Alternância de poder: Aécio como retrocesso


[ por Bruno Miller Theodosio, em colaboração para o e-mancipação ]

O texto que provoca o debate reflete sobre algumas questões centrais, contudo, existe uma pergunta oculta e subjacente ao debate, que merece ser investigada. Nas entrelinhas da discussão emerge a questão: alternância de poder é, per se, um valor democrático a ser perseguido? Seria, pois, a alternância de poder necessariamente saudável para a democracia? 

Eu acredito que não e explico o motivo: alternância de poder não implica, necessariamente, mudança de projeto político para a nação. Um exemplo é a atual eleição presidencial brasileira, na qual o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) são formas distintas de levar a cabo um mesmo projeto político, qual seja, a disputa pelo Estado para o aprofundamento das instituições democráticas sob os marcos da sociedade organizada pelo mercado e a inserção do Brasil na dinâmica da acumulação mundial. 

Assim, PT e PSDB são formas relativamente distintas de administrar o mesmo projeto de classe, o capitalismo brasileiro, obviamente, nuançadas por suas divergências e lutas distributivas das frações de classe que compõem o bloco do poder. Portanto, somente a luta política via existência de correlação de forças sociais favoráveis à mudança pode gerar da alternância do projeto político, caso contrário a inércia política reelabora o mesmo projeto político para a manutenção, no poder, das classes ora dominantes. Aqui vale a ideia da prevalência do status quo pela inércia de poder.

Não fazemos, aqui, juízo de valor sobre a validade e legitimidade do projeto ora hegemônico, apenas constatamos que modificar o partido que governa o país não implica em alterar o projeto político e a lógica que lhe dá sustentação. Assim, sob os marcos de uma mesma forma de sociabilidade entre os homens, ou seja, sob os marcos do capitalismo não existe sustentação lógica para a ideia da alternância de poder como um valor que fortaleça a democracia. É justamente o contrário. A mera alternância dos representantes das frações hegemônicas no Estado serve para mistificar, com uma falsa dicotomia, a prevalência de uma classe no poder. Portanto, para que fosse saudável a mudança deveria haver uma identidade entre partido e projeto político, entre sujeito social e partido como ferramenta de organização.

Posto que não entendemos que a alternância de poder implique necessariamente em melhoria institucional, porque na verdade reequaciona as frações de classe no bloco de poder, podendo, no máximo mudar a fração hegemônica, lancemos nosso exame sobre a provocação central do texto, que nos propõe o desafio de responder se “há um desgaste do Partido dos Trabalhadores ou mesmo uma incapacidade do governo de avançar as políticas desejadas pela sociedade”. 

O desgaste como sucesso e o retrocesso de Aécio
Minha resposta é que não há desgaste, ao contrário, há o esgotamento de um projeto justamente pelo seu sucesso, o que nos leva, necessariamente, a repensar qual caminho seguir para continuar avançando. Seria o PT capaz de operar tal mudança? Creio que sim. 

O projeto que acredito ter esgotado suas possibilidades porque logrou sucesso é o do crescimento puxado pelo aprofundamento do mercado interno. Assim, o país cresce junto ao crescimento de renda, sendo a demanda quem lidera o crescimento, tendo como fator dinâmico o aumento do consumo e endividamento pelas famílias. Este projeto foi vitorioso e se esgotou porque tiramos um grande contingente de pessoas da zona de insegurança alimentar, mantivemos o aumento da renda per capita, reduzimos a desigualdade gerando renda e fazendo com que pessoas que antes não podiam comer possam, hoje, fazer três refeições por dia. Nos números da ONU o Brasil reduziu 75% da pobreza extrema entre 2001 e 2012, diminuiu em 50% o número de pessoas que passam fome, entre outros indicadores positivos. Formamos um mercado interno mais sólido com aprofundamento da nova classe média. Contudo, precisamos avançar!

Precisamos redimensionar nosso projeto de desenvolvimento nacional. Com a consolidação do mercado interno tendo logrado êxito, precisamos competir, em nível mundial com empresas nacionais que possam se inserir na disputa pelos mercados internacionais. Acredito que a mudança deva apontar na direção da manutenção uma política econômica que não esteja à reboque do humor dos mercados, que atue de forma anticíclica a depender da necessidade, com política fiscal responsável, mas ativa e que tente despertar o “animal spirit” da camada empresarial brasileira. 

Como há anos o câmbio é sobrevalorizado a desvalorização tem um custo inflacionário grande, mas precisamos enfrentar esse ônus e gerar um ambiente institucional favorável à retomada da industrialização brasileira e exportação de bens com valor agregado, com câmbio menos hostil, política de juros que persiga a redução da inflação, mas que não desincentive o crédito. É complicado harmonizar esse conjunto de demandas, mas precisamos que o crescimento seja liderado pelas exportações, inserindo o Brasil, agora dependente e periférico como um player de peso na dinâmica da acumulação e da concorrência internacionais. 

Seguindo a lógica de olhar o Estado como liame unificador das frações da classe dominante em disputa pela hegemonia, a vitória de Aécio, com um Ministro como Armínio Fraga é a declaração inequívoca de que a camada financeira sobredeterminará os interesses de fração hegemônica no bloco do poder, servindo-se do Estado como instrumento para acumulação de poder político e econômico. 

Assim, não conseguiremos efetivar a retomada industrial para continuarmos crescendo e gerando emprego. Sob a lógica rentista, a camada financeira vê no combate inflacionário via aumento de juros possibilidades de auferir lucros altos. A manutenção dos juros em níveis altos atrai investimentos especulativos (não produtivos), que ganham com os juros e remetem suas rendas financeiras para fora do país. Com a manutenção de câmbio valorizado além da exportação brasileira ficar mais cara e o país não competir internacionalmente há incentivo à importação. Com perspectiva negativa da taxa de lucro, a camada empresarial migra dos ganhos produtivos para a especulação e ganhos financeiros. 

Essa disputa entre a lógica financeira e a produtiva é, no fundo, uma luta distributiva pelo excedente gerado, assim, se a perspectiva para o lado produtivo é negativa porque o câmbio é desfavorável e a taxa de lucro declina, implica, inequivocamente, fechamento de empresas, desemprego, redução do ritmo de crescimento da renda, aumento do hiato da desigualdade. Um Brasil dos especuladores, não de todos.

A eleição de Aécio é, portanto, um retrocesso porque recolocará o Estado à serviço dos interesses de uma fração de classe que não tem compromisso com desenvolvimento nacional tal qual acredito que deva ser o modelo a ser seguido. Por isso acredito que o PT tem forças e possibilidade de avançar, mantendo as conquistas de então.

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