Max Weber é um autor extremamente atual para as ciências sociais e para o direito. Maurício Tragtenberg, na introdução à edição brasileira de Gesammelte Aufsätze zur Wissenschaftslehre, é conciso e afirma que Weber é atual por ser um clássico: "Max Weber é um autor clássico, portanto, atual. Se pudéssemos sintetizar a temática central do conjunto de sua obra, diríamos que ela se debruça sobre os problemas da racionalização, da secularização, da burocratização das estruturas e dos comportamentos das pessoas como traços específicos da civilização ocidental".
As discussões levantadas por Weber sobre os paradoxos da modernidade ainda permeiam grande parte dos debates acadêmicos do ocidente. Sua vida e suas obras despertam o interesse de diversos pesquisadores contemporâneos, de diferentes áreas. Na Universidade de São Paulo, por exemplo, Max Weber foi tema central de duas conferências neste ano de 2011: O seminário "Adeus, Weber?", organizado por Gabriel Cohn no mês de abril (com quatro encontros temáticos: agência e instituição, economia e política, acumulação e seleção, o mal-estar na modernidade), e a "Jornada Max Weber", organizada pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia em setembro, que contou com palestras de pesquisadores brasileiros e estrangeiros como Sérgio da Mata (Max Weber e a religião: a perspectiva da história intelectual), Rita Aldenhoff-Hübinger (Max Weber as a university teacher), Leopoldo Weizbort (O que Max Weber e Walter Benjamin tinha a dizer aos estudantes?), Rainer Schmidt (Max Weber and democratic theory) e Gandolf Hübinger (Max Weber the historian: an intellectual history).
Jurista de formação (tendo estudado em Heidelberg e Berlim), porém com amplos conhecimentos científicos em história e economia - tornando-se posteriormente professor de economia e ciência política em Heidelberg -, Weber pautou a discussão sociológica do último século com obras fundamentais como A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (tese que identifica a afinidade eletiva entre o espírito da moderna vida econômica com a ética racional da ascese protestante, publicada em 1905), a famosa palestra proferida em 1917 sobre Ciência como Vocação, e os monumentais manuscritos sobre sociologia econômica (Grundriss der Sozialökonomik), publicados após sua morte sob o título Economia e Sociedade.
O que seria da sociologia sem Weber? É difícil imaginar. Ele a redefiniu como ciência da ação social (conduta humana dotada de sentido) e a distinguiu da convicção (inerente ao político). Para o jurista alemão, a escolha científica (ação social racional) é uma escolha moral orientada pelo valor da verdade. Weber, um burguês declarado e envolvido com a política local, defendia o não engajamento político do cientista e a objetividade das ciências sociais. O plano científico deveria ser separado do pedagógico-científico. Análises são diferentes de avaliações. Segundo Tragtenberg, "A ciência racional à qual Weber está vinculado é parte do processo de racionalização. A objetividade é uma de suas características básicas, além da renúncia a julgamentos de valor em determinado nível de sua elaboração".
O preço pago pela objetividade (a elaboração de uma teoria social isenta de juízos de valor) foi alto. Como afirma José Eduardo Faria, Weber era um homem em confronto com sua própria visão de mundo: "Um pensador vigoroso e erudito, mas permanentemente angustiado e atormentado por conflitos internos. Um intelectual que trabalhou com os grandes temas de seu tempo, como o materialismo histórico, a integração moral, o poder político, a burocracia como forma instrumental de domínio e a influência da ascese protestante no desenvolvimento capitalista, mas que ficou marcado pelo dilema entre reflexão e ação - mais precisamente, entre a pretensão de objetividade científica, que a seu ver exige neutralidade e isenção, e a sedução pela política, que envolve ira e paixão e requer pragmatismo, opções e posicionamentos. Assim foi Max Weber - um liberal in despair, conforme foi chamado por alguns de seus críticos e biógrafos, ou um sábio trágico, como foi descrito por outros".
