O pessoal da Revista Up vai ter que me desculpar, mas tenho que transcrever uma excelente matéria que acabei de ler, escrita por Luís Ramone Lopes e publicada na última (vigésima) edição da revista paulistana, sobre a rotina exaustiva e empolgante do rock independente paranaense, através da banda Nevilton.
Segue a matéria:
Umuarama é uma cidade arrumadinha, com aproximadamente 100 mil habitantes, localizada no noroeste paranaense, onde o sol costuma castigar os desprovidos de cabelo. É também conhecida como a capital da amizade e recebe o título de “Mulherama” pela beleza e quantidade de consortes que vivem por lá. No dicionário Tupi, de autoria de Orlando Bordoni, Umuarama significa 'lugar alto, sítio alto e ensolarado'. Difícil é explicar a história do morto-vivo que apareceu por lá e, principalmente, a réplica da Torre Eiffel, construída na saída da cidade, sentido Paraguai. Mas isso tudo são misérias dentro do que trataremos agora: o rock independente. Representado, e muito bem representado, por Nevilton – Nome de remédio e voz de pato rouco!
O Começo
Conheci o som do Nevilton por meio de um cara, do qual não me recordo o nome, jornalista e amigo de algum dos meninos lá de casa, que uma vez apareceu no apartamento para jogar winning eleven e ouvir Bob Marley junto com a galera da república. Entre um gol e outro, um devaneio e outro e uma cerveja e outra, ele, natural de Francisco Beltrão, no Paraná, comentou sobre uma banda de Umuarama com N que havia aparecido em publicações como a Rolling Stone e a Bravo! com certo destaque. A banda N, de Umuarama, foi parar então no Google, que nos apresentou o site, MySpace e outras mídias por onde o grupo já havia rodado.
Num sábado de julho, quando a alma começava a puxar o resto do corpo para as ruas atrás de agitação e outras indecências, descobri na web que aquela banda de Umuarama se apresentaria em São Paulo, a poucas quadras do lugar que habito em companhia do editor-chefe da revista, Junior Bellé, e do editor de conteúdo, Paulo Marcondes: o apê 80. O passo seguinte foi jogar a ideia na mesa de discussões e o consenso apontou que aquela seria uma noite de rock’n’roll regada à cerveja e outros crimes. O show rolaria na Fun House, uma casa noturna com atendentes lindas e tatuadas, e lá conheceríamos Ton, Fernando e Tiago Lobão, os caras do Nevilton. O primeiro passo para a reportagem que segue.
A reportagem que segue
“Você está com a filmadora, a bateria está aqui e as fitas você encontra no bolso externo da capa. Contamos com você, Ramone”, foram as últimas palavras de Ton lançadas para mim antes do grupo se mandar para o backstage do John Bull Music Hall, na capital paranaense. O set list, que eu tanto esperava para escrever a matéria com mais facilidade, não me foi entregue porque não existia. Tudo que rolou entre Ballet da Vida Irônica e Me Espere Menino Lobo, respectivamente primeira e última música daquela noite, foi na base do “e aí, qual vai ser agora?”. Eu estava com a filmadora apontada para o palco e os olhos fixados no público, atento às reações que dali surgiriam enquanto Ton e Lobão pulavam como dois “putinhos” naquele palco.
Curitiba era a primeira parte da breve turnê, que seguiria ainda por Florianópolis, Alto Piquiri e terminaria em Umuarama. Isso tudo no espaço temporal de uma semana, sendo cada uma das apresentações possuidoras de características e histórias particulares. Em Curitiba, a primeira parada, estávamos diante de um festival com 14 bandas da cena independente que se dividiriam entre sexta e sábado, 24 e 25 de julho, para realizar a 7ª edição do Rock de Inverno. Nevilton estava escalado para ser a 4ª banda da primeira noite, tocando depois de Pão de Hambúrguer, Liquespace e Hotel Avenida. E antes de 3 Hombres, Diedrich & Os Marlenes e Beto Só. Todas extremamente competentes.
