Carta aberta ao Prefeito de Maringá

Os leitores de outras cidades que me desculpem, mas o tema desse texto é minha cidade natal Maringá (Paraná). Na verdade, não tenho nada há dizer, apenas faço questão de reproduzir a "Carta ao Prefeito de Maringá (Sr. Sílvio Barros)", elaborada pelo meu amigo de longa data Paulo Catto Gomes (FAU-USP), maringaense e companheiro de perrengue acadêmico aqui em São Paulo.

A carta - escrita apenas para fomentar e ampliar o debate - é uma análise urbanística séria sobre Maringá, que não é tratada como um todo em suas fragmentadas, descontínuas e desconexas obras e empreendimentos, e a inexistência de procedimentos democráticos que legitimem obras públicas que afetam intensamente a vida de toda a população. 

Em síntese, o manifesto deixa claro que é preciso pensar em novas alternativas para a cidade, como uma operação urbana consorciada que envolva o poder público, a sociedade e o setor privado. O alerta de Catto é óbvio, mas não deixa de ser importante: se bons projetos forem implantados - priorizando os pedestres, o espaço público e o transporte público de qualidade - gerações futuras terão uma cidade renovada, pujante e viva.

Recomendo a leitura. Trata-se do manifesto de alguém sinceramente preocupado com o futuro da cidade, que deve ser pensada no seu aspecto urbano de forma holística, para além dos empreendimentos fragmentados e interesses particulares.

"Foto: Catto e eu, aqui no seu apartamento em sampa".

Carta ao prefeito de Maringá (sr. Sílvio Barros)
Caro Prefeito, as mudanças que estão acontecendo em Maringá nesse momento, acompanhando o próprio crescimento econômico por que passa o Brasil, são de grandes proporções para a cidade e por isso muito importantes. As transformações que agora fizermos serão vividas pelos cidadãos maringaenses nos próximos 20, 50 e até 100 anos. Isso em qualquer campo, seja na educação, na cultura, no esporte, na segurança ou na economia. Quero me referir especificamente ao que acontece no planejamento urbano.

Vemos em Maringá algumas grandes obras em andamento. Obras de infraestrutura como o Contorno Norte, por exemplo, que desviará o trânsito pesado do centro da cidade. Trânsito, aliás, que está em momento de mudanças essenciais desde a implantação do sistema binário. Outros projetos de porte são anunciados para um futuro próximo, quase imediato. Cito: a reformulação da Avenida Brasil, sem suas vagas em espinha-de-peixe e com canaletas para ônibus; e projetos ainda mais ousados como os da revitalização da Zona 10 e o plano de ocupação para a área do antigo aeroporto.

O assunto mais urgente, nesse momento da história de Maringá, é o que está acontecendo no coração da nossa cidade – no Novo Centro e no centro “antigo” (a área da Antiga Rodoviária e da Praça Raposo Tavares). O Novo Centro já está praticamente todo tomado por esses novos empreendimentos imobiliários. Da grande área originalmente destinada a ser pública, depois que o pátio de manobras da ferrovia foi deslocado e a linha férrea rebaixada, sobrou menos que um terço. Esse lugar que já recebeu projeto de Oscar Niemeyer na década de 80 – que cidade no mundo não gostaria de ter isso como marco? – hoje se encontra densamente ocupado por edifícios de qualidades arquitetônicas e urbanísticas apenas medíocres.

No lugar onde funciona o terminal de ônibus, aquela cobertura corrida de zinco, vemos em volta muitos pontos improvisados onde as pessoas com dificuldade encontram e embarcam em seus transportes; vemos dezenas de carros estacionados sobre a quadra, que devia ser uma grande praça, e vemos os flanelinhas que “alugam” esse terrão como estacionamento particular. O espaço é caótico. Por que, infelizmente, o que é público ainda é tratado com tão pouca atenção?

A quadra da Antiga Rodoviária agora está em questão novamente, depois de sua tumultuada demolição. A proposta da Prefeitura de abrir uma licitação para o local está quase pronta e o terreno já está sendo desafetado para que o setor privado possa usá-lo. Apesar da Prefeitura dizer o que deverá ser feito, nunca foi apresentado oficialmente um projeto do que será construído ali. Essa licitação possui falhas quanto à sua justificativa, seu programa proposto, e seus critérios. Primeiro, cabe lembrar que a Antiga Rodoviária era um edifício público. Desde o início de Maringá essa área tem sido pública. Portanto, a quadra pertence à cidade e sua população e não à Prefeitura Municipal, independente de qual tenha sido o valor pago na desapropriação aos condôminos do antigo edifício.

