Eu não li A Interpretação dos Sonhos (1900) de Freud e não sei se "existe uma técnica psicológica que torna possível interpretar os sonhos", ou mesmo se, realmente, uma vez empregada tal técnica, "todo sonho se revela como uma estrutura psíquica que tem um sentido e pode ser inserida num ponto designável nas atividades mentais da vida de vigília".
Deixo essa tarefa racional-hermenêutica (de aplicar sentido aos sonhos) para os psicólogos, tal como o Shiozaki, entre outros amigos da área.
O que me incomoda, em especial hoje, é essa nossa capacidade de abstração e criação de cenários, sons, línguas, cheiros e sensações nos sonhos. Como fazemos isso?
Esta manhã acordei de um sonho intranqüilo. Estava, não sei como, numa cidade no Oriente Médio. Era um grande centro, como se fosse Islamabad, capital do Paquistão. Não lembro ao certo tudo o que ocorreu. Geralmente quando acordo, só me lembro de recortes, cenas embaralhadas. Raramente tenho um sonho que permaneça integralmente em minha memória, como se fosse um bom filme.
O que me lembro é que de ouvir claramente aquela língua estranha (urdu, algo assim, que desconheço), pois discuti com alguns supostos paquistaneses no sonho. Eu falava inglês (o que é coerente, pois não faria sentido me comunicar em português), mas como explicar todas aquelas construções verbais em língua nativa que eu ouvia? Não sei. Coisas da imaginação. E olha que eu não assisto aquele canal árabe da Net.
Dos recortes que lembro, o que mais me impressiona é o visual dos lugares que estive. Primeiro, num vilarejo, discutindo com alguns habitantes do local (nessa briga, não estava sozinho; o Michel estava junto na prezepada e nós tivemos que sair correndo para não apanhar). Depois, numa suja estação de trem, onde tive que (de alguma forma) conseguir dinheiro para chegar ao meu destino (e não sei qual era a moeda, mas ela tinha um nome específico no meu sonho). Na outra cena, caminhava perdido num bairro de uma grande cidade - e as casas apresentavam uma arquitetura fantástica, as quais nunca presenciei -, sem saber para onde ir e como ser compreendido. E, finalmente, no último lapso de memória, estava correndo num grande centro, com ruas abarrotadas de gente: mulheres vestidas de burca com olhares misteriosos, homens simples e magros tentando vendendo comida na rua (senti o cheiro do tempero oriental), grupos de crianças correndo para lá e para cá (ainda ouço seus gritos), homens mafiosos que me despertavam medo. Tudo muito vivo, real e intenso.
O sonho foi tenso, cheio de conflitos e tentativas de resolvê-los. A última cena que lembro é de encontrar a Priscila e um grupo de brasileiros numa estação central da tal cidade árabe (um local estranho, com diversas poças de água sagrada para as pessoas lavarem os pés antes de entrarem), trazendo-me a sensação de alívio, pois estava perdido com o Michel numa cidade estranha e hostil. Pronto. Daí acordei atrasado e fui correndo fazer uma prova de Direito Internacional Público na UEM.
Bom. Não pretendo interpretar o sonho ou valorá-lo. O alemão Karl Burdach já disse, há muito tempo, que "nos sonhos, a vida cotidiana, com suas dores e seus prazeres, suas alegrias e mágoas, jamais se repete. Pelo contrário, os sonhos têm como objetivo verdadeiro libertar-nos dela. Mesmo quando toda a nossa mente está repleta de algo, quando estamos dilacerados por alguma tristeza profunda, ou quando todo o nosso poder intelectual se acha absorvido por algum problema, o sonho nada mais faz do que entrar em sintonia com nosso estado de espírito e representar a realidade em símbolos".
Pouco importa se Burdach está certo ou não, pois foge ao ponto central desta reflexão.
O que me fascina é essa nossa potencialidade criadora, esse outro mundo que vivemos enquanto dormimos. Como explicá-lo?
Eis a questão.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAgora, você está sonhando ou está acordado???
ResponderExcluir""Ontem sonhei que era uma borboleta. Hoje sou Chuang-Tzu ou uma borboleta sonhando que é Chuang-Tzu?".
o.O
hehe
sério: é incrível mesmo esse sentimento de sentidos tão próximos do real.
um exemplo... muitas vezes quando estou cochilando, num sono não muito pesado, sonho que estou comendo algo. Quase em todas as ocasiões, acordo e me surpreendo abrindo a boca para dar a primeira mordida, e é uma decepção pois não estou comendo de verdade. hahaha
#exemplo_gordinha
O sonho nos traz essas sensações e impressões. É engraçado, porém, que nem todos eles têm essa proximidade com o real, já percebeu?
Não é sempre que nos espantamos assim como você hoje.
Fascinante.
;*
loucura, benino!
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