O texto abaixo é uma versão do relatório entregue à comissão coordenadora do Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE) da Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, como parte da avaliação da primeira etapa do programa, módulo opcional que consiste em proporcionar formação específica em docência através de preparação pedagógica. Acho que vale a pena compartilhá-lo aqui pois o texto é fruto de uma palestra interessante ministrada no começo deste mês pelo Pró-Reitor de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo. Além do resumo da palestra - que revela dados interessantes sobre o início da regulamentação dos programas de pós-graduação no Brasil -, o texto explora rapidamente algumas discussões sobre Mestrado Profissional e indica leituras específicas sobre o tema.
1. Relatório
A primeira das quatro palestras ministradas na primeira etapa de formação do Programa de Aperfeiçoamento de Ensino (PAE) ocorreu no dia cinco de Abril no Salão Nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e teve como tema “a Pós-Graduação na Universidade de São Paulo: Integração no Sistema de Avaliação CAPES”. Para falar sobre tal assunto, a Comissão Coordenadora do PAE convidou o Pró-Reitor de Pós-Graduação da mesma instituição, o engenheiro civil Vahan Agopyan.
Agopyan iniciou a palestra traçando um panorama geral da Pós-Graduação no Brasil. De início, ressaltou que apesar de tal modalidade de formação acadêmica ter sua gênese na década de trinta com alguns professores oriundos de universidades estrangeiras, foi apenas em 1965 que o Ministério da Educação regulamentou tal experiência e a reconheceu como um novo nível de ensino. A partir do modelo posto em prática nos Estados Unidos da América, as características da pós-graduação brasileira foram fixadas pelo parecer 977, conhecido como “Parecer Sucupira” – elaborado pelo professor Newton Sucupira -, aprovado pelo Conselho Federal de Educação.
O Parecer 977 organizou o sistema de pós-graduação dividindo-o em duas categorias – stricto sensu, que visa prioritariamente à formação do pesquisador, e lato sensu, dirigido à especialização profissional – e estabelecendo as categorias de mestrado e de doutorado, sem que a primeira seja obrigatoriamente um requisito para a segunda. O parecer foi fruto de uma solicitação de Flávio Suplicy de Lacerda, ministro da Educação durante o governo de Castelo Branco, em face à ausência de informação sobre a natureza dos cursos de pós-graduação.
O Pró-Reitor Vahan destacou em sua palestra que a Universidade de São Paulo adotou o modelo do Parecer Sucupira no ano de 1969, elaborando planos nacionais de pós-graduação. A ideia central era de que a pós-graduação seria capaz de proporcionar um elevado padrão de competência científica ou técnico-profissional e que necessitava de regulamentação.
Segundo o relato de Agopyan, a CAPES (Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), criada em 1951 pelo Decreto nº. 29.741, sofreu na década de sessenta profundas mudanças. Já em 1965 o Conselho de Ensino Superior se reuniu e classificou 38 programas de pós-graduação no país. A partir de 1966, o governo começou a apresentar planos de desenvolvimento como o Programa Estratégico de Governo e o 1º Plano Nacional de Desenvolvimento. A CAPES passou então a funcionar como órgão autônomo do MEC, em articulação com o Departamento de Assuntos Universitários[i].
Nas décadas seguintes, a instituição se fortaleceu. A CAPES foi reconhecida como órgão responsável pela elaboração do Plano Nacional de Pós-Graduação Stricto Sensu, em 1981, pelo Decreto nº 86.791. Foi também reconhecida como Agência Executiva do Ministério da Educação e Cultura junto ao sistema nacional de Ciência e Tecnologia, cabendo-lhe elaborar, avaliar, acompanhar e coordenar as atividades relativas ao ensino superior. Com o fortalecimento da instituição, na década de noventa a CAPES emitiu a Portaria nº. 47, que determinou a implantação de procedimentos apropriados para a recomendação, acompanhamento e avaliação dos cursos de mestrado voltados para a formação profissional[ii]. Por fim, em Janeiro de 1999, a CAPES publicou a Portaria nº. 80 que dispôs sobre o reconhecimento dos mestrados profissionais desde que cumpridos determinados requisitos[iii].