Weber fez um diagnóstico do mundo moderno, caracterizado pela racionalização, intelectualização, atitudes calculistas, previsibilidade e pela burocracia (estrutura social legalmente organizada caracterizada pelo caráter legal das normas e regulamentos, caráter formal das comunicações, caráter racional e divisão do trabalho, impessoalidade nas relações, hierarquia de autoridade, rotinas e procedimentos padronizados, competência técnica e meritocracia, especialização da administração, profissionalização dos participantes e completa previsibilidade do funcionamento). Para Weber, a história moderna é caracterizada pela progressiva racionalização de todos os setores da vida, convertendo a eficiência e o cálculo em critérios supremos. Daí advém a ação racional, que envolve o domínio das relações entre meios e fins. A partir da ação racional, Weber cria uma tipologia tríplice: (i) ação racional prática (escolha dos meios disponíveis mais eficientes para se atingir um determinado fim), (ii) ação racional substantiva (comportamento pautado por princípios valorativos livremente escolhidos, conforme a convicção do indivíduo), (iii) ação racional formal (comportamento padronizado conforme regras impessoais, abstratas e gerais encadeadas de maneira lógica).
E o que é o direito positivo senão um exemplo emblemático da racionalidade formal? Faria destaca que, para Weber, o direito racional-formal é "visto como um mecanismo para aumentar a probabilidade de que certas ações ocorram de modo determinado, ou seja, de maneira como prescritos por códigos e leis. Por garantir o respeito à propriedade, assegurar a validade e o cumprimento dos contratos, oferecer aos agentes econômicos a segurança de que precisam para investir e tornar previsíveis até mesmo as mudanças de suas próprias regras e procedimentos, o direito positivo funciona como um mitigador da indeterminação das ações sociais, como mecanismo facilitador das interações humanas e como marco referencial para as chamadas regras do jogo".
Max Weber não via esse tipo de direito racional-formal na China e nos países islâmicos que visitou. Weber acreditava que o direito europeu era mais “racional” do que os sistemas de direito de outras civilizações. O direito europeu era altamente diferenciado, construído de maneira deliberada, geral e universal, em razão da interação entre várias forças, em especial as tendências religiosas, econômicas e políticas da vida ocidental. O capitalismo moderno e industrial que surgiu na Europa requeria uma organização do direito fundada não em elementos místicos e tradicionais, mas sim no alto grau de racionalidade formal.
Apesar de tratar muito do tema do capitalismo, diferente de Karl Marx, a preocupação principal de Max Weber não era a infraestrutura econômica, mas sim o poder. Influenciado por Friedrich Nietzsche, Weber pretende responder a questão "por que os homens obedecem a uma ordem?".
Essa é uma questão que fascina teóricos até hoje. Por que nós obedecemos a uma ordem? Por que aceitamos o poder de uma pretensa autoridade? Quem pode utilizar-se da coerção? Weber sabe que a luta pela condução dos indivíduos (dominação do homem pelo homem) é uma dimensão sempre presente na vida social. Entretanto, em que justificativas internas se fundamenta a dominação?
Essas questões levam à clássica formulação de tipos-ideais de autoridade amplamente estudados na sociologia jurídica (é importante ter em mente que, na metodologia weberiana, os "tipos-ideais" são formulações abstratas que permitem uma definição dos fenômenos por meio da ênfase a um ou vários de seus aspectos, sempre valorizando sua interdependência, seus nexos causais e seus significados; enfim, o tipo-ideal não é um modelo prescritivo, mas um instrumento lógico por meio do qual o cientista social analisa as instituições históricas a partir do comportamento dos indivíduos). Para Weber, é possível identificar três "tipos puros": a (i) autoridade tradicional, a (ii) autoridade carismática, e a (iii) autoridade legal racional. Na primeira, a autoridade é exercida sobre pessoas que a aceitam em face do fato de sempre ter sido assim (sociedades pré-modernas). Na segunda, a autoridade é exercida por líderes tomados por inspirações proféticas ou com qualidades excepcionais, como a habilidade para liderar pela força da personalidade e da convicção e do poder de persuasão (sociedades em crise). A terceira, por fim, se funda em critérios objetivos e que se expressam por meio de leis abstratas, gerais e impessoais (sociedades modernas).
