José L. Fiori e o desenvolvimentismo asiático

Impossível não dar crédito a uma leitura econômica por parte de um autor do porte de José Luis Fiori. Atualmente professor titular e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia Política Internacional da Universidade Federal, Fiori graduou-se em sociologia e fez mestrado em economia, ambos na Universidade do Chile, entre 1965 e 1973, tendo sido aluno de alguns dos principais autores da economia política estruturalista da CEPAL ("Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe", berço do desenvolvimentismo latino-americano). Posteriormente, doutorou-se em Ciência Política pela Universidade de São Paulo.

Seu último texto, publicado no Valor Econômico na quarta-feira da semana passada (25.01), trata de um tema caro aos que pensam hoje a questão do "novo Estado desenvolvimentista": o milagre do Leste Asiático, responsável por desestruturar a ortodoxia neoliberal do final do século passado.

Com base na pioneira obra de Chalmers Johnson (cientista político da Universidade da California, falecido em 2010), Fiori extrai quatro lições sobre o crescimento asiático e faz uma provocação aos autores desenvolvimentistas brasileiros, defensores de políticas industriais e medidas intervencionistas reconhecidas como heterodoxas: "os asiáticos nunca se referiram a si mesmos como 'desenvolvimentistas', e sua estratégia econômica não tem nada a ver com o chamado 'desenvolvimentismo latino-americano'. Sua política industrial, comercial e macro-econômica sempre esteve a serviço de sua 'grande estratégia' social e nacional, e da sua luta pela conquista ou reconquista de uma posição internacional autônoma e preeminente".

O texto foi republicado pelo portal Outras Palavras e segue abaixo para leitura.


O “Desenvolvimentismo Asiático”

Salvo engano, foi Chalmers Johnson quem falou pela primeira vez do “desenvolvimentismo” asiático, no seu célebre livro sobre o “milagre econômico japonês”, publicado em 1982. Depois dele, transformou-se num lugar comum dizer que o “estado desenvolvimentista” foi ator central do crescimento econômico acelerado da Coréia, Taiwan e Singapura, entre os anos 1960 e 80; da China, a partir dos anos 1990 (na foto, Shangai); e do Vietnã, no início do século XXI. O próprio Johnson – que era economista, serviu na Guerra da Coreia, foi consultor da CIA para a Ásia, e lecionou nos Centros de Estudos do Japão e da China, da Universidade da Califórnia – voltou muitas vezes ao tema e acabou transformando-se num dos grandes especialistas norte-americanos em economia política asiática. Foi um dos principais responsáveis pela difusão e aprofundamento acadêmico da pesquisa e do debate que ganhou ressonância internacional, com a publicação, pelo Banco Mundial, do The East Asian Miracle: Economic Growth and Public Policy [“O milagre da Ásia de Leste: Crescimento Econômico e Política Pública”], em 1993.

No seu tempo, o livro de Johnson surpreendeu o mundo acadêmico: segundo o autor, o “modelo econômico” japonês do pós-guerra não era original e vinha dos anos 1920; e sua característica fundamental não era econômica, tinha a ver com a “intensidade” com que a sociedade e o governo japonês se dedicavam ao estabelecimento e cumprimento dos seus objetivos estratégicos. Para Johnson esta “intensidade” se devia ao fato de que o “modelo” tinha sido concebido como um instrumento de guerra e de reconstrução, depois da guerra, e como instrumento de defesa da soberania japonesa, frente aos desafios do mundo e do contexto geopolítico asiático, na segunda metade do século XX.

Este contexto explicaria o nascimento e a força da ideologia nacionalista e das instituições japonesas responsáveis pela mobilização da sociedade e pela submissão do desenvolvimento econômico aos seus objetivos de longo prazo. Em 1989, a economista americana Alice Amsden publicou outra obra clássica – Asia’s Next Giant [“O próximo gigante asiático”] sobre o “milagre econômico coreano”. Ela identificava características parecidas com o desenvolvimento japonês: o “modelo coreano” também vinha de antes da II Guerra e havia sido forjado na luta anti-colonialista, contra o próprio Japão. E depois de Johnson e Amsden, muitos outros pesquisadores e especialistas encontraram as mesmas características no desenvolvimento acelerado de Taiwan e Singapura e, de forma ainda mais gritante, no desenvolvimento da China e do Vietnã. O próprio Johnson identificou no nacionalismo camponês e revolucionário chinês, do início do século XX, a grande fonte originária da “energia desenvolvimentista” da China contemporânea.

Apressando o argumento, é possível extrair pelos menos quatro conclusões desta vasta literatura sobre o crescimento asiático:

i) a maioria dos estados nacionais asiáticos se constituiu na segunda metade do século XX, depois do fim do colonialismo europeu. Mas quase todos os novos estados mantiveram suas fronteiras tradicionais e civilizatórias, e sua relação milenar, dando origem, desde o início, a um sistema inter-estatal regional altamente competitivo.

ii) em clave europeia, a estratégia econômica destes países asiáticos esteve sempre mais próxima do mercantilismo de William Petty do que da economia política de Smith ou Marx; e muito mais próxima do nacionalismo econômico do alemão Friedrich List, do que do liberalismo heterodoxo do inglês John Keynes. Sua primeira prioridade foi sempre a construção do estado e a defesa da unidade territorial da sua sociedade e da sua civilização.

iii) não há nenhuma instituição ou política que explique isoladamente o sucesso do crescimento asiático, e que possa ser transplantada para países que tenham se constituído ou estejam fora de sistemas de poder altamente competitivos. A simples condição de latecomer ou de “capitalismo tardio” não explica nada, nem é capaz de gerar um projeto e uma estratégia de alto crescimento.

vi) por fim, os asiáticos nunca se referiram a si mesmos como “desenvolvimentistas”, e sua estratégia econômica não tem nada a ver com o chamado “desenvolvimentismo latino-americano”. Sua política industrial, comercial e macro-econômica sempre esteve a serviço de sua “grande estratégia” social e nacional, e da sua luta pela conquista ou reconquista de uma posição internacional autônoma e preeminente. Os asiáticos têm plena consciência de que a política econômica entregue a si mesma é cega e incapaz de gerar seus próprios objetivos. E muito menos ainda, de definir os objetivos de uma sociedade e de uma nação.

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