A ocupação da reitoria da Universidade Estadual de Maringá pelo Diretório Central dos Estudantes continua com grande adesão dos acadêmicos. Trata-se da terceira "invasão" da história da instituição. A primeira foi em 1984 e a segunda em agosto de 2004.
Cada uma foi marcada por bandeiras e contextos políticos distintos. Segundo relatos de estudantes de década de oitenta (incluindo meu pai, que era da Agronomia), a invasão da reitoria de 1984 tinha como propósito maior derrubar uma taxa de anualidade que era cobrada de todos os estudantes da universidade. O movimento foi impulsionado pelo sentimento de redemocratização do país e pela campanha de gratuidade encabeçada pela União Paranaense dos Estudantes e ganhou amplo apoio de estudantes de diversos cursos. O resultado, após dias de acampamento dentro da reitoria, foi a rediscussão da taxa e sua posterior eliminação.
A ocupação de 2004, já no Goveno Lula, foi coordenada por Tiago Guapo (estudante de História) e por um grupo de acadêmicos que posteriormente fundou a chapa "Caminhando". A "invasão" tinha por objetivo protestar contra o aumento de 23% do preço do Restaurante Universitário, a retirada da paridade para as eleições de Reitor e a luta contra a Reforma Universitária. O protesto estudantil foi problemático e gerou uma reação repressiva por parte da UEM, que pediu auxílio policial para retirada dos ativistas. Naquela semana de agosto, a assessoria de Gilberto Pavanelli publicou uma nota explicando as medidas que havia tomado: "Na semana passada a Universidade Estadual de Maringá foi sacudida por varias ações de um grupo de estudantes. Na segunda-feira, dia 2, o grupo invadiu o Restaurante Universitário e distribuiu gratuitamente mais de 2 mil refeições. Na quinta-feira, dia 5, esse mesmo grupo invadiu o prédio da reitoria onde permaneceu por 26 horas, saindo apenas no final da tarde de sexta-feira, depois de uma decisão da 1a Vara Cível da Justiça, dando reintegração de posse do prédio à UEM". Além da ação de reintegração de posse, 17 processos administrativos foram instaurados para impedir que tais alunos pudessem se formar. Apesar de ser um desejo comum a manutenção do preço do RU (talvez irracional, considerando que o preço estava congelado há muitos anos), a adesão dos estudantes foi baixa, sendo a invasão organizada e executada por um pequeno grupo de orientação política de extrema-esquerda.
A ocupação de agosto de 2011 apresenta características singulares. A primeira impressão é que ela implica na volta dos grupos políticos no Diretório Central dos Estudantes, após o período de ironia e banalização do "Bonde do Amor" (cf. Bonde do Amor e Movimento Estudantil em Análise Discursiva em Eleições do DCE). A segunda característica é a presença de acadêmicos de outros campi, como Cidade Gaúcha e Umuarama, o que demonstra a insatisfação de alunos da UEM de outras cidades com relação à qualidade de ensino e estrutural dessas extensões. Um terceiro ponto é a presença massiva dos estudantes de diversos cursos - mais de quatrocentos no dia 25/08 - que se mobilizaram pelo Facebook e utilizaram do aparato instrumental destinado às atléticas (baterias, etc) para fins políticos.