Nas sociedades modernas, a autoridade é predominantemente legal-racional. O domínio dos homens sobre os homens se dá sem violência física, mas através do Estado de Direito. O marco de uma relação de autoridade é o fato de que ela envolve um exercício de poder justificado na visão da pessoa que está sendo dominada, pois ela reconhece a validade normativa do princípio a que a parte que exerce o poder recorre como justificativa para as suas ações. O indivíduo internaliza a crença de que não está obedecendo a alguém, mas a um corpo de regras impessoais - e esta se mostra a forma mais eficaz de domínio já experimentada pelo homem (a força mais potente da sociedade humana não é a coerção física, mas uma crença na natureza vinculante de determinados princípios normativos que são apenas ideias).
Segundo Weber, a organização social e econômica do ocidente moderno se diferencia pelo alto grau de racionalidade e pela dominância das burocracias racionais-legais. No início do século XX, em nenhum outro lugar as estruturas da autoridade racional-legal emergiram e se arraigaram em nada que se assemelhasse à escala ocidental moderna. A influência seria inevitável: a tendência do século XX seria a ocidentalização e a expansão da autoridade racional-legal.
Weber via a possibilidade do crescimento da burocracia em todas as esferas da vida, tornando-se a burocracia (estrutura social legalmente organizada) um fim em si. Daí o paradoxo do processo de racionalização: quanto mais ele avança, mais burocratiza e juridifica a vida social, erodindo a liberdade de escolha dos sujeitos e comprometendo a autonomia individual. O modernismo trágico weberiano é destacado por Faria: "a mesma razão que libertou os homens dos temores e mistérios da religião, propiciando a transição do mundo das trevas para o mundo das luzes, também pode levar ao desenvolvimento de organizações formais que minam a discricionaridade, o poder de escolha e liberdade. A mesma razão que permitiu ao homem tomar consciência dos valores que o motivam e dão sentido à sua vida, pode levá-lo à alienação, à indiferença e ao inconformismo, bem como submetê-lo a forças explítitas ou difusas de controle, submissão e obediência civil. No limite, quanto mais a racionalização se aprofunda e o mundo se desencanta, mais o homem corre o risco de acabar numa jaula de ferro da servidão burocrática, que esvazia ou expropria sua autonomia, seu livre arbítrio e sua vontade, deixando-o ao arbítrio de especialistas sem espírito. É nesse momento, em síntese, que o sábio se torna trágico, em que Weber se converte num liberal in despair".
No final de sua vida, Weber adotava posturas ambivalentes sobre a sociedade moderna e o processo de racionalização. Apesar de prezar pela análise, avaliava potenciais riscos da modernidade. Para Anthony Kronman, Weber insistia na ideia paradoxal de destinos da modernidade: "a modernidade significa o esclarecimento e a possibilidade bastante aperfeiçoada de controle humano, mas também significa a dominação crescente de forças arbitrárias, entre as quais ele inclui a própria razão". A crescente racionalidade poderia causar a perda da autonomia do homem. Paradoxalmente, no diagnóstico trágico de Weber, o excesso de racionalidade poderia produzir irracionalidade.
Em razão da riqueza de discussões que Max Weber proporciona, seus textos são utilizados em cursos de graduação e pós-graduação em diversos cursos mundo afora. Weber é um autor que pode (aliás, deve) ser lido por sociólogos, cientistas políticas, juristas, administradores, economistas, historiadores, etc. Além de clássico, é universal. A partir de Weber é que se torna possível compreender parte dos textos de Niklas Luhmann e Jürgen Habermas, entre outros teóricos.
Para demonstrar a importância de Max Weber, compartilho o curso "Fundamentos da Teoria Social Moderna" ministrado pelo Professor Ivan Szelenyi na Universidade de Yale há dois anos. Weber foi tema de cinco aulas neste curso. Para quem não tem proximidade com o assunto, é uma excelente oportunidade de aprender um pouco sobre a metodologia weberiana e seu rico vocabulário criado com o objetivo de compreender o mundo.
As aulas são em inglês, mas estão legendadas pela própria Universidade de Yale.
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