Antes do rock comer solto em Curitiba, Ton e sua trupe maluca haviam viajado 564 Km e uns quebrados até o local do show. A viagem começou às 5 horas da manhã, quando acordamos na Neviltonlândia para guardar as guitarras e microfones no Uno que transporta a banda - merecidamente batizado de Átila, o Uno. Nevilton pilotaria o carro até as casas de Lobão, o baixista, e de Fernando, que era o piloto-baterista daquele cabriolé de músicos na maior parte das viagens.
Fernando Livoni, o baterista caipira mais insano do rock paranaense, é o mais tranquilo da banda. Chegado numa cachacinha, em turbinar Passat e outros carros, ele é um pouco mais quieto que os demais, mas tão boa gente quanto. Do trio, ele, que recentemente deixou a banda, era o único integrante com responsabilidades conjugais a cumprir, mas ainda assim encontra tempo para tocar viola. Suas imitações da esposa são inenarráveis e muito contribuíram para desencanar da rotina de asfalto da semana que seguia, principalmente nos trechos Umuarama–Curitiba, Curitiba-Florianópolis e Florianópolis–Umuarama. Além disso, a história de como ele começou a tocar bateria é conveniente, ainda mais se tratando da cena independente.
“Eu mesmo que fiz. O bumbo era um tambor de lata, com uns pedaços de papelão servindo de pele, os pratos eram feitos de gaiolas, a caixa era uma lata de tinta”, contou durante os primeiros quilômetros de sono de Nevilton e Lobão no banco traseiro do Uno. O pai havia lhe oferecido um violão, mas ele não criou identidade com o instrumento. Enquanto conversávamos rolava Screaming Trees e Eddie Vedder no som do carro, ambas indicações desse repórter enxerido e metido a conhecedor de boa música.
À tarde, o trio estava agendado com a Rede Globo do Paraná para gravar duas músicas que seriam exibidas semanas mais tarde num programa voltado para o público jovem daquele estado. O horário estava marcado: 16 horas em Santa Felicidade, o bairro frequentado pelos estômagos mais luxuosos de Curitiba. A TV é uma ótima mídia para uma banda que está dando os seus primeiros passos e o tempo estava contado no relógio dos Neviltons. Pelos nossos cálculos, seriam sete horas e meia de viagem. Se pegássemos a estrada às seis da manhã, chegaríamos em Curitiba entre duas e três da tarde, com sobra para almoçar, beber, e até para encostar o carro e ficar nu na beira da estrada, se fosse o caso. Mas o rock independente é um lance repleto de improvisos e contratempos. Como ossos que furam o pneu e atrasam a viagem, por exemplo.
“Ramone, em 56.405 quilômetros de rock por esse país a fora, essa é a primeira vez na história dessa banda, e também desse carro, que um pneu fura na viagem. Você está com sorte, meu velho!”, explicava Nevilton enquanto passava frio à beira da PR-323 e dava risada da sorte. Por mais que o planejamento permitisse pequenos contratempos durante a viagem, o grupo sabia da correria que aquela sexta-feira ainda reservava. Entre a constatação do furo, a busca por uma borracharia e a troca do pneu pelo step, perdeu-se aproximadamente uma hora. “O lance é torcer pra não furar mais nenhum agora”, dizia Fernando, que ficou incumbido da tarefa devido aos dotes mecânicos que possui.
O almoço daquele dia foi um pacote de bergamotas e mais um salgado gordurento para cada um de nós. Quando Curitiba apareceu no horizonte, estávamos com tempo suficiente para procurar a rua do estúdio onde rolaria a gravação para a TV, encontrá-lo e ainda tomar um cafezinho antes do carro da emissora chegar para iniciar a gravação.
