"Foto: Samuel Kassapian Jr."
O movimento SlutWalk é um fenômeno de vanguarda das grandes cidades de cultura ocidental. Tudo começou em janeiro de 2011 em Toronto, num fórum de discussões sobre segurança pública promovido num campus universitário, quando um policial (provido com a típica mentalidade masculina rasteira que permeia o senso o comum) afirmou que as mulheres deveriam parar de se vestir como vadias para não serem vitimizadas com violência sexual. O sentimento de indignação gerado após o comentário foi expressado numa pergunta fundamental: "quer dizer que as mulheres são responsáveis pelos estupros que sofrem?". O fato de o policial ter utilizado o termo slut provocou maior ira entre as mulheres presentes na discussão. Em resposta, surgiu um movimento em rede organizado contra a opressão de gênero e o poder simbólico masculino exercido em todas as esferas sobre as mulheres. O mote foi declarado no Facebook: "were tired of being oppressed by slut-shaming; of being judged by our sexuality. We are taking the word slut back".
Em razão do sentimento de mal-estar generalizado compartilhado por meninas-moças de diversas metrópoles, o protesto canadense repetiu-se em Dallas, Londres, Boston, Glasgow, Nova Déli, Cidade do México e Seul ao longo do primeiro semestre de 2011.
No Brasil, o protesto ganhou o nome de Marcha das Vadias, respeitando o contexto de surgimento do movimento (o episódio em Toronto) - ao invés de "marcha das mulheres livres", por exemplo -, ocorrendo nas cidades de Rio de Janeiro e São Paulo. O evento ganhou ainda maior repercussão após uma piada infeliz do comediante Rafinha Bastos (o homem mais influente do Twitter?), que afirmou em um de seus stand up shows que "toda mulher que reclama que foi estuprada é feia, e que o homem que cometeu o ato merecia um abraço, e não cadeia". Na ocasião da marcha em São Paulo, o Comedians - bar que fica em frente ao prédio onde moro, de propriedade de Bastos - foi pichado e serviu de ponto de concentração final do protesto feminino.
O slutwalk brasileiro escancarou o sentimento de opressão patriarcal projetado a todo momento sobre as mulheres. Nina Lemos, escrevendo para a Revista TPM, explicou os propósitos da marcha: "A passeata é na verdade um grito contra o conceito de 'mulher estuprável'. Não, isso não existe! É errado a sociedade dizer 'cuidado para não ser estuprada' em vez de 'não estupre'. Somos livres para usarmos o que quisermos e, principalmente, somos livres de qualquer culpa desse ato". O desabafo de Nina é completamento fundado. Para grande parte da população brasileira, a maioria das mulheres que é violentada sexualmente tem culpa por "provocar o estuprador" ou "agir como puta". Isso deve ter um basta.
Esse tipo de pensamento (que culpa as mulheres pelas violências que sofrem) ainda domina a razão humana global. Prova disso é que em países considerados desenvolvidos ainda há essa forma machista e opressora de pensar a questão da violência sexual. Ontem foi a vez de Berlim de ouvir os clamores do movimento feminista. Eis a tradução do manifesto do Slutwalk Berlin publicado nas redes sociais: "O que começou em Toronto no início deste ano está se tornando um movimento emancipatório global. Seja nas relações pessoais ou no comércio sexual, as pessoas estão tomando as ruas em apoio ao seus direitos de livre-expressão com relação aos seus corpos, gêneros, sexualidade e desejo. Estamos cansadas de viver num sistema que ignora a agressão sexual, a violência e o assédio. Uma sociedade que não apenas legitima tais atos de violência, mas também culpa suas vítimas por provocá-los".
