Black blocs, banco de dados e vigilância policial


A Artigo 19 publicou hoje um alerta importante sobre uma decisão interna da Polícia Civil do Estado de São Paulo. Diz o recado da ONG: 

A Polícia Civil de São Paulo recomendou a criação de um banco de dados com informações sobre todos os manifestantes que vierem a ser detidos nos protestos. A ARTIGO 19 realizou um pedido de informação buscando entender como esse banco de dados será gerenciado e utilizado, além pedir as justificativas legais que autorizam a criação do mesmo. Medidas como essa podem afetar gravemente a nossa privacidade, principalmente porque no Brasil não temos leis específicas que protejam este direito.

A ONG divulgou uma foto, tirada de um aparelho celular, de um documento oficial da 1ª Delegacia Seccional da Polícia, localizada na Rua Aurora, Santa Ifigênia, em São Paulo. Trata-se da "Recomendação 1º Seccional nº 2/2013". Segue uma transcrição do documento divulgado pela Artigo 19.

Dr. Kleber Antonio Torquato, Delegado de Polícia da Seccional da Capital, no uso de suas atribuições legais, mormente àquelas voltadas ao controle e fiscalização quanto à regularidade na execução dos misteres próprios da Polícia Judiciária delegados ao dirigente das unidades que lhe são subordinadas e,
Considerando as manifestações que rotineiramente têm ocorrido nesta cidade e que, muitas delas, se concentram na área circunscricional desta Seccional;
Considerando que, em todas as manifestações, esta Seccional monitora os registros de ocorrência bem como os atos de Polícia Judiciária decorrentes;
Considerando que as informações coletadas são retransmitidas às instâncias superiores, notadamente ao Departamento de Polícia Judiciária da Capital - DECAP, ao DIPOL e à Delegacia Geral de Polícia (DGP);
Considerando a necessidade de se estabelecer um arcabouço mínimo de informações acerca dos autores de delitos praticados por ocasião das manifestações, solicito a Vossa Excelência, EM CARÁTER RESERVADO, que sejam consignadas as seguintes informações/providências:
a) endereços residenciais e comerciais completos (bem como endereço de e-mail)
b) se estudante, o curso e endereço do estabelecimento de ensino
c) se tem filiação partidária (qual partido)
d) se integrante do movimento Black Bloc (ou outro movimento)
e) como tem conhecimento das manifestações
f) se tem antecedentes criminais
g) qualificar os advogados que se fizerem presentes para representar os conduzidos
h) tirar fotos dos objetos apreendidos, antes de lacrá-los (e valendo-se do banner da Polícia Civil)

Como visto, a finalidade do pedido do Delegado de Polícia é ter maior controle dos dados relacionados aos manifestantes, incluindo se o manifestante é, ou não, "integrante do movimento black bloc" (aliás, como descobrir isso?). Além disso, busca verificar como a pessoa "tomou conhecimento das manifestações" e qual sua assessoria jurídica (quem são os advogados presentes em casos de prisão).

A Artigo 19 encaminhou algumas perguntas para a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo. Foram seis perguntas centrais para um debate democrático sobre os limites da vigilância e do controle de dados por parte da Polícia: (i) Qual é a base legal que permite a criação desse banco de dados? (ii) Existe normativa que regulamente a coleta, armazenamento, tratamento e utilização destes dados? (iii) Qual a finalidade da criação do banco de dados? Haverá alguma forma de monitoramento dos indivíduos constantes no banco? (iv) Quais órgãos poderão ter acesso a esses dados? (v) Qual será o tratamento destes dados, isto é, haverá cruzamento com outros dados presentes em outros bancos? Se sim, quais? (vi) Qual sistema operacional técnico será utilizado?

As perguntas formuladas pelos membros da ONG devem ser repetidas por todos nós, independentemente de vinculação com o black bloc ou com os protestos contra a Copa. Esse não é um debate específico sobre controle dos BBs. O que está em jogo é a criação de uma estrutura de vigilância e categorização que pode afetar cidadãos, em geral, e advogados de direitos humanos - e que se faz de forma silenciosa, sem a menor discussão sobre as justificativas e necessidades.

Por que queremos isso? Estamos cientes das consequências? Não é hora de colocar limites civis à Polícia Civil? Ou essa discussão não é nossa?

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