O dia do massacre de 29 de abril: uma proposta para os estudantes


Escrevo esse texto para o estudante de direito da Universidade Estadual de Maringá, onde fui aluno entre 2005 e 2010.

Meu diálogo é com você, caro(a) colega. Você possui um papel importante nos próximos anos no Paraná, no Brasil e no mundo. O que aconteceu nesse mês de abril é um ponto de mudança para ações mais solidárias, construtivas e de resgate à democracia.

A construção de um discurso contra a violência
As primeiras reações à violência contra os professores e servidores públicos já foram executadas. Poucos esperavam que a "revolta do giz" do mês fevereiro resultaria em um cenário de guerra no Centro Cívico de Curitiba. Após as ações truculentas da polícia militar frente a educadores que exerciam o direito legítimo de manifestação, tornou-se evidente o cenário de desconstrução das bases democráticas do governo do Estado. 

O Centro Acadêmico Horário Raccanello Filho (CAHRF) agiu corretamente ao unir forças aos professores e manifestar-se contra as imposturas da Secretaria de Segurança Pública do Estado. É a postura mínima para honrar as crenças democráticas dos irmãos Raccanello em Maringá. Não custa lembrar que tanto Horácio quanto José Hermenegildo foram opositores do regime militar e dos programas de "caça aos comunistas" no noroeste do Paraná. É preciso sempre ter em mente a história de vida de quem dá nome ao órgão de representação dos estudantes de direito.

Uma segunda reação importante foi a publicação da nota de repúdio do curso de direito da Universidade Estadual de Maringá ao governador Beto Richa e vice-governadora Cida Borgheti, Assembleia Legislativa e Poder Judiciário do Estado do Paraná no dia 04 de maio. Nessa nota, o curso, como integrante do quadro da educação pública superior do Paraná, "considera aviltantes, bárbaras e antidemocráticas as condutas realizadas pelo governo e vice-governadora, secretários/as, Assembleia Legislativa, notadamente os deputados/as da região de Maringá (...), assim com a decisão do Poder Judiciário do Estado em impedir o acesso do povo do Paraná à sua Casa Legislativa".

Mais importante que a mensagem de indignação, a nota de repúdio anuncia duas ações concretas. A primeira é a declaração de personae non gratae para as pessoas alinhadas com esse ato de violência -- o que pode se efetivar com uma lista de tais representantes da população. A segunda é a instituição do "Dia do Massacre de 29 de Abril", para que um exercício constante de reflexão seja posto em prática, especialmente sobre o uso da violência policial em protestos pacíficos.

O que você, como jurista, pode fazer?
A instituição do Dia do Massacre é importantíssimo em termos simbólico e político. A primeira tarefa dos estudantes é fazer com que a proposição não morra em uma nota de repúdio. É preciso dar vida a essa proposta pensada, entre outros, pelo professor Paulo Roberto de Souza.

Os estudantes podem anunciar uma agenda de três anos para o Dia do Massacre na UEM. Considerando a natureza complexa do problema -- como desmilitarizar as polícias em um cenário de crescente aparelhamento dos órgãos repressores e limitação das liberdades constitucionais? --, os acadêmicos de direito podem articular uma rede de mobilização com professores e outros estudantes. É um erro completo realizar essa reflexão apenas com membros da faculdade de direito. Essa é uma oportunidade ímpar para promover a integração dos alunos de diferentes cursos em verdadeiro espírito de universidade.

A segunda estratégia é repensar as regras de responsabilização por atos do governador do Estado. A Constituição do Estado do Paraná (1989) define que a defesa da cidadania e dos direitos humanos são objetivos centrais do Estado (art. 2º). É competência do Estado, também, zelar pela guarda das instituições democráticas (art. 12). Se é certo que a "Polícia Militar, comandada por oficial da ativa do último posto, força auxiliar e reserva do Exército, e a Polícia Civil subordinam-se ao Governador do Estado" (art. 49), como se definem os crimes por responsabilidade do Governador em caso de violação de direitos humanos e impedimento de liberdades constitucionais?

Se o Supremo Tribunal Federal decidiu que a "competência para dispor legislativamente sobre processo e julgamento por crimes de responsabilidade é privativa da União, que o faz por meio da Lei 1.079/1950" (Ação Direta de Inconstitucional 4.791, Rel. Min. Teori Zavaski, 12/02/2015 - caso Conselho Federal da OAB v. Assembleia Legislativa do Estado do Paraná), que sentido deve ser dado ao art. 7º dessa lei, que trata dos crimes de responsabilidade contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais (incluindo a subversão, por meios violentos, da ordem política e social)? De que modo cidadãos podem apresentar denúncias contra o Governador, tal como definido nos artigos 74 e seguintes?

Você, como jurista, pode contribuir com a produção de conhecimento voltada à cidadania. Por que não realizar uma pesquisa sobre o julgamento de crimes de responsabilidade por atos de governadores em todo o Brasil? Por que não investigar quantos pedidos de responsabilização foram negados por não atingir dois terços dos votos da Assembleia Legislativa? Por que não investigar isso no Paraná?

Os resultados dessa pesquisa podem ser contrastados com um debate mais amplo no próximo "Dia do Massacre" em 2016. Como que líderes do Executivo e representantes do Legislativo articulam coalizões para evitar responsabilizações? Como que as regras dessa lei de 1950 operam na prática? Quais são os "casos de negligência deliberada das Assembleias Legislativas na consideração de pedidos judiciários de abertura de ações penais contra Governadores de Estado", de que fala o Ministro Teori Zavaski?

Estudantes de ciências sociais e ciência política têm dificuldade de entender como que essas regras operam à luz da interpretação constitucional dada pelo STF. O jurista, no entanto, pode oferecer uma colaboração tremenda nesse tipo de investigação. Não é hora de um trabalho coletivo no Paraná para entender como  isso funciona? Qual seria o impacto de um projeto executado por estudantes de diferentes cursos?

As reações à violência são apaixonadas nesse momento, como devem ser. Mas uma discussão robusta sobre mudança das normas existentes deve ser feita com estratégia e dedicação. Você, como estudante, tem oportunidade de fazer isso em Maringá, articulando uma agenda de pesquisas que pode, até mesmo, ser integrada com a Universidade Estadual de Londrina, a Universidade Estadual de Ponta Grossa e a Universidade Federal do Paraná. 

É preciso senso de comunidade: você faz parte da rede pública de ensino superior. Lembre-se disso.

Construindo uma agenda jurídica e política
O dia do massacre de 29 de abril está anunciado. A agenda de reflexões foi proposta para que o curso "promova atividades de reflexão e memória sobre a violência dispensada aos servidores do Estado do Paraná nesse dia".

Meu conselho a você, caro conterrâneo, é simples: não fique parado ou parada. Não se limite a um desabafo em uma rede social.

Discuta com seus colegas como vocês podem colaborar junto à sociedade civil, construindo conhecimento aplicado à mudança política. Organizem, colaborativamente, uma agenda para os próximos três anos -- uma agenda ambiciosa, que tenha como pretensão repensar o modo como a polícia militar atua no Paraná e de que modo os governadores podem ser responsabilizados por lesões a direitos fundamentais.

Esses são os conselhos de um companheiro indignado, porém com esperança nessa nova geração.

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