O sistema de scoring e a primeira audiência pública do STJ


[ por Rafael A. F. Zanatta e Michel Roberto O. de Souza ]

Dia 25 de agosto acontece a primeira audiência pública do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para se decidir um recurso especial repetitivo. Trata-se da primeira experiência do tipo em 25 anos de existência da Corte.

Audiências públicas não são novidades na cúpula do Judiciário brasileiro. O Supremo Tribunal Federal (STF) já usa, há anos, tal instrumento participativo. O que é novo é o STJ aproveitar a experiência e o regimento interno do STF para realizar uma audiência pública para decidir uma questão complexa em sede de recuso especial repetitivo. O site do STJ informa que há quase 100 mil processos suspensos na segunda instância aguardando a decisão do leading case.

O caso a ser decidido pela 2ª Seção do STJ será o recurso especial repetitivo nº 1.419.697/RS, que versa sobre o sistema de scoring de crédito, uma espécie de pontuação que “revelaria a expectativa de inadimplência” dos consumidores. A questão tornou-se controversa em razão da atuação do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul nos últimos anos.

Desde 2010, parte dos desembargadores gaúchos firmou o entendimento que o scoring é um banco de dados que necessita do consentimento, conforme o Código de Defesa do Consumidor e a Lei 12.414/2011. Nessa linha de interpretação, milhares de consumidores foram lesados por não terem consentido com a criação desses bancos de dados (“cadastros ocultos”) e com as inferências feitas por algoritmos e operações matemáticas. Afinal, a legislação brasileira diz que  “a abertura de cadastro e banco de dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele”.

O score de crédito é utilizado por diversas empresas e associações de comércio. A Câmara de Dirigentes Lojistas o utiliza e oferece para varejistas. Esse tipo de pontuação faz com que as lojas, por exemplo, neguem crédito ao consumidor, mesmo que o consumidor não esteja negativado. Para o Banco Central do Brasil, que atua como amicus curiae no processo, tal sistema é crucial para o bom desempenho do comércio e da economia brasileira. Nessa argumentação, a análise de risco aumenta a eficiência e conduz a menores preços, diante da menor possibilidade de inadimplência. Além do argumento eficientista, há outro ligado à globalização: o sistema de scoring é utilizado nas principais economias do mundo e essencial para os negócios e comércio eletrônico.

A grande polêmica da audiência é que o sistema de scoring é composto por inúmeras informações compiladas, incluindo, em alguns casos, informações sobre o uso do Judiciário. A reclamação comum por parte dos consumidores é que informações sobre processos judiciais movidos contra empresas e outras informações pessoais são utilizadas para “prever a possibilidade de inadimplência”. Negar crédito com base em análise desses dados seria ilegítimo, cabendo indenização por danos morais.

Em termos jurídicos, a discussão a ser realizada na audiência pública será bastante conceitual. Se o sistema de scoring for classificado como “banco de dados”, aplica-se a Lei 12.414/2011, tal como tem entendido o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Se for mero “instrumento” ou ferramenta de análise de risco -- como querem Febraban, Serasa, Boa Vista e Banco Central --, o STJ decidirá que o consentimento não é necessário, sendo descartada a tese de indenização por dano moral.

Na última quinta (07/08), o ministro Paulo de Tarso Sanseverino divulgou oficialmente a lista dos 22 participantes da audiência pública do dia 25 de agosto. Além da Febraban, Banco Central do Brasil e Serasa Experian S.A., que já haviam manifestado interesse no processo, institutos de defesa do direito do consumidor, associações de lojistas e seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil poderão fazer uso da palavra por quinze minutos.

Os debates técnicos sobre a natureza do sistema de scoring poderão servir de subsídios para a tomada de decisão do STJ. A questão é saber se os consumidores estarão bem representados e se a racionalidade econômica irá moldar um debate jurídico em favor de lojistas e bancos.

De todo modo, é duvidoso que a discussão termine em breve. Considerando que a decisão recorrida do Tribunal de Justiça faz menção a dispositivos constitucionais, é possível a interposição de recurso extraordinário pelas partes. Nesse caso, a discussão será levada para STF -- órgão que inspirou o STJ no uso de audiências públicas e que tem competência para analisar se há ofensas a normas da Constituição Federal.

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