nas de elite. Lá, mais de duzentas Faculdades de Direito mantém bibliotecas de pesquisa, mas, na vasta maioria, nenhum membro destas instituições se especializa na pesquisa em direito e economia. Cooter reconhece que a Law & Economics possui muitos jogadores de polo, mas, de fato, poucos times.
Entretanto, este cenário, na opinião de Cooter, pode mudar. E a mudança ocorrerá em razão de um novo campo de estudos que ganha força a cada dia no país, em especial nas Faculdade de Direito que não fazem parte da "elite estadunidense": o Empirical Legal Studies (ELS, que em português poderia ser traduzido como "Estudos Jurídicos Empíricos").
Como o próprio nome revela, trata-se de um campo focado na aplicação de métodos empíricos aos estudos jurídicos, elemento central da análise econômica do direito. Resumindo em poucas linhas, é possível dizer que o Empirical Legal Studies é um novo ramo da ciência jurídica que busca aprimorar a pesquisa empírica através do domínio de (i) conceitos básicos de estatística e matemática, (ii) técnicas de pesquisa de campo como formulação de questionários, (iii) apresentação de hipóteses que possam ser testadas empiricamente, (iv) coleta de dados, (v) amostragem, (vi) regressão, (vii) análise estatística, entre outros elementos necessários para a realização de uma pesquisa empírica dotada de método científico e que passam distantes da formação de um jurista. É a tentativa, no direito, de acompanhar os avanços que economistas e cientistas sociais já realizaram há algumas décadas.
Para Cooter, o Empirical Legal Studies é a fase de ciência normal da Law & Economics (e há nela um enorme potencial disseminador). Por ser justamente uma fase normal, ela fornece algorítmos que muitas pessoas podem usar para avancar a ciência: "Uma boa educação, instrumentos científicos, esforço e tempo suficiente para sequenciar os genes. Não é necessário genialidade. Com dados aprimorados, técnicas estatísticas e programas de computador, Faculdades de Direito de baixo-ranking podem fazer estudos valiosos em Empirical Legal Studies que testam hipóteses da Law & Economics. Professores destas faculdades que não são da elite podem avançar suas carreiras ao realizarem importantes descobertas empíricas. Também, a análise de dados especializados é crescentemente importante para a prática do direito. Pesquisadores com conhecimento empírico específico têm mais oportunidades de vender sua expertise às cortes e aos formuladores de políticas públicas. o mais importante efeito sociológico do Empirical Legal Studies pode ser a difusão da Law & Economics em faculdades de direito que não fazem parte da elite" (Cooter, 2011: 1481).
Mas o ELS não é apenas um fenômeno estadunidense. Como ressalta Theodore Eisenberg, da Universidade de Cornell, o Empirical Legal Studies expandiu de um empreendimento desestruturado para incluir um jornal (Journal of Empirical Legal Studies), uma conferência anual (Conference on Empirical Legal Studies), uma sociedade acadêmica (Society of Empirical Legal Studies) e, até mesmo, um blog (www.elsblog.org). Atualmente, é um campo internacional em evolução, com conferências conduzidas em Israel, Alemanha, Taiwan, Itália e Inglaterra (cf. Theodore Eisenberg, 'The Origins, Nature, and Promise of Empirical Legal Studies and a Response to Concerns').
No Brasil, já é possível sentir os efeitos da "onda empírica". A Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP/USP), por exemplo, promoveu entre os dias 29 e 30 de setembro o I Encontro de Pesquisa Empírica em Direito. O objetivo, segundo o coordenador Paulo Eduardo Alves da Silva, era o de "promover a difusão e o debate de pesquisas de natureza empírica sobre as instituições do Estado e do sistema jurídico; refletir sobre o planejamento e realização das pesquisas; avaliar os resultados e o seu potencial na concepção de políticas, leis e renovação da ciência jurídica; planejar os desdobramentos desse debate em futuros encontros" (cf. 'Encontro de Pesquisa Empírica em Ribeirão'). É uma evidência clara da preocupação dos jovens pesquisadores que ocupam os cargos de professores desta nova instituição, a qual busca convênios com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada para aprimorar a pesquisa empírica no direito.
