[ por Rafael Edelmann de Oliveira Baptista, em colaboração para o e-mancipação ]
Quanto realmente sabemos acerca de nossos políticos? Há pouco se passaram as eleições no Brasil, na qual, além de algumas surpresas -- que se boas ou ruins fica a cargo de cada leitor decidir --, tivemos a disputa presidencial mais acirrada desde a retomada da democracia. Agora que estamos começando a ver o desenrolar das atitudes pós-eleitorais, podemos nos perguntar: quanto realmente sabíamos a respeito de nossos políticos?
A situação é problemática. Entre o grande número de candidatos, a pouca informação confiável disponível, o comportamento e propaganda influenciados pelo marketing eleitoral, fica sempre muito difícil ter certeza de qualquer coisa. O candidato vai sempre saber dos seus próprios (verdadeiros) interesses e prioridades políticas, mas como o cidadão poderá saber disso também?
George A. Akerlof, em seu artigo clássico sobre decisões em situação de incerteza (The Market for Lemons, 1970), vale-se do mercado de carros usados como caso paradigma de sua ideia. Nesse mercado os compradores não têm como saber ao certo o verdadeiro grau de qualidade do produto que estão comprando, mas têm ao menos alguma noção, subjetiva, da qualidade em geral dos carros usados. O argumento apresentado é que essa noção mais geral de qualidade afeta a noção concreta, para um determinado veículo. Assim, num contexto em que há percepção generalizada acerca da baixa qualidade dos carros usados, aqueles de boa qualidade tendem a ter seu valor rebaixado por conta da falta de informação confiável a respeito deles.
Akerlof prossegue dizendo que, em casos extremos, essa situação pode se repetir até o ponto em que não valha mais a pena vender carros usados de alta qualidade, dada a elevada desvalorização que sofrem pela falta de informação dos consumidores somado à percepção subjetiva de que carros usados geralmente são de baixa qualidade. Mas argumenta também que podem surgir instituições, tanto privadas como governamentais, capazes de mitigar essa situação de assimetria, empurrando o mercado de volta a um equilíbrio que seja produtivo.
O que quero dizer aqui é basicamente o seguinte: troque “carro usado” por “político”, “consumidor” por “eleitor” e “comprar” por “votar” que teremos um retrato muito fidedigno da dinâmica informacional que se desenvolve nas eleições.
Não temos todas as informações a respeito dos políticos -- e nem poderíamos tê-las, pois isso significaria podermos tanto entrar na mente deles bem como conhecer suas decisões futuras --, e por causa disso sempre acabamos votando com racionalidade incompleta, que pressupõe também informação completa. Além do que, diferentemente do modelo de Akerlof, no qual a preocupação é com contratos e em se encontrar intervalos nos quais é vantajoso contratar, aqui temos uma situação bem mais simplificada que se resume ao binômio votar/não votar. Só que também aqui, tal como naquele modelo -- considerando esse o aspecto mais relevante da comparação --, é possível construir instituições, tanto públicas quanto privadas, capazes de amenizar o problema -- assumindo aqui, claro, que a falta de informação para decisões de voto seja de fato um problema.
Mas acontece que o problema da assimetria de informações, quando concretamente observado, se manifesta por dois momentos bem distintos. Ou não se tem acesso à informação que seja relevante e suficiente para que se tome uma decisão razoavelmente racional, ou não se consegue compreender perfeitamente a informação disponível de modo que não se consiga valer dela para tomar uma decisão adequada.
Levando essas condições concretas em conta, há uma literatura muito interessante da ciência política -- como Jeffifer Hochschild, por exemplo -- que vem indicando três grandes eixos de respostas institucionais a esse problema: (a) Instituições que garantam acesso a informação relevante e desenviesada; (b) Instituições que incrementem a capacidade de compreensão dessas informações (sobretudo pela promoção da educação dos indivíduos); (c) Instituições que emulem os efeitos de decisões com informação completa (assim, por exemplo, mesmo que eu não possa saber tudo que preciso acerca do político, tenho garantido canais de pressão e de comunicação para fazer com que meus interesses sejam ouvidos). Cada um desses eixos impõe toda uma série de questões e dificuldades que não poderei desenvolver aqui. Mas nem por isso deixam de ser boas orientações – apesar de vagas – à construção institucional.
Ademais, adoto aqui um sentido bem amplo do termo “instituições” como sendo o conjunto de regras, formais e informais, que organizam a sociedade ao redor de determinados problemas. Ou também, dito por outro ângulo, a forma concreta pela qual a sociedade se organiza ao redor de determinado problema. Assim, para a construção dessas instituições temos a disposição todas as possibilidades acessíveis de organização da sociedade, como o direito e a própria iniciativa de ação humana independente do Estado.
O que resta fazer é estruturar caminhos concretos, dentro dessas inúmeras possibilidades de organização, que se traduzam em instituições capazes de empurrar a realidade para o cenário ideal no qual se possa ter melhores condições de racionalidade para a decisão política. Porque já que políticos são como carros usados, é bom saber se vão funcionar bem por pelo menos uns quatro anos antes de comprá-los.
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