O que Harvard mostra sobre o futuro da educação

Se existe algo de excelência nos Estados Unidos, esse algo é a formação universitária. Os professores possuem planos de carreira e são geralmente bem remunerados, os campi são bem estruturados, com salas amplas e modernas, e os cursos são organizados com metodologia rígida, o implica na elaboração de um plano de ensino - com reading assignments semanais e writing requirements ao final do curso - que é apresentado ao aluno no primeiro dia de aula. Planejamento e método são palavras centrais para descrever a dinâmica de funcionamento das boas universidades estadunidenses.

Superando o fechamento disciplinar que marcou o século passado, as principais faculdades que oferecem cursos de ciências humanas apostam hoje na abordagem interdisciplinar, reunindo professores de diferentes áreas numa mesma disciplina. Um exemplo desta abordagem é dado pela John F. Kennedy School of Government da Universidade de Harvard - antiga Graduate School of Public Administration, criada na década de 30 após a Grande Depressão - que tem em seu quadro docente o economista Dani Rodrik, um dos mais importantes acadêmicos contemporâneos. Rodrik uniu-se ao jurista Roberto Mangabeira Unger (professor da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard) e criou o curso Political Economy After Crisis, que é oferecido nesta primavera (spring 2012) na Kennedy School.

A proposta do curso é uma abordagem em "direito e economia" mais abrangente, resultante da união de professores de diferentes áreas, com foco nos efeitos políticos pós-crise. Como aponta o syllabus, entregue aos alunos no primeira dia de aula (25/01) e disponibilizado on-line, "o curso irá explorar formas alternativas de pensar sobre as economias de mercado contemporâneas e sua reconstrução. O fará ao abordar três temas conectados: a crise financeira e econômica mundial e sua resposta a ela, o esforço para avançar o crescimento econômico socialmente inclusivo em países ricos e também países pobres, e o passado, presente e futuro da globalização. Ao abordar tais temas, o curso questionará o que é a Economia o que ela deveria se tornar. Para 2012, o tópico central será a crise e o esforço para recuperação como provocações para insights e oportunidades para reforma".

A bibliografia do curso, que se encerra em meados de abril, contém seis obras (Agnar Sandmo, Economics Evolving: a History of Economic Thought, Princeton University Press; Robert Sidelsky, Keynes: a Very Short Introduction, Oxford University Press; Menzie Chinn & Jeffry Frieden, Lost Decades: the Making of America's Debt Crisis and the Long Recovery, W.W. Norton & Company; Dani Rodrik, The Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy, W.W. Norton & Company; Roberto Mangabeira Unger, Free Trade Reimagined: the World Division of Labor and the Method of Economics, Princeton University Press; Roberto Mangabeira Unger, Democracy Realized: the Progressive Alternative, Verso; Michael Piore & Charles Sabel, The Second Industrial Divide: Possibilities for Prosperity, Basic Books), as quais possuem capítulos selecionados para leituras semanais.

Como todo bom curso de graduação estadunidense - bem como os cursos de excelência de pós-graduação no Brasil  (que estão mais próximos do padrão internacional) -, os acadêmicos matriculados são obrigados a produzir dois papers (de 6 a 10 páginas) sobre os temas discutidos no curso. Os professores contam com teaching assistants (monitores), responsáveis por tirar dúvidas de alunos sobre o método de avaliação.

Mas existe algo no curso interdisciplinar ministrado por Dani Rodrik e Roberto Mangabeira Unger que chama ainda mais a atenção do observador, algo mais valioso que sua própria preparação criteriosa e o instigante conteúdo, ambos dignos de nota: a disponibilização das aulas on-line.

As duas primeiras aulas - The Global Financial and Economic Crisis, de 25/01, e The Struggle for Recovery, de 01/02 - já estão disponíveis na internet. Deste modo, qualquer estudante interessado na temática poderá acompanhar o curso em casa, até mesmo realizando as leituras prévias indicadas para cada sessão de discussão. É óbvio que não há a mínima chance de participação nos debates, mas essa é uma forma de incluir alunos não matriculados na Kennedy School em Harvard - que deve possuir um processo seletivo extremamente competitivo e elitista - e amplificar a educação para além dos limites das quatro paredes do campus universitário.

Neste ponto, o da disponibilização de cursos completos na internet, a Universidade de Harvard tem sido pioneira. Milhões de pessoas - muitas delas do Leste Asiático - já assistiram ao curso Justice: What's the Right Thing To Do?, do filósofo político (e fenômeno de audiência e venda de livros) Michael Sandel. A primeira aula, por exemplo, tem mais de (incríveis) 3 milhões de visualizações - algo notável em tempos de banalização do conteúdo on-line.

De fato, a revolução tecnológica gerada pelo amplo acesso a computadores pessoais e a popularização da internet banda larga levantam uma série de questões sobre o futuro da educação: até que ponto é necessário um curso presencial? Quais seriam os prejuízos de permitir a matrícula de alunos não presenciais, considerando que o custo marginal é quase zero? O que aconteceria se os cursos das principais universidades do mundo (como Harvard) pudessem ser frequentados virtualmente por todos os interessados  com domínio em língua inglesa? Até que ponto é possível pensar em modelos de cursos que tivessem dois públicos, presenciais e virtuais?

Não há como discordar da qualidade das aulas expositivas dos profissionais de Harvard. A questão é saber se a limitação não-presencial é um obstáculo suficiente - e se é o único - para evitar que aulas virtuais substituam o tradicional modelo de ensino consolidado na era pré-revolução tecnológica.

Há muito o que se pensar sobre o futuro da educação. Ao que tudo (provisoriamente) indica, esse é apenas o início de grandes transformações.

Um comentário:

  1. Sobre o futuro da educação - em Harvard - http://hlsorgs.com/sjd/global-dialogue-about/

    O líder da organização é o Daniel Vargas, do http://jogue-fora-a-roupa-velha.blogspot.com/

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