Um retorno aos desejos, afetos e lutas diárias



Há quatro anos, decidi tornar meu caderno de anotações (este blog) algo impessoal. A escolha fazia sentido naquele momento. Estava no meio do mestrado na USP e queria discutir "grandes coisas". Por escolha consciente, fui tornando os textos cada vez menos relacionados com minhas vivências diárias. Nesse jogo de deslocamento, ganhei leitores mais exigentes e mais acadêmicos. Por outro lado, fui perdendo a liberdade de escrever sobre temas diversos. Escrever pequenas notas pessoais, comentários soltos e reflexões sobre objetos aleatórios.

Com a amplitude temática e a ambição de pensar a grande política -- algo como o folhetim La Città Futura editada pelo jovem Antonio Gramsci e seus camaradas socialistas em Turim --, o e-mancipação foi colecionando parceiros. Por meio de convites informais, consegui reunir boas mentes ao meu redor, publicando seus textos no blog. Nasceu assim a ideia de transformar o e-mancipação em projeto coletivo, destinado ao debate público de ideias críticas.

O ápice dessa obsessão ocorreu em meados do ano passado, quando propus uma redefinição em projetos teóricos específicos. Em outras palavras, ao invés de estimular a liberdade de pensamento, forjei uma espécie de projeto de pesquisa. O blog ficou chato. Afastou leitores. Me afastou.

Algumas mudanças importantes
Desde que retornei da Itália, em outubro de 2015, muita coisa mudou na minha vida. Voltei para São Paulo, consegui um novo emprego em uma antiga organização não governamental de defesa de direitos coletivos (Idec) e -- o mais maravilhoso dos feitos -- descobri que vou ser pai. Todas essas mudanças me fizeram repensar algumas antigas escolhas e projetos pessoais. Decidi, em conjunto com a Priscila, que levaria uma vida menos acadêmica, mais política e preocupada em dar amor e afeto para um novo ser.

Há algumas semanas, durante um voo para Brasília, comecei a pensar o quanto que meu velho caderno de anotações virtuais estava distante da minha nova vida. Saquei rapidamente meu celular de dentro do bolso da calça, abri o bloco de notas do aparelho e comecei a digitar as seguintes linhas:

Um projeto singular me impede de pensar livremente no blog. O Pensar o Brasil é muito ambicioso em termos de propostas políticas no nível macro. A ideia é sair dessa camisa de força indo além de um conteúdo único. Melhor deixar o e-mancipação como multitemático, categorizando seus textos a partir de agendas diversas. 2016 tem sido um ano de grandes novidades e mudanças, especialmente com o filho e a militância na ONG.

Na sequência, rascunhei quatro "categorias" para futuros textos. Penso que a ideia para em pé. Por isso, farei um exercício daqui em diante. Vou me dar a liberdade de escrever sobre os desejos, afetos e as lutas diárias que tenho vivido. Peço desculpas aos colaboradores, mas a tônica daqui em diante será um pouco diferente. A fase acadêmica hard core acabou. Obviamente, isso não significa que o caderno virtual será uma porralouquice como nos primórdios -- quando escrevia sobre música, festas e as aventuras em Londres --, mas serei mais livre para explorar pensamentos sobre a política diária, as transformações sociais que estamos vivendo e os desafios de criar um menino num Brasil que parece perdido em suas próprias crises e canalhices.

 Eis as categorias.

A mente de Antonio
Antonio já existe, mas se encontra dentro de Priscila. Nossa expectativa é que ele venha ao mundão em setembro. A paternidade é algo que tem me transformado aos poucos, o que é natural. Dizem que as mães já se transformam nos primeiros meses e os pais se tornam outras pessoas após o nascimento. Acho que faz sentido. Por enquanto, tenho me preparado mais para o parto natural do que para a paternidade propriamente dita. A Priscila me indicou um livro -- New Active Birth, escrito por Janet Balaskas em 1989 -- para que eu entenda a importância da superação dos métodos hospitalares, muitas vezes carregados de violência obstétrica e anulamento da autonomia feminina, e as razões de sua escolha por um parto natural. Penso que Antonio tem sorte por ter uma mãe assim. Se tudo der certo, ele nascerá em nosso apartamento (que ainda está para ser alugado) em Perdizes.

Pedagogia é algo que sempre me fascinou profundamente. Como aprendemos? Como geramos inteligência? Como desenvolvemos habilidades artísticas e sensibilidade? Como nos tornamos humanos e não apenas animais com instinto de sobrevivência? Mesmo sem uma reflexão teórica profunda, terei a oportunidade de observar de perto o desenvolvimento do nosso pequeno Antonio. Daí a ideia de ter um espaço próprio para isso, no qual Priscila, como mãe, também estará convidada a compartilhar suas observações. Um espaço no blog onde eu possa pensar em voz alta sobre o crescimento de nosso primeiro filho.

Diário de batalhas jurídicas
Desde que entrei no Idec, passei a viver algo novo na relação entre direito e política. Antes, minha abordagem era puramente acadêmica. Meus conhecimentos eram gerados por livros, artigos, seminários e pesquisas que realizava. Depois de mergulhar no interior de uma importante organização civil, conheci outro lado da história: o modo como as ONGs se organizam para transformar a realidade social, as dificuldades de se dialogar com os "fazedores de lei" (Congresso Nacional), as relações internacionais de cooperação e financiamento de ativismo, os bastidores de campanhas e das estruturas midiáticas que impulsionam a política no país.

