A concatenação de convulsões políticas no mundo árabe


O editorial da revista londrina New Left Review de n. 68 (mar/abr 2011) traz um texto do historiador Perry Anderson intitulado "On the Concatenation in the Arab World" que confirma - ao menos num plano analítico - uma hipótese levantada por alguns desde os inícios das revoltas árabes em janeiro deste ano: as presentes revoluções, resultado de um longo processo de colonização imperialista ocidental, fazem parte de uma classe rara de eventos históricos, a da concatenação de convulsões políticas.

Eis a forma como Anderson inicia sua discussão, numa tradução-livre do original: "A revolta árabe de 2011 pertence a uma classe rara de eventos históricos: a concatenação de convulsões políticas, uma detonadora da outra, de toda uma região do mundo. Ocorreram apenas três casos anteriores: as Guerras de Independência da América Espanhola que começaram em 1810 e terminaram em 1825; as Revoluções Europeias de 1848-49, e a queda dos regimes do Bloco Soviético em 1989-91. Cada um destes foi historicamente específico para seu tempo e local, como a cadeia de explosões do mundo Arabe será. Nenhum durou menos de dois anos. Desde que o fósforo foi primeiramente aceso na Tunísia em Dezembro, com as chamas se espalhando para o Egito, Barein, Iêmen, Líbia, Omã, Jordânia, Síria, não mais do que três meses se passaram; qualquer previsão de seus resultados seria prematura. A mais radical das três convulsões listadas acima terminou em completa derrota em 1852. As outras duas triunfaram, embora os frutos da vitória tenham sido muitas vezes amargos: certamente, longe das esperanças de um Bolívar ou de uma Bohley. O destino final da revolta árabe pode assemelhar-se a esses padrões. Mas a possibilidade de ser sui generis é a mesma".

As duas características marcantes do Oriente Médio e Norte da África, a (i) longevidade e intensidade do controle imperial ocidental na região e a (ii) manutenção de longas tiranias ali instaladas desde a descolonização formal, junto à unidade cultural religiosa e linguística, facilitaram a concatenação dos levantes. O objetivo político é, no seu sentido mais clássico, liberdade.

Anderson então questiona: "porque agora?". O timing das convulsões sociais não pode ser explicado pelos seus objetivos, tampouco pelos novos canais de comunicação. O alcance da Al-Jazeera e a chegada do Facebook e Twitter podem ter facilitado, mas não fundaram um novo espírito de insurgência. Na visão de Anderson, o estopim das revoltas sugere uma resposta: tudo começou com a morte desesperada (auto-imolação) de um paupérrimo vendedor de vegetais numa pequena província tunisiana. Por trás da comoção que agora treme o mundo árabe existem pressões sociais vulcânicas: "polarização de renda, aumento do preço dos alimentos, falta de habitações, desemprego massivo da juventude educada e não educada, em meio a uma pirâmide demográfica sem paralelo no mundo. Em poucas regiões do mundo a crise subjacente da sociedade é tão aguda, tampouco a falta de qualquer modelo credível de desenvolvimento, capaz de integrar as novas gerações, tão visível".

Entretanto, entre os abismos sociais e os objetivos políticos da revolta árabe há um enorme descompasso. A liberdade, na análise crítica de Perry Anderson, precisa ser reconectada com a igualdade: "sem a sua coalescêncua, as rebeliões podem facilmente se esgotarem numa versão parlamentalizada da velha ordem, não mais capaz de responder às explosivas tensões e energias sociais do que a decadente oligarquia do período entre-guerras. A prioridade estratégica para a esquerda re-emergente no mundo árabe deve ser a de fechar as brechas das revoltas lutando por formas de liberdade política que irão permitir essas pressões sociais a encontrar formar ótimas de expressão coletiva. Isso significa, de um lado: lutar pela completa abolição de todas as leis do regime de emergência, dissolução do partido no poder ou destronamento da família real, limpeza do aparato estatal de ordenamentos do antigo regime e condução à justiça de seus líderes. Do outro lado, significa atenção cuidadosa e criativa aos detalhes das Constituições a serem escritas uma vez que os remanescentes do sistema anterior são varridos. Aqui os principais requisitos são: liberdade de organização cívica e sindical e de expressão irrestrita, sistemas eleitorais sem distorção, evitar presidências plenipotenciárias, bloquear o monopólio dos meios de comunicação (público e privado), e garantir direitos estatutórios para os menos favorecidos para o bem-estar público. É somente numa estrutura aberta deste tipo que as demandas por justiça social podem se desdobrar na liberdade coletiva que as revoltas precisam buscar qualquer realização".

O triunfo da recuperação da dignidade de democrática depende desta estrutura. Conseguirá o povo árabe passar por cima da poderosa estrutura bélica das potências aliadas (OTAN) para transformar revolta em revolução?

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