É revoltante a ausência de debates e uma análise séria sobre o "caso Pinheirinho" nos veículos de comunicação, em geral. Não vou, mais uma vez, entrar nesse mérito. Bato muito nessa tecla: informação é um produto à venda gerado com intenção de lucro. Não há alternativa. O cidadão deve buscar outras leituras em meios independentes. Felizmente, o atual momento histórico permite um acesso muito fácil a esses textos contra-hegemônicos. Basta digitar a "hashtag" #Pinheirinho no Twitter para encontrar matérias sobre o que está por trás da violenta desocupação de domingo. Tais análises não surgirão nos canais abertos de televisão. É preciso pesquisar, encontrar e conhecer.
O Facebook, apesar de todos potenciais males já constatados, pode ser um instrumento de compartilhamento de notícias e documentários bastante eficaz. A politização, entretanto, sempre dependerá dos usuários. Ao invés de divulgar fotos de humor (9Gag, por exemplo), algumas pessoas estão levando o debate sobre o Pinheirinho a sério - tal como deve ser levado -, compartilhando a "história vista de baixo". O documentário abaixo, produzido de forma autônoma e sem intenção lucrativa, está circulando desde ontem na rede social e merece ser visto. Ele mostra como que o pacto federativo foi rompido em razão de uma ação entre amigos.
Aos acadêmicos de direito, o caso Pinheirinho é um prato cheio. Há questões processuais (conflito de competência), inefetividade de direitos fundamentais (o direito à moradia, do artigo 6º da Constituição Federal), discussões sobre direito administrativo (desapropriação por interesse social, nos moldes do artigo 5º, inciso XXIV, da Constituição e Lei nº. 4.132/1962 - criada pelo governo de João Goulart), violência policial e grave lesão a direitos humanos (já constatada por membros da Organização das Nações Unidas). Esse é um case de múltiplos e complexos debates - um acontecimento histórico que não deve ser esquecido. É errando que se aprende. Fica a lição machadiana: a primeira glória é a reparação dos erros. A academia, enquanto espaço privilegiado para pesquisa e reflexão, deve debruçar-se sobre o tema e amplificar o debate com a comunidade. Lições importantes podem surgir.
Apesar das desgraças, há quem veja com um certo otimismo a resistência oferecida pelos moradores de Pinheirinho. Rodrigo Nunes, em matéria publicada ontem no jornal britânico The Guardian (um dos raros grandes veículos que assumem uma postura mais próxima da crítica), afirmou que o ocorrido pode servir de inspiração para a esquerda global (cf. 'The fight against Brazil's Pinheirinho eviction can be an inspiration'). A repercussão, no entanto, ainda tem sido baixa. Matérias jornalísticas como as produzidas pela Al Jazeera ajudaram a disseminar a gravidade do domingo sangrento brasileiro. Entretanto, ao contrário da classe média egípcia que tomou as ruas de Cairo há exatamente um ano atrás, a população pobre de Pinheirinho não possui articulação política suficiente para ser ouvida. O empoderamento ainda é fraco.
O "naufrágio do Pinheirinho" (o termo é de Vladimir Aras) evidencia que muito pouco mudou na brutal história recente da humanidade, em termos globais. A desigualdade é extrema, "direitos humanos" é um discurso retórico e o direito é um instrumento de dominação operacionalizado por atores de uma classe alinhada aos interesses dos detentores de capital.
A utilização do direito como instrumento de transformação social e expressão da justiça que deve ser realizada é o desafio renovado para o século 21. E não se pode ser ingênuo: esta difícil luta será sangrenta.
O papel do jornalismo independente: http://rede.outraspalavras.net/pontodecultura/2012/01/25/pinheirinho-o-possivel-papel-do-jornalismo-independente/
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