A luta das "vadias" é longa e árdua. É preciso transformar o senso comum, embevecido por uma arcaica visão masculina de mundo, e transformar instituições que permanentemente moldam o comportamento humano. Não bastam leis, como a 11.340, conhecida como "Lei Maria da Penha". É certo que a mudança legislativa contra a violência sexual traz inúmeros avanços - seria absurdo, por exemplo, conceber a violência contra a mulher como um "crime de menor potencial ofensivo", tal como o ato era classificado na dogmática penalista antes da promulgação da referida lei -, mas é necessário pensar em estratégias para modificar, a curto e a longo prazo, a visão da sociedade sobre quem é o verdadeiro responsável pelo inadmissível ato do estupro.
O monopólio masculino sobre as instituições foi questionado na década de setenta com o surgimento do movimento feminista. Entretanto, quarenta anos depois, ainda há fortes vestígios da tradicional visão puritana que traça uma dicotomia radical entre "mulher de bem" e "puta". Quando essa distinção míope será superada?
Ainda falta muito para que as mulheres sejam reconhecidas como plenamente humanas (tal como constatado por Catharine MacKinnon). Até lá, será necessário chamar a atenção de todos para um problema histórico grave que precisa ser superado se, de fato, nós desejamos igualdade.
O slutwalk brasileiro escancarou o sentimento de opressão patriarcal projetado a todo momento sobre as mulheres. Nina Lemos, escrevendo para a Revista TPM, explicou os propósitos da marcha: "A passeata é na verdade um grito contra o conceito de 'mulher estuprável'. Não, isso não existe! É errado a sociedade dizer 'cuidado para não ser estuprada' em vez de 'não estupre'. Somos livres para usarmos o que quisermos e, principalmente, somos livres de qualquer culpa desse ato". O desabafo de Nina é completamento fundado. Para grande parte da população brasileira, a maioria das mulheres que é violentada sexualmente tem culpa por "provocar o estuprador" ou "agir como puta". Isso deve ter um basta.
Esse tipo de pensamento (que culpa as mulheres pelas violências que sofrem) ainda domina a razão humana global. Prova disso é que em países considerados desenvolvidos ainda há essa forma machista e opressora de pensar a questão da violência sexual. Ontem foi a vez de Berlim de ouvir os clamores do movimento feminista. Eis a tradução do manifesto do Slutwalk Berlin publicado nas redes sociais: "O que começou em Toronto no início deste ano está se tornando um movimento emancipatório global. Seja nas relações pessoais ou no comércio sexual, as pessoas estão tomando as ruas em apoio ao seus direitos de livre-expressão com relação aos seus corpos, gêneros, sexualidade e desejo. Estamos cansadas de viver num sistema que ignora a agressão sexual, a violência e o assédio. Uma sociedade que não apenas legitima tais atos de violência, mas também culpa suas vítimas por provocá-los".
A luta das "vadias" é longa e árdua. É preciso transformar o senso comum, embevecido por uma arcaica visão masculina de mundo, e transformar instituições que permanentemente moldam o comportamento humano. Não bastam leis, como a 11.340, conhecida como "Lei Maria da Penha". É certo que a mudança legislativa contra a violência sexual traz inúmeros avanços - seria absurdo, por exemplo, conceber a violência contra a mulher como um "crime de menor potencial ofensivo", tal como o ato era classificado na dogmática penalista antes da promulgação da referida lei -, mas é necessário pensar em estratégias para modificar, a curto e a longo prazo, a visão da sociedade sobre quem é o verdadeiro responsável pelo inadmissível ato do estupro.
O monopólio masculino sobre as instituições foi questionado na década de setenta com o surgimento do movimento feminista. Entretanto, quarenta anos depois, ainda há fortes vestígios da tradicional visão puritana que traça uma dicotomia radical entre "mulher de bem" e "puta". Quando essa distinção míope será superada?
Ainda falta muito para que as mulheres sejam reconhecidas como plenamente humanas (tal como constatado por Catharine MacKinnon). Até lá, será necessário chamar a atenção de todos para um problema histórico grave que precisa ser superado se, de fato, nós desejamos igualdade.
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