A noite
Tudo pronto no John Bull. O som, as luzes, o palco, alguns músicos, o bar e público. Estava tudo lá quando os meninos de Umuarama ainda deixavam o local das gravações para caçar o Habib’s mais próximo, garantir a janta, e então seguir até a casa do irmão do baixista – que estava viajando, mas deixou o porteiro avisado -, onde rolaria a pernoite daquele dia. Era um apartamento bacana, espaçoso e que aliviaria um pouco o cansaço e os calos da viagem daquele dia. Na TV ficou o registro de A Máscara, de autoria própria, e uma versão de Jorge Maravilha, de Chico Buarque, uma vez que o programa queria mostrar músicas de protesto para falar sobre o papel dos músicos durante o regime de repressão.
O pré-show de Curitiba foi o mais agitado de todos, mas perdia para o de Florianópolis porque na ilha havia champagne e salgadinhos frios para comemorar o lançamento do clipe de Não Me Leve a Mal, dos caras do Aerocirco, os organizadores da noite Catarina. Em Curitiba não havia comida e nem bebida na faixa, mas havia uma movimentação interessante e agitada de músicos pelo salão. Num raio de poucos metros era possível encontrar o Paulo Nadal, voz e guitarra do Mordida, o Oneide, vocalista e guitarrista do Diedrich & Os Marlenes, Beto Só, que além de músico é um jornalista fudido, os meninos do Pão de Hambúrguer, Hotel Avenida e outras bandas bebendo cerveja pelas rodinhas de conversa. No carro, a caminho do show, pairava um mix de tranquilidade com “temos muito a fazer antes do show”, enquanto rolava no som do Átila um trabalho do Cream gravado nos estúdios da BBC de Londres. E a noite começava a cair. Ton, sempre que vai pegar a estrada com os outros Neviltons, costuma perder algumas horas sentado à frente do computador gravando CDs para distribuir nas apresentações. O número de cópias varia bastante de apresentação para apresentação, mas a média fica entre 20 e 50 CDs por noite. Nevilton grava, faz a arte e ajuda a cortar e pintar o encarte. Fernando e Lobão também contribuem com o trabalho, principalmente com os últimos itens mencionados. “Nunca vendemos esses CDs, são material de divulgação e a única coisa que queremos é que a galera escute e passe pros amigos”, conta Nevilton, que completa: “Na cena independente tem que ser assim. É trabalho de pedreiro, Ramone”.
Nevilton é O Cara da banda. Na música desde os 16 anos de idade, hoje com 23, ele é o responsável por escolher o norte a ser seguido. “Eu sei que o Nevilton sou eu, mas sei que não funciona sem os outros caras. Toquei voz e violão por diversas vezes, tive outras bandas e vi muita coisa boa ruir por falta de perspectiva, por insistir em tocar músicas dos outros em vez de tentar fazer um som próprio”, conta o rapaz que dá nome à banda.
Ton é Nevilton, filho de Nevilton, que trabalha como comerciante na região de Umuarama. Nevilton pai, ou Neviltão, conta que foi numa apresentação dos Titãs, ali pelo comecinho da década de 1990. “Os Titãs vieram pra Umuarama e eu lembro que o Ton foi assistir a montagem de palco e passagem de som. Quando ele voltou para casa, me falou que os músicos o haviam convidado para assistir o show e que eu precisaria levá-lo até o clube onde eles se apresentariam”, conta o pai, que hoje é grande incentivador do trio. Neviltão, a princípio, desconfiou da história do filho, mas de tanto insistir acabou levando o garoto para curtir um rock naquela noite. “Lembro que quando chegamos lá havia uma senhora fila para entrar, achei até que era papo furado dele, mas quando me dei conta, um dos Titãs gritou assim: ‘ô polaco, chega aí e traz o seu pai’. Aí entramos e assistimos a tudo bem de perto”, relembra o pai do vocalista. A mãe, que assim como o pai sempre deixa como música tema do celular uma canção da banda, chama-se Marlene e também aposta na ascensão do grupo: “sempre quando eles se inscrevem para algum festival, concurso ou coisa do gênero, eu me coloco a votar e insisto para que todos os meus clientes e funcionários da loja façam o mesmo”. Nos fundos da papelaria onde trabalha, além do estoque e de um pouquinho de bagunça, existe parte da história do trio, que fez e faz os ensaios e as gravações caseiras por lá. E sempre foi assim.