Com relação à estrutura da CAPES, Vahan Agopyan explicou, já na segunda parte de sua exposição, que a instituição se divide em três frentes: i) Conselho Superior; ii) Conselho Técnico-Científico de Educação Superior; iii) Conselho Técnico-Científico de Educação Básica. O CTCES é formado por vinte e cinco pessoas, sendo dezoito da academia. Sua competência é, dentre várias outras, propor critérios e procedimentos para o acompanhamento e a avaliação da pós-graduação e dos programas executados pela CAPES no âmbito da educação superior.
Segundo Agopyan, a avaliação dos programas de pós-graduação compreende a realização do acompanhamento anual e da avaliação trienal do desempenho de todos os programas e cursos que integram o Sistema Nacional de Pós-Graduação, SNPG. Os resultados desse processo, expressos pela atribuição de uma nota na escala de "1" a "7" fundamentam a deliberação CNE/MEC sobre quais cursos obterão a renovação de "reconhecimento", a vigorar no triênio subseqüente. Os programas de Mestrado e Doutorado da Faculdade de Direito, por exemplo, possuem nota 6.
Por fim, Agopyan expôs que a Universidade de São Paulo é reconhecida como a melhor instituição de ensino superior do país, principalmente em razão de sua excelência na pós-graduação. Em certo momento, afirmou: “A USP é um dos maiores centros de pós-graduação no mundo, não apenas em tamanho, mas também pela qualidade de seus programas. Por isso, temos a obrigação social e moral de sugerir e apresentar novos caminhos para a pós-graduação brasileira”. Entretanto, os desafios são enormes. Em recente publicação internacional, das cem principais Universidades do mundo, o Brasil (7ª economia global), não emplacou nenhuma instituição. Um dos objetivos da USP é tornar-se referência mundial, principalmente na pós-graduação.
As principais metas da pós-graduação da Universidade de São Paulo são: i) criar um sistema eficiente de auto-avaliação; ii) fomentar a internacionalização da USP através de convênios de mútuo-reconhecimento; e iii) tornar-se referência internacional.
2. Discussão: a questão do Mestrado Profissional
Apesar da palestra de Agopyan ter atingido plenamente seu objetivo inicial, que era de explicar a integração da pós-graduação da Universidade de São Paulo no sistema de avaliação da CAPES, pouco foi discutido sobre a questão do Mestrado Profissional e as grandes mudanças provocadas na Europa pelo Processo de Bolonha. Afinal, a Universidade de São Paulo está preparada para as demandas atuais ou está presa aos velhos valores tradicionais de formação?
A reflexão de Tânia Fischer parece aqui adequada: “A pós-graduação brasileira vive, desde seu início, uma espécie de síndrome bipolar entre valores, padrões e critérios de ensino e avaliação estritamente acadêmicos e as exigências de formação do mundo de trabalho”[iv]. De fato, a recente experiência brasileira demonstra que a maior demanda encontra-se em profissionais habilitados com formação específica para o mercado de trabalho, para além da formação de graduação. Uma alternativa a curto-prazo encontrada pelo Ministério da Educação foi a criação dos Institutos Federais – que se assemelham com as antigas “escolas técnicas” -, entretanto, um país em pleno desenvolvimento como o Brasil demanda Mestres e Doutores não apenas em sala de aula, mas nas indústrias, nas empresas e nos órgãos públicos. Para tanto, é preciso outro padrão de pós-graduação, voltado para a atuação profissional e as exigências da sociedade, não apenas para a discussão científica. É preciso, enfim, repensar o papel da Pós-Graduação numa sociedade que demanda mão-de-obra cada vez mais qualificada.
Há, por parte dos próprios Mestres e Doutores, certa repulsa em direcionar a Pós-Graduação para o mercado de trabalho. Como bem aponta Marilene Vieira em recente tese defendida na Universidade de Brasília: “os mestres stricto sensu acadêmicos, com a cumplicidade de grande parte dos formuladores das políticas educacionais, não querem que sua titulação seja conspurcada no mercado profissional com pares que não passem de “operários” qualificados, ou seja, técnicos capacitados em determinada área do setor produtivo, a solucionarem eficientemente problemas comezinhos do dia-a-dia, e não produtores de conhecimento, pesquisadores voltados às carreiras de docentes universitários. (...) Contudo, em uma economia global, cada dia mais competitiva, a demanda por qualificação da mão-de-obra indispensável para atender ao mercado de trabalho, que responde, sempre mais, às exigências de ganhos constantes de produtividade prevalecerá, certamente, sobre os puristas da reserva incondicional de mercado”.
