Conflitos entre juristas de diferentes países buscando impor suas formas judiciais, ou seus modos de produzir o direito, contribuem para a progressiva (e inacabada) unificação do campo jurídico global e o mercado global da expertise legal. O internacional é construído largamente a partir da competição entre abordagens nacionais. Como os juristas e os outros são treinados nacionalmente, e para a maioria suas carreiras são feitas nacionalmente, não é de se estranhar que eles busquem, como forma de atuação, impor suas formas de pensar e praticar na construção de instituições internacionais. Esse processo torna o internacional o espaço de uma competição regulatória essencialmente entre abordagens nacionais. Na conquista de novos mercados para seus serviços jurídicos, os grandes escritórios legais baseiam-se no fato de que o capital jurídico tem um papel fundamental na regulação do comércio e também em organizações em defesa dos "diretos humanos", organizações que, junto com grandes instituições internacionais como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, são geralmente os Trojan Horses dos "Chicago Boys" e suas estratégias de importação e exportação econômico-jurídica - que associa idealismo ético com realismo econômico. Mas esses novos "conquistadores burgueses" devem levar em conta a resistência de campos jurídicos nacionais ameaçados pela nova ordem legal global ou, mais precisamente, o equilíbrio de poder e conflito - encontrado dentro desses campos nacionais - entre modernistas, que assumem a posição do internacional, e tradicionalistas, que advogam pelo fechamento protecionista e a manutenção da tradição nacional.
Pensar em termos de "campos" (no sentido de campos de forças e campos de batalha para conservar e transformar as relações de força) também permite que seja recapturada a lógica global de uma nova ordem jurídica global sem recorrer a generalidades tão vagas e vastas como seu objeto. Ao contrário, pode-se observar e analisar as estratégias mais concretas pelas quais agentes particulares, eles próprios definidos por suas disposições (amarrados a uma posição social e trajetória num campo nacional), suas propriedades, e seus interesses, constroem um campo legal internacional enquanto, ao mesmo tempo, transformam seus campos legais nacionais. Essa abordagem leva, por exemplo, à descoberta de que dentro de cada campo nacional os partisans do "global" e do "local" não estão distribuídos aleatoriamente, desde que as estratégias internacionais estão realmente acessíveis somente para aqueles com origem social muito privilegiada, possuindo disposições e competências (notavelmente linguísticas) que não vêm das instruções de sala de aula.
Os membros nacionais dessa nova elite internacional, uma noblesse de robe, ao exercitar seus talentos nas maiores entidades transnacionais, organizações humanitárias, ou mesmo em grandes multinacionais jurídicas, ajudam a trazer formas jurídicas a um nível mais alto de universalização através do confronto com diferentes, e muitas vezes opostas, visões. Sempre em disputa nesse confronto, tanto como arma como estacas, está o direito (seja os direitos do negócio, os direitos do homem ou os direitos dos homens de negócio) - isto é, referência piedosamente hipócrita ao universal.
* Tradução livre do prefácio de Pierre Bourdieu à obra Dealing in Virtue: International Commercial Arbitration and the Construction of a Transnational Order (1996) de Yves Dezalay e Bryant Garth.
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