Íncrivel como o destino (ou o acaso) consegue mesclar sentimentos polarizados em um só dia. Minutos depois de ser aprovado pela minha banca de qualificação no mestrado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - formada por Jean-Paul Rocha (orientador), José Eduardo Faria e Diogo Coutinho -, recebi a notícia, pela minha namorada, do falecimento da minha avó paterna, Ana Zimiani Zanatta, nascida em 1925.
Minha cabeça está a mil, atordoada por uma mistura inusitada (e indescritível) de êxtase e pêsames. Não foi um falecimento traumático - a saúde de minha avó estava debilitada há muitos anos -, mas, mesmo assim, a morte nos pega de surpresa. É sempre duro aceitar que alguém se foi. Que não há retorno. Que só a memória manterá a presença daquela pessoa em vida.
Não há como não pensar no meu pai e nos seus irmãos. O que é a dor de perder uma mãe? Conheço pessoas que experimentaram isso, mas não tenho a menor dimensão do que esse sentimento representa. Deve ser de uma intensidade arrebatadora.
Vó Ana contava histórias de um tempo remoto, marcado pela pobreza e pela imigração dos italianos no Brasil. Costumava contar uma história singular: da viagem que sua mãe fez do sul da Itália para o Brasil, em um navio lotado, e da ordem de um dos funcionários para que ela se desfizesse de um bebê doente que trazia no colo. "Butta la via! Butta la via!", dizia o inspetor. Imagine se, em um momento de desespero e fragilidade, a jovem italiana tivesse realmente jogado o bebê no mar? Bem...certamente eu não estaria escrevendo estas linhas no dia 10 de outubro de 2012 em São Paulo.
Minha avó foi uma mulher de seu tempo, com um tremendo coração. De longe, uma das senhoras mais doces que convivi. Tem uma história sofrida de um Brasil em transformação: trabalhou em olarias no interior de São Paulo carregando tijolos na cabeça, casou-se aos 25 anos com um homem chamado Alcides, trabalhou na roça com plantio de café, criação de animais e horticultura. Foi vítima da falta de instrução, não conhecia as regras de aposentadoria. Migrou do campo (Reginópolis) para a cidade (Bauru) na virada do século. Preparava gemada para os filhos. Gostava de cantar - era afinada - e dançar. Era extremamente religiosa, rezava muito pelos santos católicos. Tinha as mãos grandes e calejadas. Tinha vergonha das mãos em fotografias, buscava sempre escondê-las. Achava que eram brutas. E eram. Só não tinha orgulho disso.
Pode parecer piegas, mas eu tinha o sonho de ver minha vó Ana entrar no altar do meu casamento com a Priscila, junto com uma "daminha". Ciclo da vida: criança, adulta, idosa. Seria simbólico e belo...
Ainda não me casei. E a vida continua.
Com o falecimento de minha vó Ana, deixo de ter os avós paternos. Meu avô faleceu há doze anos. Meu pai agora está sem seus criadores. É realmente terrível saber que eu posso também viver isso. Não há o que comentar. O ceticismo é desconfortante. É isso realmente o fim?
Replico a dedicatória de meu pai, escrita há cinco anos: "À minha mãe Ana Zimiani Zanatta pelas orações e pelo amor incondicional, o qual nem sempre eu havia pedido e ela nem sempre podia ter me dado". Ana era uma mulher de amor. E é essa lembrança que ficará entre aqueles que carregam seu sangue.
Lindo Rafa!!!
ResponderExcluirOs bons exemplos alicerçam a vida das boas pessoas.
Uncle Tutcho