Ensaios
O grupo está acostumado a ensaiar nos fundos de papelarias da cidade; esta que fica na Avenida Presidente Castelo Branco é a segunda no histórico dos caras. O rock’n’roll que sai de lá, abafado pelas caixas com mercadorias de estoque e pelo próprio estoque fora das caixas, segundo Nevilton, é compacto e fudido. Eu acrescentaria: ... e pode ser visto no YouTube”.
Nevilton é quem pensa as letras e arranjos das músicas. É ele também quem se encarrega de colocar na internet as primeiras versões gravadas no “estúdio particular” da banda, e produzidas no quarto onde ele costuma hospedar as visitas. Vez ou outra, a papelaria cai fora do processo e entram as artimanhas digitais. Grava-se uma linha digital de baixo, outra de bateria e vai pra web. “Alguns sons que hoje fazem parte do nosso repertório foram gravados antes mesmo do Nevilton existir como banda. Eu era sozinho e tocava numa banda chamada Super Lego, onde o Fer e o Lobão também tocavam, e tínhamos mais dois caras com a gente”, conta o vocalista, que é mais um cara fissurado em conhaque e internet.
A grande rede é uma constante durante as viagens do grupo. Sempre que aparece uma oportunidade, Ton e Lobão correm para a web a fim de agitar a comunidade do Orkut, o Twitter, Facebook, MySpace, site, MSN, e outros. No quartel general do vocalista, fixado na CPU de um dos computadores, existe uma folha com inúmeros lembretes nesse sentido. E a julgar pelo que vi durante o tempo que fiquei por Umuarama, ele segue à risca todos eles. “Independente da profissão, hoje você tem que saber aonde quer chegar. O mercado está cada vez mais acirrado, cada vez mais bandas aparecem, e bandas de qualidade. Se você não vender o seu peixe, vão comprar o peixe do vizinho”, diz o vocalista que é formado em Letras.
Lobão, o seu companheiro de maluquices no palco, é advogado, blogueiro e escreve uma coluna semanal no principal jornal de Umuarama. Juntos, eles possuem um semanário de música, cultura e conversa fiada na rádio universitária do município. O programa recebe o nome de Culturanja (cultura + canja), vai ao ar todas as terças-feiras, com reprises aos sábados e pode ser visto na internet no formato podcast.
Lobão é filho de bancário e por alguns anos também trabalhou atrás do caixa, recebendo boletos, contando notas e preparando malotes. Sobre esse período de sua vida, pode-se dizer que ele quase não sente saudades. “Minha alegria era pegar o salário e comprar vinhos, CDs, roupas, instrumentos e equipamentos para a banda. Se eu continuasse naquilo seria um eterno infeliz de gravata”, ele conta e faz cara feia, encrespando os músculos faciais, de modo que fica fácil acreditar. O baixista era a única alma sexual e fanfarrona da banda, até a recente troca de baterista. Por se tratar do único rapaz solteiro dos três, por onde passa, ele deixa a sua marca. E não foi diferente em Curitiba, mas essa parte da treta fica chato contar aqui. Não pretendo escrever nenhum conto erótico nestas linhas. Mas é no palco que a coisa acontece! Nevilton à esquerda do público, com sua calça verde e seu terno azul marinho da sorte, Fernando mais ao fundo, como se fosse um homicida cheiradão a golpear com um martelo a cabeça de sua vítima. Lobão fica com a outra ponta do tablado e a insanidade rola solta quando os três começam. Da primeira à última música rola “o fino do rock presencial”, um lance absurdo, que chega carregado de peso, técnica apurada, pulos alucinados e boas letras.
Beto Só, o headliner da primeira noite de rock na capital paranaense, não titubeou ao pisar no palco. “Quando eu subi aqui, a primeira coisa que pensei foi ‘tomara que eu consiga fazer um show tão bom quanto o do Nevilton”. Senhor F, jornalista das antigas e um dos principais críticos da cena independente brasileira, ao final da noite salientou: “é um dos melhores shows de toda a cena brasileira”. Mas cada caso é um caso e cada show é um show...