Com relação aos objetivos da ocupação da reitoria, houve uma imensa ampliação de itens com relação à manifestação de quinta-feira (o que implica em transfiguração do fenômeno inicial). Se o mote inicial era a precarização do Restaurante Universitário e a falta de verbas, atualmente o protesto abrange inúmeros elementos. Na sexta-feira, o grupo Movimente-se UEM publicou uma lista com reivindicações decididas em assembleia. Ao todo, são 22 pedidos ao Governador Beto Richa (sem ordem de prioridade): (i) Construção da concha acústica e outros espaços de vivência para a comunidade acadêmica, no Campus sede e nos campi regionais, (ii) Fim de todas as taxas, inclusive pós-graduação latu sensu, (iii) Aquisição de mais livros para as bibliotecas de acordo com a necessidade dos cursos no Campus sede e nos campi regionais, (iv) Mais verbas para a licitação e construção da segunda e terceira etapas da Casa do Estudante Universitário, (v) Contratação de seis funcionários para o Restaurante Universitário e a opção de alimentação vegetariana todos os dias, (vi) Bolsa de auxílio inclusão para todos os estudantes que necessitem de subsídio de acordo com sua renda, assegurando todas as refeições no Restaurante Universitário, bem como o subsídio de quinhentas cópias e duzentas e cinquenta impressões mensais, (vii) Construção do RU-2 e RU nos campi regionais, (viii) Reversão do corte de verbas! 10% do PIB pra educação de forma imediata e vis ampliação da tributação sobre as grandes fortunas! Por um Plano Estadual de assistência estudantil com rubrica específica de 400 milhões de reais!, (ix) Bolsas para todos do mestrado e doutorado, (x) Aumento do valor das bolsas, (xi) Instalações adequadas e recursos para os pós-graduandos desenvolver a pesquisa, (xii) Cotas de Xerox e impressão para a pós-graduação, (xiii) Critérios claros na seleção e na distribuição de bolsas na pós-graduação, (xiv) Casa do estudante também para o pós-graduando, (xv) Centro de tradução de línguas estrangeiras, (xvi) Construção de novos blocos e finalização dos blocos já iniciados com qualidade adequada, (xvii) Abertura de concursos para professores efetivos, vigilantes e técnicos administrativos, (xviii) Transformação das bolsas trabalho em bolsas de pesquisa, ensino e extensão, (xix) Redução do preço praticado pelas copiadoras dentro do Campus sede e os campi regionais para R$0,07 a folha copiada, (xx) Garantia de participação e transporte em saídas de campo, congressos e visitas técnicas, (xxi) Manutenção e aumento do número de bebedouros e lixeiras, (xxii) Garantia de equipamentos e infraestrutura segundo a necessidade de cada curso; mobiliário adequado em todos os blocos para assegurar a qualidade dos cursos e a saúde dos estudantes e professores.
Não vale a pena discutir a viabilidade de cada proposta (pois isso demandaria um estudo sério sobre condições estruturais e financeiras para cada demanda), mas um detalhe interessante é que o movimento de ocupação da reitoria da UEM conta com um blog, que exibe textos e vídeos publicados no YouTube. Na manhã de sexta, a ocupação foi "rebatizada" com o nome de Manuel Gutiérrez, estudante morto nos protestos pró-estatização do ensino superior chileno. Para o sociólogo Rudá Ricci, o movimento estudantil da UEM foi impulsionado pelos protestos estudantis liderados por Camila Vallejo. Escreveu Ricci na sexta-feira: "Aqui, o governador Beto Richa enfrenta o protesto de estudantes da UEM (universidade de Maringá). Ontem, 400 estudantes tomaram o prédio da reitoria em protesto contra o corte de verbas na educação. Organizada pelo DCE, o protesto foi recheado de cartazes contra o governador. O reitor Júlio Santiago Prates Filho elaborou carta aos estudantes onde relata as iniciativas que tomou para atender as suas reivindicações: contratação de mais servidores, expansão do restaurante (e adoção de cardápio vegetariano) e instalação de outras unidades do restaurante no campus. O reitor saiu da universidade escoltado. Vale registrar o quanto esta porção do país se relaciona com o restante do Cone Sul da América Latina. Daí ser forçoso lembrar que ontem e anteontem se realizou a primeira greve geral nacional no Chile, convocada pela CUT (Central Unitaria de Trabajadores). A greve se alimentou do movimento de massas organizada pelos estudantes universitários chilenos. O Paraná está longe de ver a luta estudantil ganhar tal projeção ou até mesmo de se articular com a luta sindical".
As convulsões sociais chilenas instauradas contra o modelo de educação privada de Augusto Pinochet são citadas várias vezes por líderes da ocupação da reitoria da UEM. Num documentário publicado sábado (27/08) pelo Diretório Central dos Estudantes, fica claro que a luta dos estudantes maringaenses é em nome da educação pública. Veja o vídeo abaixo.
De fato, como comentou Ricci, o protesto estudantil maringaense parece isolado de outros movimentos sociais. Entretanto, o grupo organiza-se de forma competente em comissões e atua democraticamente para deliberações reivindicativas. Segundo o relato do cientista político Ozaí Antonio da Silva, ao contrário do que pensam muitos maringaenses, os ocupantes não são vândalos, mas atuam em nome da coletividade: "Os estudantes organizam-se em comissões, praticam a democracia direta – a assembléia estudantil é o órgão deliberativo – e demonstram cuidado e preocupação com a preservação do que bem público. Tive a oportunidade de acompanhar a assembléia realizada neste sábado. Nesta, foi discutido e aprovado os encaminhamentos: a ida a Curitiba para negociar, a escolha dos representantes, etc. (...) Ao contrário dos muitos que se acomodam em seus mundinhos, dos que se adaptam por mero interesse egoístico, estes jovens atuam em defesa da universidade pública, por melhorias para a comunidade acadêmica. Num tempo em que o individualismo campeia nas esferas do campus é salutar ver jovens que ousam lutar por demandas coletivas".
