Ontem foi o Dia Internacional do Consumidor, sabia?
Pois é. E o Código de Defesa do Consumidor brasileiro acaba de completar exatos 20 anos de vigência (pois mesmo sendo a lei 8.078 de 1990, somente no ano seguinte ela passou a ter eficácia).
Ontem participei de um encontro promovido pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo sobre os 20 anos do CDC lá na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Poucas pessoas estavam presentes - o que é uma lástima -, mas o debate foi realizado por pessoas que participaram da construção desse importante projeto social: José Geraldo Brito Filomeno, Marco Antonio Zanellato e Nélson Nery Júnior.
Digo social pois todos consumidores e não há dúvidas que essa lei provocou mudanças enormes em toda a sociedade brasileira. Hoje talvez todo brasileiro já tenha usado a expressão "isso tá errado, é contra a lei do consumidor!". Aliás, os palestrantes insistiram nesse aspecto: a lei "pegou". E pegou por um esforço conjunto de diversos setores da sociedade que se articularam para que fossem promovidos (e realizados) novos direitos.
Alguém poderia imaginar comprar um sapato e, ao utilizá-lo e descobrir que a sola estava mal colada, não poder retorná-lo à loja? Pois é. As coisas eram assim há mais de vinte anos. A lei do consumidor atendeu um anseio declarado na Constituição Federal de 1988: proteger aqueles que se encontravam em situação de vulnerabilidade nas complexas relações comerciais dos dias atuais.
Acima de tudo, como escreveu Kazuo Watanabe, veio a atender os chamados interesses individuais homogêneos, "para os fins de tutela coletiva deles em juízo, através de class action que, embora inspirada no modelo norte-americana, obteve contornos próprios e bem adaptados às peculiaridades e condições geográficas, culturais, sociais e econômicas brasileiras".
Felizmente, a adaptação do modelo norte-americano de proteção ao consumidor ocorreu de forma coerente (sem a falsa ideia de "receita de bolo"). O Brasil aprendeu com seus próprios erros e contou com enormes esforços do Ministério Público para a proteção dos direitos do consumidor.
No mais, a lei continuou a ser modificada. Hoje é possível ver um Código de Defesa do Consumidor disponível em cada estabelecimento comercial - excelente iniciativa legislativa para disseminar o conhecimento dos direitos pela própria população detentora desses direitos (rompendo assim a nefasta manutenção do conhecimento jurídico somente pelos juristas e advogados).
Mas todas essas mudanças não são suficientes para a proteção dos consumidores - vulneráveis por excelência, ainda mais numa sociedade pós-moderna na qual "a vida líquida é uma vida de consumo", nos dizeres de Zygmunt Bauman.
Precisamos de mudanças em três sentidos se queremos levar os direitos do consumidor à sério no século XXI: (i) repensar a relação de consumo na sua modalidade eletrônica (quais são abusos praticados no comércio eletrônico? O que é propaganda abusiva na internet?); (ii) organizar entidades civis honestas para a proteção do direito do consumidor (uma vez que possuem legitimidade para ajuizar ações coletivas); e (iii) implementar políticas públicas para a educação jurídica consumerista, uma vez que todos são consumidores.
Nesse último item, poderíamos pensar em medidas inovadoras, como instituir a disciplina "Noções Gerais de Direito do Consumidor" em toda e qualquer escola - seja pública ou privada - no Brasil, trabalhando alguns conceitos básicos de Direito e, especificamente, Direito do Consumidor, com os adolescentes.
Os ganhos seriam enormes. Seria, acima de tudo, uma mudança cultural.
Mas só atingiremos esse patamar se rompermos com o corporativismo jurídico que impede que o conhecimento jurídico seja disseminado e publicizado.
Até quando vamos admitir que uma pequena parte da sociedade detenha o conhecimento sobre algo que todos nós deveríamos saber? - isto é, os limites normativos de algo que realizamos a todo momento: consumir.
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