Não bastasse a participação da Caixa Econômica Federal na campanha de redução dos spreads bancários através da redução de suas taxas de juros - o que tem provocado um efeito cascata na concorrência bancária junto com as ações do Banco do Brasil -, a Caixa também deu uma "forcinha" ao Superior Tribunal de Justiça ao anunciar o "Programa Desistência", uma estratégia gerencial de desistência de recursos com nenhum potencial de êxito.
É preciso reconhecer que a Caixa é um importante player (um repeat player, diria Marc Galanter) do Judiciário. O anúncio da racionalização da gestão dos processos é algo a ser comemorado. Veja-se a notícia publicada dia 03/10 no portal do STJ: "A Caixa Econômica Federal está colocando por terra o empoeirado princípio adotado pela maioria das empresas e órgãos públicos, de recorrer sempre em qualquer ação. Desde março, a instituição reduziu em 80% o número de recursos em que é recorrente no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – eram 4.201 recursos. Com a desistência de diversos casos e a adoção de critérios que barram os recursos protelatórios, a Caixa tem atualmente apenas 836 recursos no Tribunal. Os números contemplam a meta traçada pelo “Projeto Desistência” da Caixa, e foram apresentados ao presidente do STJ, ministro Felix Fischer, pelo presidente da instituição financeira, Jorge Hereda. O programa é a coroação de um esforço de redução do número de recursos que vem sendo feito pela Caixa desde 2004, quando a empresa era recorrente em mais de 16 mil processos no STJ".
A Caixa merece elogios. Mas também não faz nada de surpreendente, considerando o processo de uniformização da jurisprudência na cúpula do Judiciário. Se antes era possível elaborar recursos especiais e contar com decisões de ministros diferentes, hoje, com instrumentos de vinculação de precedentes (súmulas vinculantes, julgamento de recursos repetitivos) e decisões sumuladas no STJ com relação à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor em contratos bancários e vedação de cobrança de cláusulas abusivas, a Caixa tomou a decisão que qualquer banco privado (que não estivesse utilizando de instrumentos recursais para fins protelatórios) tomaria: "deixou da dar murro em ponta de faca". Segue a notícia: "A estratégia adotada pela Caixa é recorrer em processos efetivamente importantes para a empresa, desde que haja possibilidade de alteração do resultado, e deixar de recorrer em processos cujo valor seja baixo ou em questões já pacificadas pela jurisprudência do STJ. Quem explica é o diretor jurídico da Caixa, Jailton Zanon da Silveira: 'Não faz sentido insistirmos num recurso em que sabemos que não teremos êxito. Então, antecipamos e desistimos do processo'.”
A afirmação do Diretor Jurídico do banco público é bastante simbólica: "A Caixa optou por se colocar como partícipe da solução do problema, e não apenas alguém que reclama um Judiciário célere". Esse é um caminho bastante positivo para lidar com o problema do altíssimo congestionamento do Judiciário brasileiro, que há décadas vive o drama de uma crise estrutural marcada pela incapacidade de gestão do crescente número de processos judiciais, fruto de uma sociedade progressivamente urbana, com direitos tutelados e acesso a advogados e órgãos do Judiciário. A Caixa, há alguns anos, assumiu a vanguarda jurídica das empresas públicas, apoiando massivamente a conciliação pré-processual e processual. Não é de se estranhar que ela seja uma das primeiras a sinalizar uma mudança de postura frente ao tradicional hábito do Estado e das empresas públicas de recorrer até a última instância.
As questões que ficam são: o modelo da Caixa de gestão judicial será seguido por outras empresas ou entes públicos? Há outros exemplos semelhantes que sinalizam uma mudança de postura? Há apoio estratégico ao Judiciário para solução da "crise numérica de processos" ou trata-se apenas de uma bem elaborada medida de redução de custos?
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