É preciso, entretanto, estabelecer uma clara distinção entre o Mestrado Acadêmico e o Mestrado Profissional no século XXI. No primeiro, pretende-se pela imersão na pesquisa formar um pesquisador. No segundo, além da pesquisa (em menor intensidade), o objetivo é formar alguém que, no mundo profissional, saiba localizar, reconhecer, identificar e, sobretudo, utilizar a pesquisa de modo a agregar valor a suas atividades.
Não há motivos para disputa corporativa entre aqueles que dedicam suas vidas à pesquisa e docência e essa nova gama de pós-graduandos. Como aponta Scarano e Oliveira, “o mestrado profissional não é o equivalente à implementação de um novo programa de pós-graduação existente, mas um novo modelo de operacionalização de formação voltada para a gestão social, a implementação de tecnologias e para o setor público, o terceiro setor e a produção industrial. De vocação nitidamente interdisciplinar, o mestrado profissional deverá contribuir para integrar saberes sem concentração disciplinar, manifestando grande sensibilidade social, cultural e tecnológica. Mantém estreita relação com a academia, mas sempre em sintonia com a demanda externa à academia”[v].
A Portaria Normativa nº. 7 de 2009[vi], assinada por Fernando Haddad, é um grande passo rumo ao estabelecimento dos Mestrados Profissionais, mas não o bastante para sua instrumentalização efetiva nos programas de Pós-Graduação. Eis o desafio de nosso tempo.
[i] Segundo Marilene Vieira, a CAPES “tinha por missão entrosar-se com o Conselho Nacional de Pesquisas e demais órgãos ou entidades de atribuições correlatas. Reconhecia-se à CAPES as finalidades básicas de coordenar as atividades de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior, ou seja, nenhuma mudança em especial de seus objetivos. As maiores alterações ocorreriam em sua estrutura, contudo, foi mantido o Conselho Deliberativo e continuou a ser administrada por um diretor executivo. Foi também instituído um fundo especial, o Fundo de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (FAPES), que asseguraria sua autonomia financeira, com recursos do Orçamento Geral da União, dos repasses de outros fundos, de prestação de serviços remunerados, vendas de publicações, de doações e auxílios, e dos saldos de final de exercícios”. VIEIRA, Marilene. Programa Especial de Treinamento – PET: o processo de transição e a participação da comunidade científica. 2001. Dissertação. Mestrado em Desenvolvimento Sustentável. Universidade de Brasília.
[ii] O documento “Mestrado no Brasil – a situação e uma nova perspectiva” que deu origem à portaria expõe que: “Alguns critérios devem ser considerados para reconhecimento, acompanhamento e avaliação desses cursos no sistema de pós-graduação. 1) A instituição proponente deve demonstrar possuir condições favoráveis ao desenvolvimento consistente e de longo alcance do ensino de pós-graduação, assegurando-lhe profundidade e perspectiva adequadas; 2) Os docentes e orientadores devem ser portadores do título de doutor ou de qualificação profissional inquestionável. Dos docentes doutores se exigirá que tenham produção intelectual de alto nível, divulgada de acordo com os padrões reconhecidos para sua área de conhecimento. Os docentes selecionados por qualificação profissional poderão atuar como co-orientadores. Eles deverão constituir uma parcela restrita do corpo docente, e sua escolha deve ser pertinente aos objetivos do curso, cuidadosamente justificada, documentada e controlada; as condições de trabalho e de carga horária, embora sem exigirem dedicação integral, devem ser compatíveis com as necessidades do curso; 3) O curso deverá articular as atividades de ensino com as aplicações de pesquisas, em termos coerentes com seu objetivo, de forma diferenciada e flexível. A existência de pesquisa de boa qualidade na instituição e de projetos em parceria com o setor produtivo, bem como a oferta de atividades de extensão, são requisitos essenciais ao credenciamento institucional para oferta deste tipo de curso; 4) A estrutura curricular deve ser clara e consistentemente vinculada à especificidade do curso e ser compatível com um tempo de titulação mínimo de um ano; 5) O estudante deve apresentar trabalho final que demonstre domínio do objeto de estudo e capacidade de expressar-se