Outro sinal da penetração deste campo científico é o curso sobre métodos empíricos no direito oferecido em outubro pela FGV-RJ, intitulado "A Gentle Introduction to Empirical Methods in Law", ministrado por Robert Lawless da Universidade de Illinois (EUA). Ao apresentar técnicas de investigação sistemática, o objetivo era o de "permitir o desenvolvimento de pesquisas mais próximas da realidade e, consequentemente, mais afastadas de uma posição normativa do autor, muitas vezes baseadas em palpites e preconceitos do próprio".
Além de seminários e cursos, a influência do movimento empirista já é presente nos cursos de pós-graduação. Na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, por exemplo, os professores Virgílio Afonso da Silva, Diogo Coutinho e Jean-Paul Rocha ministraram em 2011 a disciplina "Pesquisa em Direito", que tinha como conteúdo discutir temas ligados a pesquisa em direito, como (i) definição de objetos de pesquisa, (ii) formulação de hipóteses de trabalho, (iii) o que é uma tese em direito, (iv) definição dos recortes de pesquisa, (v) seleção de material, (vi) perspectiva teórica e perspectiva empírica, e (vii) análise de resultados. Mesmo que focado na criação de uma arena de debates sobre a metodologia do trabalho de pesquisa em nível de pós-graduação a partir dos próprios projetos dos alunos inscritos na disciplina, o curso valeu-se de bibliografia específica sobre pesquisa empírica (cf. Peter Cane & Herbert M. Kritzer (eds.). The Oxford Handbook of Empirical Legal Research. Oxford: Oxford University Press, 2010).
Obviamente, todo este novo realismo jurídico voltado à pesquisa de campo tem causado reações contrárias. Brian Leiter, da Universidade de Chicago, polemizou a questão ao afirmar em seu blog que o "fetiche empírico tinha escapado do controle". Uma crítica comumente feita é a de que os pesquisadores do movimento Empirical Legal Studies dominam muito pouco a teoria do direito e são incapazes de discutir questões sérias de legal reasoning, sendo meros operadores de dados. Entretanto, essa é uma discussão sem fundamento, a não ser o preconceito.
É claro que não pode haver pesquisa empírica puramente objetiva e analítica. Sempre há uma questão de posicionamento ideológico e valor, mesmo que seja no recorte e definição do objeto de pesquisa. Entretanto, uma pesquisa que assuma uma hipótese e venha a testá-la com o objetivo de realizar uma proposição normativa de caráter transformador é tão importante quanto uma mera pesquisa tradicional teórica em direito (dogmática), limitada a reflexões desconectadas da complexidade da norma em ação. Esse é o mérito de pesquisas empíricas como a de Octávio Ferraz e Virgílio Afonso da Silva sobre a judicialização da saúde, de alto teor crítico.
Aquela velha máxima do subversivo grupo de rap Public Enemy deve ser levada a sério: don't believe the hype. Toda promoção extrema de uma ideia deve ser analisada com um olhar crítico - e isso também se aplica ao movimento jurídico empirista que vem dos Estados Unidos.
O radicalismo de certos proponentes do Empirical Legal Studies de negar a importância das questões concentuais e normativas precisa ser repelido (ao menos, é o que penso). A pesquisa empírica deve possuir fundamentos teóricos sólidos e deve ser realizada com vistas a fins transformadores, auxiliando legisladores, magistrados e policy makers na compreensão da dinâmica e efetividade das normas.
Enfim, a incorporação da metodologia das ciências sociais ao estudo do direito e do sistema jurídico pode gerar um amplo campo, de colaboração e comunicação entre acadêmicos, direcionado à resolução de problemas e ilumunição de pontos obscuros da relação direito-sociedade. Sem dominar a técnica da pesquisa empírica, dificilmente os juristas poderão superar o atraso da pesquisa em direito - ainda presa ao formalismo coimbrã - e acompanhar a sofisticação de outras ciências sociais que operam à serviço da melhoria da vida em comum.
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