Faculdades de Direito e OAB: uma provocação

A notícia e o orgulho
Na terça-feira, oito de maio, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil publicou uma notícia sobre as "faculdades que mais aprovaram em todo o país". Obviamente, a matéria refere-se ao número de alunos, de cada instituição de ensino jurídico, aprovados no exame da OAB, atualmente unificado e aplicado pela Fundação Getúlio Vargas. Em síntese, a pesquisa estatística divulgada pelo Conselho revela que "das 20 instituições de ensino que mais aprovaram em termos proporcionais no último Exame, 19 são públicas" - o que reforça uma velha (e questionável) ideia de que as melhores faculdades de direito do país são as federais e estaduais.

Eis a relação das 20 instituições que mais tiveram alunos aprovados, segundo compilação realizada pelo blog Exame de Ordem e pelo portal Consultor Jurídico (cf. 'Faculdades federais aprovam mais no Exame de Ordem').


A lista completa, incluindo o desempenho dos alunos de todas as faculdades de direito do país, está disponível aqui.

Como era de se esperar, a divulgação da lista provocou uma enxurrada de compartilhamentos em redes sociais - Facebook, principalmente - por parte de alunos pertencentes a tais universidades bem ranqueadas na lista pesquisa divulgada pelo Conselho Federal. Estudantes e alunos formados em direito pela Universidade Estadual de Maringá, por exemplo, divulgaram a notícia com mensagens do tipo "orgulho de ser UEM", ou mesmo provocações como "cadê a UEL?" (tradicional rival maringaense, considerando que as duas são as principais universidades estaduais do Paraná).

É claro que há motivos para comemoração e sentimento de orgulho. Ser acadêmico de uma instituição de ensino implica em carregar o nome da universidade de formação (a alma maeter) para toda vida e esse tipo de notícia mexe com o brio de qualquer aluno ou ex-aluno das instituições listadas. Afinal, que aluno de direito que não gosta de saber que sua faculdade "aprova mais"?

Os dados da pesquisa impulsionam tal sentimento para os egressos do D-34 (famoso bloco do curso de Direito da Estadual de Maringá). Como informa o jornal local, "dos 108 alunos da UEM inscritos no exame, 77 foram aprovados. O índice de 71,30% de aprovação deixou a universidade em 14º lugar no ranking, a frente de instituições tradicionais, como a Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Por sua vez, instituições de renome no Paraná - entre algumas delas, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e a Universidade Estadual de Londrina (UEL) - ficaram fora da lista" (cf. 'UEM coloca o PR no ranking das 20 melhores instituições de ensino no exame da OAB').

Há, enfim, motivos para comemoração - e o comportamento dos juristas da UEM apenas serve de exemplo para explicar o tipo de reação de qualquer aluno das vinte instituições que mais aprovaram no exame.

Todavia, a questão maior é saber se há relação direta entre a qualidade de ensino de tais instituições e o número de alunos aprovados no exame de ordem.

Aprimorando o empirismo
Os dados revelam muito, mas não tudo. É claro que o nível do alunado das instituições ranqueadas como "as que mais aprovaram no exame de ordem" é excelente. Os vestibulares de tais universidades funcionam como verdadeiros filtros para seleção dos melhores talentos do ensino médio. Não há dúvidas de que a capacidade cognitiva dos acadêmicos de tais instituições é bastante elevado. O ciclo é bastante perverso e conhecido por todos: os alunos de classe média ou alta que tiveram oportunidade de estudar nas escolas privadas são aqueles que ingressam nas vagas públicas de ensino superior.

Por outro lado, o que está em jogo é a qualidade do ensino do jurídico, algo que, talvez, não possa ser mensurado por um exame de ingresso nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Neste ponto, denota-se no país um verdadeiro processo de sucateamento das instituições públicas e completa estagnação dos métodos de educação jurídica, ainda presa aos padrões formalistas que vigoram desde a criação das faculdades de direito em terras brasileiras. Em geral, os professores repetem o tradicional modelo de exposição dogmática e explicação do direito positivo (legislação), com pouca ênfase em discussão de casos concretos (julgamentos paradigmáticos), poucos seminários conduzidos com metodologia e raras práticas de inovadores modelos pedagógicos como o role-play e o aprendizado baseado em problemas (problem-based learning).

A qualidade do ensino jurídico não pode ser medida pelo número de aprovações no exame de ordem dos advogados, ainda mais quando se leva em consideração que o exame consiste em (i) uma prova objetiva sobre as principais áreas do direito (geralmente 80 questões sobre temas amplos e diversos) e (ii) uma prova prático-profissional na área de concentração do candidato, que nada mais é do que uma peça processual que deve ser elaborada diante de um problema hipotético proposto na prova.

Soma-se a isso um elemento crucial. A pesquisa do Conselho não revela o número de alunos matriculados em "cursinhos preparatórios para o exame de ordem". E esta é uma variável fundamental, considerando que os alunos de faculdades públicas, por não pagarem mensalidade, possuem maiores possibilidades de contratarem os serviços de uma das centenas de empresas que oferecem cursos focados no exame de ordem (algumas chegam a oferecer o dinheiro de volta para o aluno não aprovado). Os alunos de faculdades privadas já arcam com altas mensalidades e, por vezes, sofrem cobranças de familiares por já possuírem um custo de formação educacional (o que é um obstáculo para contratação dos serviços oferecidos por empresas como LFG, Damásio, etc), ao passo que o estudante de uma faculdade pública ou privada tem em mente que "estuda de graça".

Os cursinhos oferecem uma vantagem ao candidato: treinamento exaustivo para a prova do exame de ordem. Paga-se para ter acesso às aulas de profissionais que dominam o padrão de avaliação do exame e que possuem técnicas de ensino tradicionalmente conhecidas como técnicas de cursinho (memorização, macetes, siglas), que diminuem a dificuldade de uma prova abrangente como a do exame de ordem.

Basta um olhar mais próximo sobre a realidade das faculdades públicas para compreender a obsessão destes alunos com relação ao "exame da OAB". Em muitas instituições, há mais de metade de uma turma matriculada em cursinhos preparatórios no 4º ano de faculdade, um ano antes do término da graduação. O fato de tais alunos serem oriundos de classes médias ou altas reforça a ideia de que possuem mais possibilidade de se matricularem em tais cursos, o que pode levar a um falso aumento do desempenho da instituição.

O próximo passo para a OAB para aprimorar a pesquisa empírica sobre o desempenho das instituições seria colocar no questionário a opção "aluno de cursinho" ou forçar as empresas de cursos preparatórios a enviarem os dados de seus alunos, incluindo a instituição de origem, fazendo um cruzamento de dados. Caso contrário, listas como estas divulgadas pelo Conselho Federal podem levar a falsas conclusões sobre a qualidade das faculdades de direito e a relação de causalidade entre instituições públicas de ensino jurídico e aprovação no exame de ordem.

Não se trata de desmerecer as instituições públicas e o nível dos alunos das faculdades estatuais e federais de direito. Trata-se de compreender melhor o perfil do aluno aprovado no exame de ordem. Tal provocação precisa ser feita.

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