Sábado, um longo dia


Tudo começou bem cedo. Cedo até demais. Seis e cinco da manhã acordei com o celular tocando You Know What I Mean, do Jeff Beck. Era o Renan me ligando. Acordei atordoado, sentindo ainda um pouco da ressaca pelas diversas cervejas (Terezópolis, Devassa Ruiva, Serra Malte, Eisenbahn) apreciadas na Confraria 1516 umas horas antes. Coloquei o tênis, vesti uma blusa e saí, como se fosse um zumbi.

Dirigi 8 km até chegar na rodoviária e me deparei com um irmão caçula com cara de homem mais velho. Barba grossa, porte físico cada vez mais forte, cabelo bagunçado. Era o Renan de sempre, mas alguns meses mais velho. Ele entrou no carro e viemos batendo um papo. Ele disse que estava com muito sono e que queria dormir logo que chegasse em casa.

Comprei pão numa padaria qualquer na Av. Pedro Taques. Vi os jornais anunciando que o Rio de Janeiro seria a sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Dirigi até em casa.

Novamente em casa, coloquei o pão na mesa e fui tomar um banho. Já era praticamente sete horas da manhã. Acordei a Pri, que despertou cheia de manha. Tomei um gole de café e comecei a preparar a aula freneticamente. Em alguns minutos estaria em sala de aula. Correria lascada, olhava o material didático enquanto mastigava o pão com requeijão, pensando a melhor forma de transmitir aquele conteúdo as minhas alunas. Engoli o pão com força, despejando um café quente por cima.

Saímos atrasado, a Pri com destino à Cultura Inglesa e eu com destino à Yes. Parei no drive-through do McDonalds, pois a Pri tinha prometido levar cappuccino e pão na chapa pras colegas de trabalho. Esperei alguns minutos de forma agonizando. Odeio chegar atrasado no trabalho, principalmente de sábado.

Deixei a Pri. Dei uma boa aula. Pelo menos, penso que foi boa. Não sei se as alunas gostaram, mas dei o meu melhor.

Saí onze horas da Yes. Fui pra Cultura Inglesa e abri o livro As Intermitências da Morte, do Saramago. Ainda faltavam muitas páginas pra terminar a obra e encontro do Café com Prosa seria as seis da tarde. Sem falta. Li com pressa e confesso que perdi parte da magia da leitura, pois quando se lê com pressa e obrigação não se aproveita. É igual leitura de livro do curso universitário. Não é por tesão, mas por dever. Isso corrompe a apreciação de qualquer leitura.

No meio da leitura tive uma luz: armar um show pro Nanan & O Tanque! Na hora pensei: "talvez o Nevilton toque hoje! É nossa chance!". Liguei um computador do laboratório da Cultura e entrei correndo nos blogs de música da cidade. Abri o Espora de Galo e me toquei que o show do Nevilton seria na outra semana. Fiquei desanimado. Mas daí abri o Zombilly e vi que Os Bandidos Molhados tocariam sozinhos naquela noite e por apenas três reais!!!

Liguei o MSN na hora e procurei o Benites. Não o encontrei. Falei com o Bruninho então, que me passou o telefone do Caio (baixista dos Bandidos). Liguei pro Caio e perguntei se eles iriam tocar no Tribo's. Ele, com uma baita voz de sono, disse que não sabia. Que talvez iriam, mas não estava sabendo de nada. Eu então pedi o telefone do Murilo Benites. Liguei pro guitarrista dos Bandidos Molhados (era a segunda pessoa que acordava naquele sábado), e perguntei sobre o show. Ele disse que sim, e que a gente poderia tocar com eles. Sucesso! Maravilha! Fiquei super animado com a ideia de fazer um show, assim, do nada, no Tribo's num sábado que estava sem planos para a noite.

Pois bem, a missão agora era avisar o maior número de pessoas sobre o show. O máximo que fiz foi twittar, e ligar pra algumas pessoas, mas mesmo assim já era o suficiente pra render algumas pessoas no show.

A Pri saiu meio-dia e fomos direto pra casa, depois de enfrentarmos o típico engarrafamento da Avenida Herval na hora do almoço de sábado.

Almoçamos e no exato momento que dei a última garfada no macarrão, o interfone tocou. Era o Shiozaki, chegando já para treinarmos algumas músicas do Renan antes de irmos para o estúdio gravá-las.

Fomos pro quarto. Já era uma hora da tarde. Plugamos os instrumentos e tocamos umas duas ou três músicas, no máximo. Quando nos demos conta já era hora de ir para o estúdio do Dudu, do grupo Disritmia.

Duas horas chegamos lá no estúdio. O Renan tinha ido antes com o Shoza, e assim que entrei no estúdio/casa/sítio, me deparei com meu irmão se matando para executar os dedilhados e acordes de Pitoca, Pitoquinha no tempo certo do metrônomo. E todo músico que já gravou com metrônomo sabe como é foda fazer isso. É um saco. Qualquer errinho pequeno já é notável no estúdio, e é necessário tocar a mesma música várias e várias vezes. E foi isso que aconteceu.