O texto de Ozaí toca ainda um ponto fundamental: a forma como a mídia local reforça a linguagem pejorativa com relação aos estudantes. Ao analisar uma foto publicada na capa do O Diário do Norte do Paraná (tradicional veículo de comunicação maringaense) que exibe um estudante pendurado numa marquise da reitoria utilizando uma camiseta preta enrolada no rosto, comenta: "a imagem de capa do jornal não é uma escolha inocente, como também não é ingênua a linguagem utilizada. Em política, as palavras e as imagens expressam posições de poder e fazem parte do conflito".
Esse é um elemento que passa despercebido: a utilização das imagens e discursos pela mídia em tais conflitos. Cabe aqui relembrar o conceito de "campo político" de Pierre Bourdieu ("o lugar de uma concorrência pelo poder que se faz por intermédio de uma concorrência pelos profanos ou, melhor, pelo monopólio do direito de falar e de agir em nome de uma parte ou da totalidade dos profanos"). Há uma clara relação de poder entre o jornal e os blogs de divulgação do movimento estudantil. A palavra se transforma em discurso e o discurso produz crença, que leva à força simbólica e capacidade de realização e poder de execução. Como explica Edemilson Junior num estudo sobre a luta midiática pelo poder simbólico na ocupação da Universidade de Brasília em 2008, "a crença no discurso reforça o poder simbólico de seu agente que, munido desse poder, é capaz de gerar mais crença. Essa força simbólica gera poder de execução e realização, que por fim se retroalimenta com a produção de mais força simbólica. A partir desse entendimento é que os diferentes atores sociais disputam, no campo da mídia, a propagação de informações que são favoráveis a eles, e desfavoráveis aos seus adversários, na conquista da opinião pública e por consequência na determinação de sua vitória política. A isso denominamos conflito midiático. Nessa disputa, indivíduos e instituições se engajam na atividade de construir acontecimentos guiados por estratégias e táticas de comunicação de acordo com os fins em vista, ou seja, de acordo com uma intencionalidade própria. Em momentos de crise, esse engajamento se acirra numa disputa simbólica e uma negociação intensa pela produção da versão hegemônica das ocorrências. O conflito midiático é, então, travado na esfera da mídia, onde os atores sociais envolvidos lutam pela propagação e aceitação pública da melhor representação sobre eles e pelo prevalecimento final de sua versão sobre um dado acontecimento. Para isso se utilizam de estratégias de comunicação específicas diante dos objetivos a serem alcançados".
O movimento de ocupação da reitoria maringaense parece compreender bem a dimensão política do conflitivo discurso midiático. Agir politicamente é agir midiaticamente por meio de performances e discursos. A utilização de um blog e a rápida produção de documentários é uma forma de confrontar o discurso produzido pelos grandes meios de comunicação, que zela pela manutenção do status quo.
A estratégia de utilização de plataformas sociais (como o Facebook), blogs e o You Tube é forma habilidosa e politicamente consciente de divulgação da versão dos estudantes, impedindo que os fatos sejam relatados de forma diversa pelos meios de comunicação e seus interesses corporativos. Resta saber se a divulgação dos objetivos da ocupação reverberá na comunidade acadêmica maringaense de forma eficiente.
O desafio político para o "movimento Manuel Gutiérrez" é enorme. Maringá é uma cidade de visão política conservadora e de valores ruralistas burgueses (de caráter individualista) enraizados em sua população. Apesar do governador Beto Richa ter sido menos votado em Maringá (em razão da força de Osmar Dias), a ocupação ainda não encontra o apoio político necessário para pressionar de forma efetiva o poder estadual a agir em defesa da educação pública.
O conflito de interesses é latente. A ocupação já declarou seu caráter político. Resta saber se Maringá deseja, de fato, uma universidade pública de qualidade ou se apenas está interessada em estudantes que venham de outras cidades gastar seu dinheiro na Cidade Canção, enriquecendo os bolsos dos empreendedores pés-vermelhos e fazendo a economia local girar.