Se em Curitiba grande parte do público estava disposto a ouvir a novidade, em Florianópolis o jogo rolava fora de casa. Pela primeira vez a banda se apresentaria na ilha e o Aerocirco estava lançando um clipe. Aerocirco é uma banda bacana, formada por quatro rapazes boa-pinta, que não despontou em grandes centros como Rio e São Paulo, mas que é garantia de casa cheia em Santa Catarina e partes do sul. Nevilton mandou tão bem quanto em Curitiba, inclusive apresentando duas músicas inéditas ao público catarinense. O único problema era que os espectadores sabiam cantar Aerocirco, mas não Nevilton.
Nevilton estava mais animado que de costume naquela noite, e deixava transparecer o entusiasmo com um ligeiro trançar de pernas. “Não tem problema, não, cara! A gente veio aqui pra mostrar a nossa cara mesmo. Pra gente é muito legal abrir o show dos caras aqui. Depois a gente leva eles pra Umuarama. Assim é que as bandas se ajudam”, Ton é bom menino, não é desses que enchem a cara e gritam “o Bob Dylan sou eu” pelas ruas. Diferente de Lobão e eu, que mandamos ver várias cervejas durante toda a noite. Em certo momento recordo que fomos parar num carro, impossível de lembrar a marca, com uma loira e uma morena que transbordavam sorrisos e progesterona. “Faltou sorte e tempo essa noite, Ramone”, ele uivou quando levamos o fora. “O importante é não se deixar abalar”, completei.
Estávamos 860 quilômetros distantes de Umuarama e eu estava bêbado. Conseguimos pouso com Maurício, guitarrista do Aerocirco, que nos ofereceu uma casa simpática, com camas confortáveis e cerveja na geladeira. O dia seguinte reservava uma bela ressaca na minha cabeça e muita estrada pela frente. Dormir era preciso e então, com a luz do dia já a brilhar na ilha, a cena independente foi repousar.
The final
Assegurar que Curitiba e Florianópolis seria uma coisa, e Alto Piquiri e Umuarama outra, era explicar o óbvio. No primeiro show interiorano daqueles dias, Nevilton estava incumbido de abrir para a dupla sertaneja Mario Augusto e Alexandre, durante a Feira do Agricultor de Alto Piquiri. O palco era montado pela prefeitura no meio daquela que talvez seja a única avenida principal da cidade. Os comerciantes vendiam espetinhos, doces, hot dogs e mais uma infinidade de quitutes.
Muitas bandas sequer cogitariam uma apresentação naquele lugar, mas Nevilton possui espírito desbravador, inclinado para esse tipo de maluquice, e preparou um show especial para aquela noite. “Dessa vez nós vamos tocar, além de algumas músicas nossas, uns covers pra galera entrar na onda. Vai rolar Raul, The Doors, aquela do Chico Buarque e sei lá, Peter Bjorn and John”, avisou Nevilton, que foi complementado pelo baixista: “a gente tem que pensar que estamos endividados até o pescoço com essa história de gravar, produzir, mixar e lançar o CD. Tocar aqui ajuda a pagar as dívidas da banda e também há o fato de recebermos o cachê adiantado”.
A cena independente, de um modo geral, é carente de cachês. Pouco se comenta sobre isso na mídia especializada porque, na verdade, praticamente não existe uma mídia especializada. O que existe são pequenos focos de jornalistas fodidos que, por gostarem do som ou simplesmente por puro masoquismo, embrenham-se no meio dessa turma. Assim, não é difícil entender o motivo que levou o Vanguart a assinar com a Universal Music em uma época que se especula o declínio da indústria fonográfica mundial.