lucidamente sobre ele. De acordo com a natureza da área e com a proposta do curso, esse trabalho poderá tomar formas como, entre outras, dissertação, projeto, análise de casos, performance, produção artística, desenvolvimento de instrumentos. equipamentos e protótipos; 6) Com vistas à consolidação da experiência nessa modalidade de Mestrado, a recomendação de cursos, de início, se limitará a projetos oriundos de instituições que já possuam curso(s) de pós-graduação com conceito A ou B. A critério do Grupo Técnico Consultivo, poderá ser considerada proposta que se origine de instituição altamente qualificada, mas sem tradição de ensino pós-graduado. Na fase inicial a avaliação deverá ser feita anualmente, por meio de comissões de avaliação da CAPES, complementadas pela inclusão de representantes de setores da sociedade interessados no curso Essas comissões poderão, quando necessário, apresentar caráter interdisciplinar, e deverão utilizar critérios pertinentes à proposta e aos objetivos dos cursos. A produção técnico-profissional decorrente de atividades de pesquisa e extensão, deverá ser especialmente valorizada; 7) O curso deverá procurar o autofinanciamento, devendo ser estimuladas iniciativas de convênios com vistas ao patrocínio. Na análise pelo Grupo Técnico Consultivo a recomendação para o fomento levará em conta a existência de segmentos de mercados profissionais - habitualmente no setor de serviços e com forte participação estatal - onde o autofinanciamento não será de fácil concretização e onde, portanto, a CAPES deverá manter suas habituais formas de apoio”. Disponível em http://www.ime.usp.br/~song/diretor/mestprof-documento.html
[iii] O Art. 2° da Portaria n. 80 diz: “Será enquadrado como ‘Mestrado Profissionalizante’ o curso que atenda aos seguintes requisitos e condições: a) estrutura curricular clara e consistentemente vinculada a sua especificidade, articulando o ensino com a aplicação profissional, de forma diferenciada e flexível, em termos coerentes com seus objetivos e compatível com um tempo de titulação mínimo de um ano; b) quadro docente integrado predominantemente por doutores, com produção intelectual divulgada em veículos reconhecidos e de ampla circulação em sua área de conhecimento, podendo uma parcela desse quadro ser constituída de profissionais de qualificação e experiência inquestionáveis em campo pertinente ao da proposta do curso; c) condições de trabalho e carga horária docentes compatíveis com as necessidades do curso, admitido o regime de dedicação parcial; d) exigência de apresentação de trabalho final que demonstre domínio do objeto de estudo, (sob a forma de dissertação, projeto, análise de casos, performance, produção artística, desenvolvimento de instrumentos, equipamentos, protótipos, entre outras, de acordo com a natureza da área e os fins do curso) e capacidade de expressar-se lucidamente sobre ele”.
[iv] Para uma melhor compreensão das discussões sobre o mestrado profissional no Brasil, Cf. FISCHER, Tânia. Mestrado profissional como prática acadêmica. Revista Brasileira de Pós-Graduação, v. 2, n. 4, Brasília, Capes, jul., 2005.
[v] Para uma discussão sobre os mestrados profissionais em Ecologia, ver SCARANO, Fábio; OLIVEIRA, Paulo E. Sobre a importância da criação de mestrados profissionais na área de ecologia e meio ambiente. Revista Brasileira de Pós-Graduação, v. 2, n. 4, Brasília, Capes, jul., 2005.
[vi] Diz o Art. 4º: “São objetivos do mestrado profissional: I - capacitar profissionais qualificados para o exercício da prática profissional avançada e transformadora de procedimentos, visando atender demandas sociais, organizacionais ou profissionais e do mercado de trabalho; II - transferir conhecimento para a sociedade, atendendo demandas específicas e de arranjos produtivos com vistas ao desenvolvimento nacional, regional ou local; III - promover a articulação integrada da formação profissional com entidades demandantes de naturezas diversas, visando melhorar a eficácia e a eficiência das organizações públicas e privadas por meio da solução de problemas e geração e aplicação de processos de inovação apropriados; IV - contribuir para agregar competitividade e aumentar a produtividade em empresas, organizações públicas e privadas”.
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