O debate sobre alternância do poder: a posição de Zeca Baleiro



Um diálogo aberto sobre política
No dia 15 de outubro, propus um debate público e aberto sobre a alternância do poder no e-mancipação. Em meio a campanhas midiáticas milionárias e polarizações superficiais de opiniões, escrevi aqui: Como exercício de reflexão colaborativa, proponho um desafio: que o debate sobre alternância do poder seja enfrentado com argumentos sólidos produzidos por nós. Aos defensores de Aécio, peço que apresentem argumentos claros sobre qual mudança a sociedade brasileira deseja e por que o governo Rousseff não é capaz de atingi-lo. Aos defensores de Dilma, peço que explorem a ideia do que se deve mudar ao não mudar de governo. Ou seja, mostrar por que mais quatro anos de governo Rousseff é alinhado com uma pauta progressista (e qual é essa pauta).

Através de redes sociais, pedi para vários amigos se posicionarem a respeito da cisão PT/PSDB. Mesmo com voto feito -- meu voto, neste momento, é no Partido dos Trabalhadores --, tentei pedir para eles um posicionamento feito em forma de texto. Vários prometeram. Porém, até agora, nada recebi. O desafio continua em pé.

Uma voz da música
Ontem, o compositor maranhense José Ribamar Coelho Santos -- o famoso Zeca Baleiro -- enfrentou o debate sobre a alternância do poder, tal como proposto neste blog. Em apenas um dia, a declaração de Baleiro teve mais de 45.000 compartilhamentos no Facebook.

Em seu texto, Zeca primeiramente contextualiza a discussão sobre alternância do poder em regimes democráticos e analisa, em linhas gerais, a atual discussão brasileira. Em seguida, inicia sua demolição da tese do "mudar por mudar", presente na mente de grande parte do eleitorado de Aécio Neves:

O direito à oposição e o anseio pela alternância de poder são pressupostos básicos de um estado democrático. Desejar e acalentar o sonho de mudanças também é uma natural aspiração de todo cidadão. Acho o governo Dilma criticável, como todo governo o é. Acho o PT criticável também, como todos os partidos o são. Como todo brasileiro, anseio por mudanças que urgem, embora reconheça que há mudanças políticas em curso neste governo que são louváveis. De qualquer modo, embora Dilma tenha seus pontos vulneráveis, não vejo adversário digno de sucedê-la. Mudar por mudar não me parece conveniente. Um dos argumentos mais usados pelos detratores da atual presidente e seu partido é o de que “estão há muito tempo no poder”. Esquecem que os tucanos há 20 anos ocupam o trono do governo de São Paulo (e há tempos vêm cometendo pecados sem perdão como o desmando irresponsável que gerou a crise de abastecimento de água no estado), isso sem falar nas oligarquias do Maranhão, há 48 anos roendo o osso do poder, e a de Alagoas, há outros tantos anos se perpetuando na política local (e estes casos nem devem ser levados em conta, pois, além de antidemocráticos, são imorais).

Zeca, em um segundo momento de sua crítica, apresenta seus argumentos em defesa de um governo comprometido com a redução das desigualdades sociais -- uma bandeira sempre declarada por Lula e pelo Partido dos Trabalhadores. Ataca, em síntese, os argumentos de assistencialismo e corrupção no partido:

Um governo comprometido socialmente deve dirigir o olhar primeiramente aos desfavorecidos, aos excluídos do jogo social, isso é óbvio. Este governo que aí está fez isso. E o que não faltam no Brasil são pessoas vivendo em quadro de pobreza extrema, privadas dos direitos básicos de cidadão, massa de manobra barata para oligarcas usurpadores. Quando o buraco é muito fundo – e o fosso social no Brasil é pra lá de fundo -, não há como não ser assistencialista, infelizmente. Uma das frases feitas que mais me indignam neste pobre debate político (debate entre aspas) é a máxima hipócrita de que “é melhor ensinar a pescar do que dar o peixe”. Ora, como ensinar a pescar um sujeito devastado pela fome e pela doença? Outro argumento usado à exaustão é o da corrupção, e não podemos nos enganar - todos os partidos, quando ocupam o poder, caem em tentação, para nossa desgraça. A diferença básica neste Fla-Flu de corruptos é que os do PSDB seguem impunes, os do PT nem tanto. Só a punição exemplar desses bandidos somada à vigilância social mais ferrenha poderá fazer banir esta "cultura da corrupção" que hoje impera no país, ou ao menos reduzir os seus índices.