“A verdade é que a cena independente sonha com o contrato assinado e com a pouca estrutura que as gravadoras ainda oferecem”, falou Nevilton em nome toda a banda. “Hoje você pega um DVD desses caras sertanejos que ninguém conhece e, se for ver o orçamento utilizado na gravação, vai constatar que é maior que o orçamento utilizado por muitas bandas consideradas top de linha no nosso meio. É cruel, Ramone”, completou com o mesmo olhar de um jornalista que descobriu que o seu diploma não é legitimado pela Constituição.
Alto Piquiri representa a decadência de um estilo de música que, salvo alguns dinossauros abraçados pela grande mídia, nunca conseguiu se estabelecer e caminhar com as próprias pernas neste país. Mas, ao mesmo tempo, também representa uma possibilidade que até hoje poucos exploraram. “Quem garante, categoricamente, que o interior não gosta de rock, se o rock, até hoje, nunca se preocupou em ir até lá?”, indagou o baterista e violero do Nevilton. Quem cresceu numa cidade de pequeno e médio porte, ou mesmo em capitais com pensamento provinciano, entende o que ele está falando.
Particularmente, depois que embarquei nessa vibe com o Nevilton, eu defendo que todo grupo de rock deve se apresentar na cidadezinha. Até porque é bacana sentir-se um rockstar de vez em quando. Ou amigo de um. Quando os Neviltons se preparavam para deixar a cidade, Átila foi cercado por adolescentes e pré-adolescentes de modo que até eu, que nem bonito sou, dei autógrafos. “Cara, teve uma menina que se apresentou com dois beijinhos no rosto, e o segundo deles não foi bem no rosto”, comentei com a alma sexual da banda, Lobão, que imediatamente respondeu: “isso também aconteceu comigo. Acho que é a mesma menina”. E assim é o interior. Nevilton voltou pra Umuarama sem nenhum CD.
O Grand Finale
E chegara o grand finale: Umuarama. Na terra do grupo, de maneira intrinsecamente simbólica, rolaria o jantar de posse da nova diretoria do Harmonia Clube de Campo, um lugar cheio de piscinas onde se respeita, com certo rigor, o dia de jogar e o de não jogar sinuca. Nevilton, só ele, pra tirar uma grana por fora e garantir o conhaque dos finais de semana, toca voz e violão pelos bares da vida. Na minha noite de despedida de Umuarama, no show do Harmonia, ele abriu o seu próprio show.
Naquele momento, tudo o que tinha de ser feito estava concluído. O dia a dia e as histórias da semana estavam gravados em algum lugar entre a minha testa e a parte dos fundos da minha cabeça, onde ainda vinga um pouco de cabelo. Umuarama, Curitiba, Florianópolis, Alto Piquiri, estrada, rock e curtição barata. Nevilton, o grupo, apontou para mim um pequeno recorte do que rola nesse rock meio avulso. A sensação que fica após esses quatro shows, após as incessantes conversas com o trio e com o cotidiano absorvido por osmose, é que pude presenciar o germinar de um puta grupo de rock daquele estado chamado Paraná. Não que sejam os únicos pés-vermelhos que façam um som de qualidade por aqueles lados, há outras bandas fodidas perdidas por lá, suportando o adágio que insiste em afirmar que “depois do Blindagem, é tudo sertanejo”.
Certa vez Bukowski escreveu: “amar é como nadar contra uma correnteza de mijo com dois barris cheios de merda amarrados nas costas”. Se ele estivesse comigo nessa pequena epopeia talvez incluísse o amor pelo rock independente nessa descrição tão precisa. A correnteza, nesse caso, não é tão amarela e o barril não é de merda, mas a tarefa é tão árdua quanto. Nevilton é rock pedreiro e alucinado, merece ser ouvido e, principalmente, assistido. O independente é um puta amassa-barro, e se perder tempo olhando o gato nunca conseguirá comer o peixe. Ganha-se pouco e sempre vai ter um sujeito que, mesmo sabendo que você é músico, vai perguntar qual é a sua profissão.
É isso aí. O rock não são flores. É muita ralação!
Nevilton é nevilton !!!
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