Enquanto o Renan tocava eu lia o livro do Saramago. Tinha horário marcado com o grupo de literatura. Estava tudo uma confusão. O Renan tocando e pedindo minha opinião, eu lendo sobre a morte e suas cartas roxas, o Dudu e o Emanuel concentrados no tempo da canção. Tudo acontecendo de forma muito rápida.

Depois de algum tempo o Nanan pegou o jeito da coisa e conseguiu gravar a guia de voz e violão uma atrás da outra. Gravou suas oito músicas, Morena; Casa da Esquina; Pitoca, Pitoquinha; Vai Dizer; Pescador; Pra te Alegrar; Sem Sentido; Um Sonho que Tive, num período de cinco horas. Foi uma paulada.

Bacana foi ver a empolgação do Dudu, responsável pela gravação e por alguns futuros arranjos, que serão colocados no som do Nanan & O Tanque. Ele ficou amarradão (eu sei, esse termo é tosco, mas cabe aqui) no som do Renan, achou uma baita "swinguera".

Enquanto o Nanan fazia os acordes de Sem Sentido e acertava a variação de tempo da música eu saí do estúdio e fui ler no meio do mato. Literalmente. Depois de um tempo no por-do-sol terminei de ler o livro, encerrando com a fatídica frase No dia seguinte ninguém mais morreu.

Peguei minhas coisas e voei para o Café Folie da Anlys. Deixei o Nanan e a Pri no estúdio e zarpei, dirigindo rapidamente, pois já estava atrasado para o encontro, que eu me propus a organizar. Cheguei lá e esbarrei com o Rocha. Depois de um tempo chegou a Lari, o Bruninho e a Rannah. Só amigos. O Samarago não teve muita adesão de leitores nesse segundo encontro do Café com Prosa. Mesmo assim, foi super enriquecedora e divertida a reunião.

Já encerrado o encontro eles chegaram. Fizemos uma grande mesa na frente do café e colocamos o quentíssimo (tinha sido gravado há poucos minutos) CD com a guia de voz e violão das oito músicas do Renan. A partir desta guia serão gravadas a bateria, o baixo, as guitarras, e depois, por último, o violão definitivo, a voz do Renan e elementos como percussão, metal e gaita. Um longo trabalho que virá pela frente!

O Tony (espanhol muito doido e dono do café) curtiu muito som do Nanan e disse que ele parecia com um cantor italiano chamado Nek. Não sei se isso é um elogio, mas pelo menos é engraçado.

Bom. Quando estávamos saindo pra minha casa, onde seria o esquenta para o show, aconteceu algo inesperado. O Tony, empolgado com nossa farra indo pro show, nos chamou e deu, DE GRAÇA, uma dose de Johnnie Walker Black pra cada um! Foram sete doses, viradas no tradicional para arriba, para bajo, para al cientro, para dientro! - no melhor do portunhol.

Saí já atordoado. Incrível o que uma simples dose de destilado por fazer com você com um estômago vazio!

Bom, chegamos todos em casa e ligamos o som: Nevilton, Charme Chulo, Sapatos Bicolores, Movéis Coloniais, fizemos um esquenta com cerveja e Jack Daniels ouvindo a finésse do rock brasileiro nos dias de hoje. A animação era grande. E o tempo voava. Já era onze da noite quando terminamos de tomar a última latinha e arrumar as últimas coisas para o show: cabos, pedais, instrumentos.

Paramos no cachorrão e comemos um dogão. Coisa típica de maringaense. Compramos duas cocas. Uma pro lanche e outra para o Jack & Coke. A noite prometia e o espírito alcoólatra da moçada estava latente!

Chegamos no Tribo's quase meia noite. Bar vazio, somente algumas pessoas, quase todas conhecidas. Bom sinal. Pensei: nem que a gente toque pra 5 pessoas, mas tocando já pra cinco amigos já está de bom tamanho!

De repente, o bar foi lentamente enchendo. Nós não queríamos atrasar muito pra tocar. Ligamos todas as coisas e quando foi meia-noite e quarenta começamos a tocar o som do Nanan & O Tanque. Foi um show diferente. Estávamos sem ensaiar, mas não faltava vontade de mostrar um pouco das composições feitas em Caiobá pelo rapaz maringaense.

Abrimos com Casa da Esquina, uma das mais agitadas composições de mio fratello. O som estava estranho. Guitarra muito baixa, talvez. Tocamos daí Pitoca, Pitoquinha. Desta vez o som estava muito alto. Começo de show é assim, uma confusão sonora.

Conseguimos regular um pouco e tocamos as outras do Nanan. Algumas lentas, como Morena, Vai Dizer e Pescador e outras mais agitadas como Sem Sentido (que tem até um lance meio latino, no meio música), Pra te Alegrar e a progressiva Um Sonho Que Tive. Nesta música, Renan, já exausto pelas gravações da tarde inteira, estava sem voz e se matou pra conseguir reprisar os gritos feitos no estúdio.



