A saída do gênio

Talvez a notícia que mais tenha circulado nos últimos dias nas mesas de bar da geração z tenha sido o afastamento de Steve Jobs da Apple - algo inimaginável, salvo por um motivo extremo.

Quem viu as polêmicas fotos (que podem ser falsas) de Jobs em estado avançado de câncer pancreático, desconfia que ele vá sobreviver até 2012. Se as imagens forem verdadeiras, a saúde de Jobs está severamente comprometida. Não é por acaso que o motor criativo da "empresa mais revolucionária do mundo" anunciou sua saída semana passado, nomeando Tim Cook em seu lugar. Algo sério está acontencendo. Jobs não largaria o cargo da empresa que ele mesmo ressuscitou se não fosse por questão de vida ou morte.

É impossível pensar no mundo ocidental contemporâneo sem os produtos criados por Steve Jobs, desde o primeiro Mac (1á em 1984) até o iPad 2. Há dez anos, em 2001, Jobs revolucionou a sociedade de consumo com o lançamento do iPod, o tocador de áudio mais popular do mundo. Cinco anos depois, fundiu os conceitos de telefonia celular, acesso à internet e player com o iPhone, queridinho dos brasileiros hoje.

A vida pessoal de Jobs é quase tão interessante quanto suas criações. Filho adotivo de um casal de operários, Steve era um adolescente desleixado interessado em montar aparelhos eletrônicos, mas sem paciência para os estudos acadêmicos. Segundo o biógrafo Leander Kahney, em Oregon, Jobs "sem um tostão, reciclava garrafas de Coca-Cola, dormia no chão em casas de amigos e comia de graça no templo Hare Krishna local. (...) Retornou à California e por um curto período trabalhou na Atari, uma das primeiras companhias de videogames, a fim de economizar dinheiro para uma viagem à Índia. Em pouco tempo desistiu e partiu, junto com uma amigo de infância, em busca da iluminação. Quando voltou, começou a andar com outro amigo, Steve Wozniak, um gênio da eletrônica que construíra seu próprio computador para se divertir, mas não tinha grande interesse em vendê-lo. Jobs tinha ideias diferentes. Juntos, fundaram a Apple Computer Inc. no quarto de Jobs e logo estavam montando computadores manualmente na garagem dos pais dele com a ajuda de alguns amigos adolescentes. Para financiar seus negócios, Jobs vendeu sua Kombi. Wozniak vendeu sua calculadora. Jobs tinha 21 anos, Wozniak, 26. Na esteira do início da revolução dos PCs, a Apple deslanchou como um foguete. Lançou ações no mercado em 1980 com a maior oferta pública desde a Ford Motor Company, em 1956, tornando multimilionários instantâneos os funcionários que tinham opções de ações. Em 1983, a Apple entrou na lista Fortune 500 na posição 411, a mais rápida ascensão de qualquer empresa na história dos negócios. Wozniak era o gênio do hardware, o engenheiro que pensava em termos de chips, mas Jobs compreendia o pacote como um todo. Graças às ideias de Jobs sobre design e publicidade, o Apple II tornou-se o primeiro computador de sucesso do mercado de massa para o consumidor comum".

Em 1985, Steve Jobs entrou em conflito com um dos controladores da empresa, John Sculley, e, em razão de seu temperamento agressivo e incontrolável, foi "mandado embora" da empresa por ser improdutivo. Aí vem um dos episódios mais emblemáticos da história recente dos negócios em tecnologia: a volta por cima de Steve Jobs pela Pixar, empresa de animação gráfica que Jobs comprou de George Lucas. Com o sucesso da empresa em seu comando, Jobs comprou progressivamente ações da Apple e retornou, de forma triunfal, em 1997 como CEO da empresa, suspeita de falência. Na empresa, aplicou seu estilo obsessivo e narcisista e fundiu alta tecnologia com design, marcas e moda. O resultado foi o sucesso estrondoso com produtos  tecnológicos acessíveis para a grande massa.

Todos reconhecem que Jobs é gênio por mesclar tecnologia, design e marketing. Através da propaganda, a Apple consagrou o famoso símbolo da maça mordida na lateral direita e criou moda. Para muitos, Apple é sinônimo de status; é como usar uma roupa de luxo. Isso - despertar o desejo do consumo - Jobs fez com maestria.

Steve Jobs também se tornou sinônimo de inovação. É provável que após sua morte seu rosto esteja  estampado como ilustração da palavra innovation em algum dicionário estadunidense. A fama de inovador é tamanha que, numa carta aberta ao Presidente Barack Obama, o colunista do New York Times Thomas Friedman disse que o governo deveria se inspirar em Steve Jobs e estimular mais a inovação como forma de sair da grave crise econômica que assola o país ("Obama should launch his own moon shot. What the country needs most now is not more government stimulus, but more stimulation. We need to get millions of American kids, not just the geniuses, excited about innovation and entrepreneurship again. We need to make 2010 what Obama should have made 2009: the year of innovation, the year of making our pie bigger, the year of 'Start-Up America'. Obama should make the centerpiece of his presidency mobilizing a million new start-up companies that won’t just give us temporary highway jobs, but lasting good jobs that keep America on the cutting edge. The best way to counter the Tea Party movement, which is all about stopping things, is with an Innovation Movement, which is all about starting things. Without inventing more new products and services that make people more productive, healthier or entertained — that we can sell around the world — we’ll never be able to afford the health care our people need, let alone pay off our debts. Obama should bring together the country’s leading innovators and ask them: 'What legislation, what tax incentives, do we need right now to replicate you all a million times over' — and make that his No. 1 priority. Inspiring, reviving and empowering Start-up America is his moon shot.(...) You want more good jobs, spawn more Steve Jobs").

A saída de Steve Jobs levanta a questão se a Apple consegue se reinventar e inovar sem  o carismático líder espiritual da empresa. A especulação é grande. A Folha de São Paulo, por exemplo, criou uma página para publicar notícias e comentários sobre a "Apple sem Steve Jobs".

Se "a inovação é o que distingue o líder do seguidor", como gostava de falar Steve Jobs, o mundo verá o quanto a empresa é capaz de ditar tendências sem sua liderança. Agora é a hora de ver se os pupilos superarão o mestre. O futuro dirá se a Apple é algo além de Jobs.

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