O texto de Ozaí toca ainda um ponto fundamental: a forma como a mídia local reforça a linguagem pejorativa com relação aos estudantes. Ao analisar uma foto publicada na capa do O Diário do Norte do Paraná (tradicional veículo de comunicação maringaense) que exibe um estudante pendurado numa marquise da reitoria utilizando uma camiseta preta enrolada no rosto, comenta: "a imagem de capa do jornal não é uma escolha inocente, como também não é ingênua a linguagem utilizada. Em política, as palavras e as imagens expressam posições de poder e fazem parte do conflito".
Esse é um elemento que passa despercebido: a utilização das imagens e discursos pela mídia em tais conflitos. Cabe aqui relembrar o conceito de "campo político" de Pierre Bourdieu ("o lugar de uma concorrência pelo poder que se faz por intermédio de uma concorrência pelos profanos ou, melhor, pelo monopólio do direito de falar e de agir em nome de uma parte ou da totalidade dos profanos"). Há uma clara relação de poder entre o jornal e os blogs de divulgação do movimento estudantil. A palavra se transforma em discurso e o discurso produz crença, que leva à força simbólica e capacidade de realização e poder de execução. Como explica Edemilson Junior num estudo sobre a luta midiática pelo poder simbólico na ocupação da Universidade de Brasília em 2008, "a crença no discurso reforça o poder simbólico de seu agente que, munido desse poder, é capaz de gerar mais crença. Essa força simbólica gera poder de execução e realização, que por fim se retroalimenta com a produção de mais força simbólica. A partir desse entendimento é que os diferentes atores sociais disputam, no campo da mídia, a propagação de informações que são favoráveis a eles, e desfavoráveis aos seus adversários, na conquista da opinião pública e por consequência na determinação de sua vitória política. A isso denominamos conflito midiático. Nessa disputa, indivíduos e instituições se engajam na atividade de construir acontecimentos guiados por estratégias e táticas de comunicação de acordo com os fins em vista, ou seja, de acordo com uma intencionalidade própria. Em momentos de crise, esse engajamento se acirra numa disputa simbólica e uma negociação intensa pela produção da versão hegemônica das ocorrências. O conflito midiático é, então, travado na esfera da mídia, onde os atores sociais envolvidos lutam pela propagação e aceitação pública da melhor representação sobre eles e pelo prevalecimento final de sua versão sobre um dado acontecimento. Para isso se utilizam de estratégias de comunicação específicas diante dos objetivos a serem alcançados".
O movimento de ocupação da reitoria maringaense parece compreender bem a dimensão política do conflitivo discurso midiático. Agir politicamente é agir midiaticamente por meio de performances e discursos. A utilização de um blog e a rápida produção de documentários é uma forma de confrontar o discurso produzido pelos grandes meios de comunicação, que zela pela manutenção do status quo.
A estratégia de utilização de plataformas sociais (como o Facebook), blogs e o You Tube é forma habilidosa e politicamente consciente de divulgação da versão dos estudantes, impedindo que os fatos sejam relatados de forma diversa pelos meios de comunicação e seus interesses corporativos. Resta saber se a divulgação dos objetivos da ocupação reverberá na comunidade acadêmica maringaense de forma eficiente.
O desafio político para o "movimento Manuel Gutiérrez" é enorme. Maringá é uma cidade de visão política conservadora e de valores ruralistas burgueses (de caráter individualista) enraizados em sua população. Apesar do governador Beto Richa ter sido menos votado em Maringá (em razão da força de Osmar Dias), a ocupação ainda não encontra o apoio político necessário para pressionar de forma efetiva o poder estadual a agir em defesa da educação pública.
O conflito de interesses é latente. A ocupação já declarou seu caráter político. Resta saber se Maringá deseja, de fato, uma universidade pública de qualidade ou se apenas está interessada em estudantes que venham de outras cidades gastar seu dinheiro na Cidade Canção, enriquecendo os bolsos dos empreendedores pés-vermelhos e fazendo a economia local girar.
http://ocupacaouem2011.blogspot.com/2011/08/ocupacao-da-reitoria-resistencia-3-dia.html
ResponderExcluirVocê tocou em pontos muito importantes sobre como grande parte da mídia da nossa Maringá se poem diante de manifestações de cunho democrático. Muitos que se dizem jornalistas falam sem saber ao certo do que estão dizendo(puro senso comum), e o pior é que isso alienia grande parte de nossa sociedade, isso é uma pena. Parabéns pelo belo texto!
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