Um terreno público não poder se vendido. Tampouco pode ser cedido ou concedido de maneira tão apressada. O que será a construído ali é ponto central de interesse da comunidade maringaense, e deveria ser discutido de maneira ampla. A maneira como as coisas se encaminham é descuidada, pois está negando ao município a oportunidade de decidir abertamente e de modo estudado qual será o edifício erguido no ponto mais central de Maringá. Na verdade, é a própria Administração Pública que deveria preservar esse direito aos seus munícipes. E também é ela responsável por qualquer obra que venha a ser realizada em locais públicos. A teoria de que o governo não tem recursos para tais obras não pode ser desculpa para que se transfira ao setor privado a iniciativa. Qual é a pressa de se liberar essa área? Existem várias maneiras de viabilizar grandes empreendimentos públicos sem ter que abrir mão da decisão que for mais interessante ao município. Ao fim dessa desastrosa licitação que se aproxima, o seu vencedor será determinado por quê? Menor preço?

A cidade não é simplesmente uma soma de lotes e quadras cortadas por ruas e avenidas. O desenho urbano de Maringá, feito por Jorge Macedo de Vieira, em 1947, conferiu à cidade um padrão espacial excelente. O projeto bem executado pela Companhia proporcionou uma qualidade de vida da qual até hoje desfrutamos. No entanto, de lá para cá a cidade vem perdendo essa qualidade urbanística. E o motivo disso acontecer é justamente porque as coisas são feitas de maneira fragmentada e descontinuada. A cidade precisa ser tratada como um todo – toda alteração feita em uma área importante tem implicações em uma área muito maior. A cidade é um organismo, uma rede interligada. A questão do terreno da Rodoviária Antiga não deve ser resolvida apenas dentro dos limites físicos de sua quadra – ela envolve toda a área central da cidade.

Voltando à ideia da licitação, lê-se que ela sugere a construção de um hotel, salas comerciais e apartamentos, estacionamento, e para compensar, um “centro cultural” e uma biblioteca que seriam “doados” ao poder público. Em primeiro lugar, não é difícil imaginar o efeito que teria na paisagem tamanho volume edificado. Tantos edifícios (ou mesmo que seja apenas um) com todas essas funções formarão algo enorme. Estaremos sufocando o centro de Maringá e matando o belo e estrutural eixo “monumental”. Assim será qualquer edifício resultante de uma licitação feita nesses moldes. Se não fomos capazes de preservar nada do antigo edifício que havia ali, sua espacialidade ainda serve como exemplo. Era um prédio permeável, vazado no meio; se atravessava a quadra por seu interior. Essa era a grande qualidade que tinha como espaço público. Em segundo lugar, o que é ainda mais gritante, é que muitos desses equipamentos que a licitação prevê já existem, porém são subutilizados. É o caso do Hotel Bandeirantes, patrimônio histórico da cidade que está desativado há anos, ou o belo e abandonado Cine Teatro Plaza, raramente usado. Existe ainda o Centro Comercial, junto a Praça Raposo Tavares, que é subutilizado e muito desvalorizado. De todos os novos edifícios propostos pela licitação, talvez o único justificável seja a biblioteca. Seu atual prédio é pequeno e obsoleto, mas ainda pode ser útil para outro fim cultural ou social.

Esses edifícios, com algum projeto de restauro e modernização poderiam voltar a ser referencias de destaque para o centro de Maringá, além de trazerem nova vida ao seu entorno e, consequentemente, uma renovação urbana abrangente. As praças e espaços públicos preservados também seriam renovados e se beneficiariam dos equipamentos revividos. É a diferença entre promover a cidade como um todo, de modo a devolver-lhe a qualidade de vida de antes e uma vitalidade urbana compatível com seu crescimento, ao invés de promover apenas um empreendimento localizado, restrito e desconexo.

Maringá precisa sim de mudanças sem seu urbanismo para que possa acompanhar o desenvolvimento da cidade. A quadra da Antiga Rodoviária é apenas mais um dos espaços que sofrerão transformações nos próximos anos. Se a cidade precisa de respostas, e as questões seguirão aparecendo, devem se prever as necessidades e projetar as soluções. Isso é o papel do planejamento. O que pode ser feito, ao invés de uma licitação limitada, é um conjunto de ações que modifique a cidade de maneira integrada.