Por fim, Zeca Baleiro apresenta críticas a Marina Silva e à plataforma econômica e ideológica do PSDB. Talvez irritado pelo suposto comentário de Fernando Henrique Cardoso sobre o "voto catequizado" (ou menos informado) dos nordestinos, Baleiro -- sendo um representante do Maranhão na esfera pública -- dispara críticas ao elitismo do partido e aos projetos de liberalização da economia brasileira executados na "era FHC" (1995-2002). Posiciona-se como um eleitor de Dilma Rousseff por coerência ao "projeto socialista". Defende, enfim, a necessidade de constante posicionamento crítico em um futuro governo rousseffiano:

Não sou petista nem sou apegado a partidos ou candidatos. Voto com independência. No primeiro turno, meu voto foi dividido entre candidatos do PSOL, do PSB e do PT. Isto me parece coerente. Se nos próximos anos aparecer uma grande e confiável liderança política de outro partido, não hesitarei em mudar meu voto, desde que seu projeto tenha viés socialista, único projeto político que penso ser viável no mundo de hoje. Isto também me parece coerente. O que não me parece coerente é ver a ex-candidata Marina Silva, arauta da “nova política”, anunciando seu apoio à candidatura Aécio Neves. Todos sabemos que a sua trajetória de luta contra os barões malfeitores do Acre a aproxima ideologicamente mais do PT, e não foi à toa que ela assumiu a pasta do Meio-Ambiente no governo Lula. Isto que ela agora faz é velha politicagem, jamais nova política. Sabemos para onde miram os políticos do PSDB, e no que vai resultar um novo governo tucano (e faço questão de afirmar o mesmo repúdio às alianças eleitoreiras do PT com velhos caciques paroquiais como Sarney, Collor e Calheiros). Se a intenção de parte do eleitorado era destronar o PT e Dilma a qualquer custo, então que votasse num partido mais à esquerda (sim, eles existem) e não num partido que reza na cartilha do datado neoliberalismo que levou à convulsão social e ao desemprego massivo países europeus sólidos como França e Espanha, e que quase levou o Brasil à bancarrota, na era FHC. Este, por sua vez, sociólogo pós-graduado na Universidade de Paris, tem como hobby disparar frases infelizes, como a recente declaração preconceituosa e separatista sobre os nordestinos e seu voto, segundo ele, catequizado. Com todo o respeito que possa merecer, o ex-presidente está na Idade Média da Sociologia. Avançamos muito nos últimos anos em termos de “pensamento social”. Não há porque retroceder. Votarei em Dilma e, caso ela seja eleita, terá em mim um crítico implacável de seu governo. É assim que entendo o que chamam de democracia. O resto é balela.

Alguns (breves) comentários
O mérito do texto de Zeca Baleiro consiste, primeiramente, na defesa do direito à crítica e o reconhecimento do anseio de mudança em regimes democráticos. No entanto, ele não cai nos encantos da tese simplista do "mudar por mudar". Para ele, Aécio Neves "não é um adversário digno" de suceder Dilma Rousseff.

Pela leitura de seu texto, fica claro que o ideal normativo a ser perseguido no Brasil é a redução das desigualdades sociais e regionais -- algo explicitado na Constituição Federal brasileira no seu artigo 3º, inciso III. E é justamente esse ideal normativo que o PSDB parece não ser capaz de cumprir.

Apesar das críticas ao "neoliberalismo" apresentadas por Zeca serem bastante superficiais, seu posicionamento é conciso e coerente com uma proposta declaradamente socialista. Acredito ser uma contribuição bastante valiosa ao debate público.

Os artistas, nesse sentido, possuem algumas vantagens nesse tipo de discussão, em comparação com outros cidadãos. Por serem admirados por suas qualidades artísticas -- geralmente dissociadas da vida política --, o público tem curiosidade de entender seus posicionamentos e argumentos nesse tipo de debate (alternância/não alternância do governo federal). Imagine, por exemplo, o efeito que um Caetano Veloso pode provocar nessa discussão.

O importante, nesse momento, é nosso engajamento nessa contenda política. As eleições estão aí e o aprofundamento de algumas discussões pode ser capaz de desbalancear o empate técnico entre Dilma Rousseff e Aécio Neves.

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