Hoje pela manhã, na Universidade Estadual de Maringá, tive uma aula interessante de Processo Civil com o Prof. José Miguel Garcia Medina, a quem tenho muita admiração e respeito, abordando alguns temas relevantes sobre o art. 461 do Código de Processo Civil.
Infelizmente, perdi a oportunidade de tecer alguns comentários sobre o tema com o Professor devido à vários fatores: era final de aula, ninguém tinha feito nenhuma intervenção na explicação, o clima estava chuvoso (denso também) e a aula seguia em ritmo acelerado, considerando que estamos muito atrasados com o conteúdo pela gripe suína e outros motivos.
O fato é: a aula encerrou-se e eu fiquei com a sensação de que deveria, de alguma forma, expor alguns pontos obscuros que são dignos de reflexão no direito brasileiro. Como o que tenho a dizer não é grande coisa a ponto de se tornar um artigo científico bem elaborado, optei por simplesmente compartilhar com todos vocês aqui no blog. Tentarei expor de forma simples, a ponto de tornar-se inteligível mesmo para os que não cursam Direito e não tem um contato próximo com a linguagem jurídica e as doutrinas processualistas.
Pois bem. O assunto da aula era execuções de obrigações de fazer e de não fazer e suas recentes reformas, principalmente a de 1994 (através da Lei 8.952 que reformou o Código de Processo Civil), que criou o famigerado art. 461: “Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.”.
Não entrarei no mérito de tal reforma, nem no que tal inovação representou para o Processo Civil. Esses aspectos podem ser bem vistos através deste artigo do Marcelo Lima Guerra.
Medina esclareceu também o §5° de tal artigo, que diz: “para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial”, reforçando que tal inovação legislativa representava o rompimento do paradigma “princípio da tipicidade” da execução, uma vez que o rol ali elencado não é mais taxativo, mas sim exemplificativo.
Meus comentários se aplicam nesta parte da aula.
Antes de tudo, já aviso que não tomarei partido e não me posicionarei a respeito da natureza jurídica da sentença do art. 461, se é condenatória ou mandamental, nem mesmo se a multa do 461 tem caráter punitivo ou coercitivo. Não caminharei pelo fogo cruzado entre José Miguel Garcia Medina e Luiz Guilherme Marinoni, que travaram um debate acadêmico antológico através de diversas publicações (artigos e até livros) sobre este tema. Para os que desconhecem o acirrado debate (deveras agressivo!) doutrinário recomendo a leitura dos artigos “Breves notas sobre a tutela mandamental e o art. 14, inc. V, e parágrafo único do CPC” de MEDINA e “As novas sentenças e os novos poderes do juiz para a prestação da tutela jurisdicional efetiva” de MARINONI. É um posicionamento complexo de se realizar e eu ainda estou analisando bem pra decidir qual mestre seguirei – se é que vou seguir um deles.
A reflexão que me proponho a fazer nesse espinhoso tema é com relação à efetividade da aplicação da multa no art. 461, uma vez considerado o comentário de Medina de que o Réu, na prática, opta por não pagar o valor da multa na sentença que julga procedente a execução pelo fato de poder discutir a aplicação da multa posteriormente em grau recursal. Pondera também o Professor o fato de que a multa é devida somente ao Réu na maioria das vezes que é aplicada, vez que os Juízes quase nunca aplicam a multa do art. 14, parágrafo único, em caso de descumprimento de decisão judicial.
José Miguel também criticou a “commonlawlização” (fenômeno que visa adaptar elementos da common law, sistema jurídico de países como a Inglaterra e os Estados Unidos, entre outros, no Direito Brasileiro) de alguns institutos processuais, alegando que o contempt of court (conduta de desobediência ao processo ou à decisão judicial, civil ou penal, no direito anglo-americano, sendo gravemente punível) não é aplicável de forma plena no Brasil devido às incompatibilidades das influências romano-germânicas presentes em nosso sistema.
Pois bem. Concordo com Medina em quase todos os pontos de sua aula, mas acho prejudicial essa aversão que o Professor tem a tudo que tenha relação com a common law. Creio que o problema da efetividade da aplicação da multa do art. 461 passa por uma assertativa relativamente curta e que talvez seja o maior problema a ser superado no Direito Brasileiro nos próximos anos, ou décadas: reformas legislativas (como novas leis ou mudanças no Código de Processo Civil) não trarão a efetiva prestação jurisdicional, e consequente garantia da justiça, enquanto não se modificar a cultura cívica brasileira de respeito às decisões judiciais.
A verdade não é agradável. O brasileiro não respeita o Poder Judiciário. Pior: os que respeitam são os cidadãos com pouco acesso à informação, amedrontados. Porque os que de fato conhecem o "universo jurídico" (advogados, partes envolvidas em processos) sabem que uma decisão de primeira instância não tem praticamente valor algum, frente ao vasto leque de embargos, apelações, agravos, recursos, etc.
Como bem notou Michele Taruffo, não há prestígio do Poder Judiciário quando existe um “caos jurisprudencial”, ou seja, quando uma decisão de primeiro grau segue determinado posicionamento jurídico numa sentença de uma Vara Cível, sendo reformada num Tribunal de Justiça e depois novamente reformada no Superior Tribunal de Justiça.
A Justiça no Brasil nunca foi Justiça. E desta forma nunca será. Enquanto houver o “culto ao malandro”, a política da influência (advogado amigo de Juiz, que é amigo de Desembargador, que é primo do Ministro), a Lei de Gerson, e a ideologia patrimonialista totalmente individual, não haverá tutela plena dos direitos.
Uma profunda reforma na cultura jurídica deve ser pensada antes de qualquer reforma formal no processo civil brasileiro. A discussão pode parecer pouco técnica, mas a meu ver, a efetividade da aplicação da multa do art. 461 passa por esse viés.
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