Sei que há um risco em escrever sobre isso. Existem coisas que não se falam. Há dinâmicas e ritualísticas que, supostamente, são somente para os iniciados e para os que estão dentro do movimento. Mas esse fechamento do conhecimento e das experiências me incomoda profundamente. Quero experimentar escrever sobre meu trabalho nos meus cadernos pessoais. Essa categoria envolverá anotações das disputas que tenho travado no Idec em defesa de direitos, como, por exemplo, a bem sucedida campanha contra as franquias de dados na Internet fixa, que chamamos de Campanha Internet Livre.

Pensar o Brasil
Em março deste ano, escrevi um pequeno ensaio intitulado Romper o imobilismo sobre a importância de "vigiarmos nossa democracia e discutirmos, com atenção, quais são as nossas alternativas". O golpe orquestrado por Michel Temer e Eduardo Cunha ainda não havia ocorrido e me parecia urgente tentar reunir narrativas independentes sobre a política brasileira, em busca daquilo que Noam Chomsky chamou de "democracia significativa".

O projeto fracassou por uma série de motivos: pela ausência de impulsos e convites para outros autores, pela intensidade das batalhas jurídicas que travei no Idec, e pela extrema dificuldade em fazer com que a política brasileira tenha sentido, diante das diárias reviravoltas, tramas, delações e jogadas pensadas estrategicamente por elites. De todo modo, considerarei esse fracasso como temporário. O espaço permanece, mesmo que seja sufocado pela ausência de ar limpo para se respirar e entender o que se passa no Brasil.

Rede economia social
Ainda não revelei detalhes deste projeto, mas em 2016 convenci minha mãe -- que é professora de administração e desenvolvimento local na Universidade Federal do Paraná -- a criar comigo "um coletivo de acadêmicos e ativistas preocupados com a democratização da economia e o fortalecimento dos princípios de autogestão e participação econômica". Nasceu assim a Rede Economia Social, que se reúne quinzenalmente na Internet para "disseminar conhecimento, informações e práticas de economias sociais no Brasil e trabalhar para o fortalecimento do poder social". A rede tem um grupo de estudos, que está em andamento.

Nesse espaço, escreverei mais sobre esse projeto, sobre o que entendemos por "economia social" e sobre o crescimento dessa rede, que já possui alguns nódulos espalhados por Curitiba, Matinhos, Florianópolis, Porto Alegre e São Paulo. Também quero compartilhar mais sobre as dificuldades de construir uma organização civil independente no país e os desafios do mais utópico dos projetos: democratizar profundamente a economia e as capacidades humanas; um projeto defendido, de modos distintos, por pensadores como Karl Marx, Karl Polanyi e nosso Celso Furtado.

Parece extremamente ambicioso, mas queremos transformar pelo pequeno. Pelas múltiplas práticas locais baseadas em solidariedade e valorização dos indivíduos que produzem em conjunto. Futuramente, darei mais detalhes dos frutos dessa rede.

Avanti!
Se você chegou até essa conclusão, imagino que tenha entendido claramente o que está em minha mente e onde quero chegar. Não há mais nada para se dizer agora. As correntes foram quebradas. Nasce aqui outra nova fase do e-mancipação. Mais madura, politizada, relacional e -- por que não? -- amorosa.

4 comentários:

  1. Rafael,
    É incrível a sia maturidade. Essas questões estão todas ai e não há como fugirmos delas. As inquietacões são novas e motivadas pela nova vida que esta chegando - Antonio. Isso traz um novo pensar e um novo ato politico, com certeza amoroso. Creio que esse nova etapa do e-mancipacão será ainda mais rico. Conte comigo sempre. Sou parceira para escrever no seu blog também, inclusive, desde de como se pensa até como se pensa o Brasil. Sobre Economia Social então...nem se fala. Ou seja, vamos construir novos diálogos. Parabéns!

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  2. Rafael primeiramente parabéns pelo rebento ! É uma alegria um novo Ser vir de gente que pensa como vc ! É um alívio no meu coração. Obrigado. Vou acimpanhar seu blog e gostei muito da idéia do projeto da economia social ! Gostei demais mesmo e gostaria muito de aprender com vcs ! Tudo de mais lindo e criativo pra vc e sua família ! Bjo no seu coração

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  3. Estamos sempre aqui, monitorando e aguardando os próximos textos.

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  4. Bom dia, Rafael

    Trabalho na área de comunicação da consultoria PwC e sou uma das responsáveis pela redação de matérias para a revista CEO, uma publicação interna da empresa.
    Estamos fazendo uma reportagem sobre economia compartilhada e gostaria de entrevistá-lo a respeito do tema.
    Você teria disponibilidade para conversar comigo, pessoalmente ou por telefone, nesta ou na próxima semana?
    Pode por favor entrar em contato pelo e-mail vanessa.correa@cdicom.com.br?

    Obrigada

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