Deslegalização e flexibilização de direitos no Estado schumpeteriano: a visão de Faria

Para os que não são alunos da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo ou da pós-graduação do Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, o vídeo abaixo é uma excelente oportunidade para uma compreensão mínima da perspectiva crítica do professor José Eduardo Faria, um dos mais importantes sociólogos do direito na atualidade.

O vídeo é uma gravação da palestra do professor Faria no seminário "Tribunais, Cidadania e Direitos", promovido pela Associação Sindical dos Juízes Portugueses, em dezembro de 2012 em Lisboa. Em sua fala, Faria sintetiza os argumentos apresentados em seus últimos livros (O Direito na Economia Globalizada, Sociologia Jurídica: Direito e Conjuntura e O Estado e o Direito Depois da Crise, este último vencedor do prêmio Jabuti de 2012), destacando o desmanche do Estado de bem-estar social keynesiano e os reflexos jurídicos da globalização econômica e da ascensão do Estado schumpeteriano, pautado pela tempestade constante da destruição criativa, competitividade e concorrência pela inovação. 

Para Faria, como argumentado em outro texto, vive-se um momento de desregulamentação e deslegalização, que não significam menos direito: "significam, sim, menos direito positivo e menos mediação das instituições políticas na produção de regras, em benefício de uma normatividade emanada de diferentes formas de contrato e da tendência dos diferentes setores da vida social e econômica à auto-regulação e à auto-composição dos conflitos. Ainda que continue permanecendo como referência básica para os cidadãos, na prática os institutos legais tradicionais perderam sua centralidade e exclusividade. Eles estão deixando de ser a fonte de legitimação e legitimidade de sistemas normativos auto-centrados nos limites de um território, abrindo-se progressivamente a regimes normativos oriundos de organismos multilaterais, entidades internacionais, bloco regionais e poderes locais, bem como de agentes de mercado que, valendo-se de seu poder econômico e de seu peso financeiro, muitas vezes convertem faticidade em normatividade. Com isso, códigos deixam de ser o eixo de um sistema normativo único para se tornar parte de um poli-sistema, com fontes supranacionais (como os organismos multilaterais), fontes privadas (que envolvem práticas regulatórios desenvolvidas por redes de empresas), fontes técnicas (baseadas na expertise científica) e fontes comunitárias (fundadas na capacidade de mobilização da sociedade por meio de ONGs e movimentos sociais) de direito; mais precisamente, um sistema multi-nível (multi level system), com regras de alcance local, regional, nacional e transnacional. Desregulamenteção e deslegalização no âmbito do Estado, portanto, configuram assim outro modo de regulamentação e legalização em âmbitos não-estatal" (cf. A globalização econômica e sua arquitetura jurídica).

A palestra é uma síntese apertada das ideias do professor Faria com relação às tendências para o direito e o Estado no século XXI, em especial o projeto europeu de desconstitucionalização dos direitos sociais. Para quem foi seu aluno nos últimos anos, não há nada de novo. Para quem não o teve como docente, trata-se de uma aula imperdível sobre cenários futuros sombrios (em alguns momentos "absolutamente dramáticos", como costuma dizer Faria em sala de aula) que nossa geração enfrentará. A visão é de um pesquisador experiente que há três décadas tem produzido textos profundamente reflexivos sobre a relação entre direito, economia e política.

Graças à hiper-conectividade democrática provocada pela Internet, essa aula voltada aos magistrados portugueses está disponível gratuitamente para todos. Basta clicar e acompanhar o raciocínio rápido deste ícone da sociologia jurídica brasileira.


Prof. José Eduardo Faria (2012-12-06) por dm_50c3526409d78

Um comentário:

  1. Entendo praticamente nada do assunto, mas posso perceber "in loco" o incessante avanço do privado sobre o público em vários segmentos da sociedade.

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