O texto abaixo foi publicado na Folha de Maringá, portal de notícias no qual assino uma coluna sobre política, direito e sociedade.
Luiz Antonio Paolicchi, ao cento, em reunião do Executivo maringaense. Fonte: Flicker Mosaico
Onde os fracos não têm
vez: a lenda de Paolicchi
Estive em Maringá neste último final de semana
do mês de outubro. Obviamente, o assunto das mesas de bar da cidade (pelo menos
das que frequentei) foi um só: a morte de Luiz Antonio Paolicchi, Secretário da
Fazenda do município durante a gestão de Jairo Gianoto (1997-2000), condenado
criminalmente pelo desvio de verbas públicas que, em valores atualizados,
totalizam 500
milhões de reais.
Paolicchi, que havia cumprido cinco anos de
prisão, foi encontrado no porta-malas de um carro popular após ser executado
com quatro tiros na noite de quinta. No dia seguinte, os maringaenses debateram,
empolgados, as hipóteses motivacionais de sua morte: (i) execução por dívidas,
(ii) crime passional ou (iii) queima de arquivos. A especulação foi grande. Mas
o fato curioso é que ninguém parecia surpreso com o brutal assassinato. Aparentemente,
todos sabiam que o ex-membro do Executivo acumulava enormes dívidas com
inúmeras pessoas.
“Morte clássica de um gangster”, comentou o
músico Michel Gomes. A foto do cadáver de Paolicchi - com a face desfigurada,
dentes quebrados e o rosto baleado – chegou a circular em alguns veículos de
comunicação locais, como blogs e jornais. Um deles, o “O Estado do Paraná”,
publicou uma matéria que anunciava a trágica morte do “chefão
da corrupção”.
Mas espera lá. Chefão? Não há dúvidas de que o
extravagante Secretário da Fazenda era o mentor de muitos desvios de verbas
públicas, mas será que o contador não era apenas o operador técnico de um
esquema de corrupção que servia a outras pessoas e outros fins? Onde foi parar
todo o dinheiro desviado dos cofres públicos pela famosa dupla
Paolicchi-Gianoto? Nas festas, carros e roupas importadas de um consumista
desenfreado?
A
reportagem de André Simões sobre a vida de Paolicchi, um simplório rapaz de
Moreira Sales (registrado como Aparecido Antonio Pauliqui), filho de pai
lavrador e mãe doméstica, diz muita coisa. Aluno dedicado, após ascender como
contabilista, o jovem contador mudou de nome, assumiu a homossexualidade e
ingressou na vida política como assessor técnico. Após ganhar fama entre os
políticos do noroeste do Paraná, tornou-se braço direito do ex-prefeito Jairo
Gianoto - na época, ligado ao PSDB.
No final da década de 90, Paolicchi se
transformou numa lenda urbana. Ao mesmo tempo em que dava festas homéricas (regadas
a bebidas importadas, drogas e sexo), coordenou um esquema de corrupção que o
enriqueceu abruptamente. No ápice da atividade criminosa,
chegou a ter nove fazendas, dez apartamentos, quinze carros, dois aviões, um
helicóptero e uma empresa de água mineral. Alguns anos depois da farra, teve os
bens congelados pelo Judiciário.
O esquema ruiu há onze anos, em outubro de 2000,
após investigações do Ministério Público. Segundo o jornalista Osvaldo
Bertolino, Paolicchi confessou que “o dinheiro da prefeitura foi usado para
pagar campanhas de Jaime Lerner e Álvaro Dias”. Não foi então difícil perceber
que Paolicchi não era a “mente” do grupo, apesar de ser o “rosto” do mesmo. Em
2002, alegou que apenas “cumpria
ordens” de Gianoto e que o prefeito era o mentor das práticas ilícitas.
Paolicchi foi preso. Gianoto mudou-se para outro Estado e respondeu em
liberdade. O ex-Secretário passou então a alegar que estava sendo vítima de uma
injustiça e que os verdadeiros culpados estavam soltos.
O que sabia Luiz Antonio Paolicchi? Seria sua
morte uma queima de arquivos? Talvez não. Alguns amigos advogados me alertaram
que Paolicchi, de fato, devia muito dinheiro e que isso é o suficiente para
irritar muita gente perigosa. Entretanto, a mídia não pode cometer o erro de
acusar somente Paolicchi pelo mais sujo esquema de corrupção da história de
Maringá, uma marca irremovível na memória política da cidade. “Não esqueçamos
que ele tinha sócios. A corrupção não morre”, alertou Gilson Aguiar, âncora da
CBN Maringá.
Há muito mais por trás da história oficial que
foi contada sobre o período sombrio de 1997 a 2000. Paolicchi foi apenas o
símbolo da imoralidade pública, da instabilidade emocional e do desejo
irresponsável de poder. A mensagem de sua morte, de que o “crime não compensa”,
tem efeito limitado. Como escreveu um internauta, “toda laranja, uma hora ou
outra, sempre acaba espremida”. Mas será que o esquema de corrupção não
compensou para outros mais poderosos?
A tarefa é identificar as outras frutas podres
que se beneficiaram ilegalmente deste repulsivo esquema de desvio de dinheiro
público. O combate à corrupção deve ser tarefa incansável até que personagens
como Paolicchi sejam apenas lendas de um passado arcaico e mafioso na história
de Maringá.
O pior de tudo foi ver pessoas comemorando a morte.
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