Uma Operação Urbana Consorciada seria o instrumento perfeito para se obter uma transformação estrutural em Maringá capaz de proporcionar melhores espaços e edifícios para as pessoas, criando qualidade espacial, deixando a cidade mais eficiente e sustentável do ponto de vista funcional e ainda atender às necessidades do mercado imobiliário. Em uma operação como essa se envolvem o Poder Público, a Sociedade e o Setor Privado. Todos participam, contribuem e o resultado beneficia a todos.

 Novamente o próprio desenho urbano de Maringá nos aponta caminhos por onde repensar a cidade. Uma Operação Urbana a ser feita poderia abranger além do terreno da Antiga Rodoviária, o Hotel Bandeirantes, a Biblioteca, o Centro Comercial e o Cine Plaza. Pode a partir do centro estender-se ainda até o Centro de Convivência e a Praça da Catedral, e até a Vila Olímpica e a UEM. Pode incluir também todo um perímetro determinado que envolva essas áreas e assim consolidando efetivamente um eixo central estruturador no tecido urbano. A prefeitura faz o planejamento, define novos índices de aproveitamento e cria uma legislação específica; o setor de construção e o mercado imobiliário se encarregam de concretizar os projetos. Dessa forma, não só os próprios equipamentos, mas também lotes e imóveis próximos às praças do eixo monumental estariam sujeitos a parâmetros específicos e passíveis da Operação. A população será favorecida, a prefeitura conseguirá implantar um projeto urbano articulado e eficiente e ainda haverá com o que o mercado imobiliário saciar seu apetite.

Diversas cidades no mundo todo recebem destaque ao aplicarem medidas urbanísticas inovadoras. Concursos de projetos de arquitetura muitas vezes têm esse papel de dar notabilidade a momentos de renovação urbana que cidades atravessam. O Rio de Janeiro, para citar apenas um exemplo, está prestes a sediar as Olimpíadas e alguns concursos com participação dos mais importantes arquitetos internacionais darão à cidade uma nova paisagem para muitas de suas áreas até agora degradadas como a região do porto. A cidade do Rio está em evidência. Maringá não é nenhuma capital, mas possui um potencial econômico e uma situação urbana rara. Uma Operação Urbana poderia vir acompanhada de um concurso, até mesmo para que profissionais competentes de todo o país e de fora apresentem suas propostas para nossa cidade. Cidades menores também já realizaram concursos de projeto, como Blumenau, para seu mercado municipal. Maringá seria extremamente beneficiada como uma iniciativa dessas.

É importante que as iniciativas que influenciem estruturalmente o urbanismo de nossa cidade sejam cuidadosamente planejadas. Não se pode permitir que a cidade seja tratada de modo fragmentado, lote a lote, quadra a quadra. Se bons projetos forem implantados, priorizando os pedestres, o espaço público e o transporte público de qualidade, gerações terão uma cidade melhor onde a vida urbana é rica e cheia de possibilidades. Uma cidade renovada, pujante e viva. Maringá pode vir a ser em poucos anos um exemplo de urbanismo e qualidade de vida. Curitiba, por exemplo, goza de enorme reconhecimento, devido a sua postura quanto ao urbanismo e ao transporte público. Nossa cidade, prefeito, surgiu de um excelente projeto e poderá seguir sendo única se tomarmos as decisões mais acertadas. Escrevo essa carta sem pretensão alguma. Gostaria apenas que a cidade fosse objeto de uma discussão ampla e que o planejamento urbano estivesse à frente das mudanças e guiando o destino de Maringá.

Um comentário:

  1. Primeiramente gostaria de parabenizar o amigo Zanatta pelo Blogg, pelos acessos e acima de tudo pela qualidade do conteúdo apresentado.Catto, parabéns pela carta, que apesar de você estar morando em São PAulo já há algum tempo, nao esqueceu momento sequer da sua cidade, soube salientar e expor muito bem os problemas e dificuldades que os maringaenses enfrentam diariamente e as necessidades estruturais seja no centro ou nos bairros da cidade. Indo direto ao ponto, fico pensando como será estacionar no centro da cidade caso a reformulação da Avenida Brasil, construção de canaleta para ônibus venha a se concretizar. Fico pensando o que será do comércio, pois, se com as vagas que existem já é caótico estacionar, imaginem se as mesmas deixarem de existir.Quanto a revitalização da Zona 10 e o plano de ocupação para a área do antigo aeroporto, é algo que pelo tempo que é discutido, já deveriam ter sidos propostos diversos projetos, como centros culturais, parques planejados como em grandes cidade do mundo. A praça da catedral está "jogada as traças", nem reformada foi durante todos esses anos. A câmara dos vereadores precisam se focar em assuntos de interesse público.

    ResponderExcluir

Mais lidos no mês