A galera curtiu. Eu também. A banda inteira ficou feliz. Pela primeira vez na história da banda, tocamos somente composições próprias, sem nenhum cover. Nesse set de 40 minutos rolou somente Nanan & O Tanque, e esse era o objetivo do show: mostrar para o público quem é o Nanan e como é sua música, agradando ou não aos espíritos mais sedentos de farra e zoação.

Desci do palco já chapado de Jack Daniels e recebi as carinhosas palavras dos membros dos Bandidos Molhados, Marco, Caio e Vinnie, que vieram falar como o som estava legal e tal antes de montarem seus respectivos equipamentos e instrumentos para o show que viria.

O bar já estava num nível muito bom de gente. Não lotado, nem vazio. Algo impressionante, considerando que o Tribo's estaria fechado naquele dia e que as bandas surgiram de última hora pra fazer o show.

Bom. Missão cumprida, foi minha hora de curtir a noitada, depois de tantos compromissos num sábado. Daí me soltei! Fui para o dancefloor e dancei demais ao som dos Bandidos Molhados, que animou a galera pra valer com seu surf music arrojado. Maringá parecia uma California. E não to falando daquela California sinistra ali do interior do Paraná, mas do melhor estilo praiano. Parecia qualquer praia, poderia ser até mesmo Caiobá. Mas o que importa foi a qualidade do som que os meninos tocaram, somente músicas boas. Não deram uma bola fora.

Rapaziada no twist! Foto: Andye Iore

Não lembro o repertório de cabeça, até porque nessas horas eu já estava um tanto quanto alterado, mas lembro que me emocionei quando tocaram O Milionário! Essa é demais! Um clássico da música brasileira! No mais, tocaram as magníficas músicas do EP de estréia, Surfando em terras vermelhas, e as músicas novas, que estão sendo gravadas.

Os Bandidos Molhados é uma das melhores bandas do Paraná, sem sombra de dúvidas. E também é uma das bandas com os membros mais gente-boas da música. E eu que já falei isso do Nevilton e da Família Palim, mas é que eu me surpreendo com o nível de camaradagem desse pessoal do rock independente. São pessoas incríveis. E falo aqui das qualidades como indivíduo, não só como músico. Pois bem.

Dizem por aí que eu estava embriagado, abraçando todo mundo no bar, todos os amigos e conhecidos. Não sei bem o que aconteceu de fato, mas acho que a informação procede. Eu estava feliz mesmo de estar ali, de estar vivo, de estar curtindo uma noite tão íntima e agradável. Foi uma grande festa, no sentido próprio da palavra.

Voltamos pro palco e tocamos várias músicas do Frank The Tank, pra alegria fora dos padrões do Raoni (outro ser que estava alucinado também) e o Murad e o Zé, galera rock n' roll do Direito - os veteranos foda! Eu estava mortão. Sabe quando o cansaço bate pesado? Mas mesmo assim me mantive, com goles de cerveja e tudo mais que aparecia pela frente. Tocamos Hangover, Old's Cool, Glass...sei lá o que mais. Molly's Chamber pro Juninho, dono do Bar (música que tocamos pela primeira vez em nosso primeiro show, em Dezembro de 2005 no antigo Tribo's).

E pra fechar a noite rolou uma Jam Sessions fora dos limites. Não sei bem que horas começou e como. Não sei se o som estava bom. Eu acho que comecei na guitarra e tocamos Pixies, depois fui pro baixo, Benites subiu pra guitarra e tocamos Helter Skelter, I Will Survive, Rock n' Roll...meu deus...eu realmente não lembro, estou contando com flashes e relatos de terceiros. Daí uma hora virou uma completa zona: Rocha foi guitarra (pasmem!!!), eu fui pra bateria e tocamos Sweet Home Alabama e Born to be Wild e sei lá o que mais, com direito a solo de bateria completamente descordenado, jogando as baquetas na galera no final.

Foi 100% rock n' roll.

Ficamos ainda conversando no final e ainda ganhei uma saidera da mulher do Juninho.

Foi um sábado incrível. Talvez uma das noites mais divertidas do ano e o um dos dias mais intensos e atarefados já vividos. Foi sem parar, mas com muita coisa boa acontecendo.

É isso aí.

7 comentários:

  1. Texto muito bom para uma noite que deve ter sido muito legal. Pena eu ter perdido.
    Ah! O Milionário (The Milionaire) é uma versão da música de Michael W. Masfield gravada pelos Incríveis (que tem um excelente baterista chamado Netinho que hoje toca também no The Originals).

    Um grande abraço e avise quando tocar novamente!!

    bulga

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  2. o renan me ligou. e me acordou. ou foi você que ligou? ah, tá certo, os dois ligaram mas eu não captei quem era quem. eu amo vocês. beijos molhados do paquito.

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  3. ps: minha casa não é na esquina mas vai ter festa e eu chamo vocês.

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  4. esse livro do Saramago é um dos meus preferidos.

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  5. Cara.. foi sinistro vc jogando a baqueta no final!
    Sorte que eu consegui pegar de volta né..
    huauhahuahuauh

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  6. Velho queria ter ido mas estavamos em Paranavaí! Dá proxima estamos dentro!

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