Em busca da superação da crise do ensino jurídico


[ por Diogo Rais, Guilherme Klafke e Luiza Corrêa, em colaboração para o e-mancipação ]

Ouvimos falar em crise no ensino jurídico há tempos. O diagnóstico é conhecido de todos que já tiveram contato com os bancos das faculdades: ensino excessivamente formalista, descolado da realidade, alheio às necessidades sociais e locais, incapaz de formar profissionais habilitados para os desafios que enfrentará no mercado e na sociedade. 

A sala de aula deixa de ser o local no qual os alunos obtêm suas informações e se rende à internet, que é capaz de fornecer essas e outras informações que anteriormente seriam “passadas para os alunos” por meio de diversas aulas expositivas, em ambiente fechado e exclusivo. A informação circula livremente na internet, à velocidade e facilidade de um clique, sempre à mão em celulares e tablets. As próprias aulas passam a ser gravadas e disponibilizadas aos alunos, para que possam acessá-las conforme sua própria disponibilidade de tempo e seu interesse.

O ensino de memorização se revela sem sentido hoje em dia, servindo mais para os concursos públicos do que para a prática profissional. As bases que o sustentam já não são mais tão estáveis e perenes, e a própria legislação reflete a oscilação dessa sociedade dinâmica -- quem nunca ouviu alguém falar que tudo o que havia aprendido na faculdade tinha sido “jogado fora” porque o Código X ou a Lei Y havia sido substituído ou revogado?

A mesma atenção dada para a crise do ensino não é dada, porém, para as soluções que podem remediá-la. As poucas discussões que existem atacam aspectos mais abrangentes. Questiona-se, por exemplo, o grande número de cursos jurídicos, como se a proliferação desmedida de faculdades e instituições de ensino fosse a maior responsável pela baixa qualidade da educação jurídica. Em 2013, esse questionamento deu origem a um debate mais amplo sobre um novo marco regulatório para o ensino do direito no país

O problema é que o grande número de cursos não é por si só um fator de redução da qualidade. Ele envolve uma questão mais ampla, em torno dos objetivos da educação superior: o importante é ter instituições de excelência ou instituições capazes de dar uma instrução mínima a seus alunos, mas que deem acesso a um maior número de pessoas? A fiscalização das instituições consideradas de menor qualidade leva em consideração outras contribuições que elas podem estar dando para seus alunos?

Também começam a surgir em vários cursos de direito a preocupação com a grade curricular. Aponta-se a estrutura da grade como um dos fatores de baixa qualidade do ensino. Currículos rígidos, ausência de disciplinas importantes e disciplinas colocadas em momentos pouco apropriados do curso são alguns dos problemas indicados. As soluções passam invariavelmente por um novo arranjo da sequência de curso, geralmente acompanhado por uma maior flexibilização da grade e pelo estímulo às atividades complementares.

Todas essas discussões envolvem uma busca legítima por aumentar a qualidade do ensino jurídico no Brasil. Nessa busca, o lançamento do Prêmio Esdras da FGV DIREITO SP -- um prêmio lançado em outubro de 2014 que procura identificar e divulgar práticas de ensino participativo elaboradas por professores de todo o país -- indica um novo caminho. Além de ser uma homenagem ao professor Esdras Borges Costa, um dos responsáveis pela construção do projeto pedagógico daquela instituição, o prêmio é uma iniciativa inovadora na tentativa de superar a crise de qualidade no ensino jurídico brasileiro.

Não se trata de discutir questões abrangentes, mas de trabalhar com o microcosmo, com o que acontece na sala de aula, e mais, abrir as portas da sala de aula para que o desempenho daquele professor avance disseminando boas práticas no ensino do direito.

A ideia de um prêmio concedido para professores que são autores de dinâmicas de aula que usem métodos participativos de ensino inova ao trabalhar com dois eixos. Primeiro, a própria noção de ensino jurídico participativo. Segundo, a constituição de uma rede de colaboração.

José Garcez Ghirardi, um dos coordenadores do projeto, sustenta em seus cursos na FGV DIREITO SP que numa época de intenso desenvolvimento tecnológico, especialmente na área de comunicações, a sala de aula exige uma ressignificação. Não basta mais ser um local de transmissão de informações, algo que outros meios realizam com muito mais rapidez e menores custos. Ela deve ser um local de aprendizado construído pelos próprios alunos, um espaço no qual eles possam desenvolver habilidades e competências que não serão descartadas com a primeira mudança legislativa. A noção de que o aluno deva participar ativamente do seu processo de aprendizagem, e que o professor seja um intermediário nesse processo, implica numa mudança profunda no ensino jurídico praticado no Brasil.

O segundo eixo que se destaca no projeto é a constituição de uma rede de colaboração. Deve-se abandonar a ideia de que a porta da sala de aula separa o trabalho do professor do mundo ao seu redor. A aula não é uma atividade desenvolvida isolada soberanamente. Assim como o trabalho de pesquisa científica, o trabalho docente é construído coletivamente, por meio da troca de ideias e de experiências. Talvez essa seja a mensagem mais importante do prêmio e um dos rumos mais promissores para a melhora do ensino jurídico. Identificar e divulgar as dinâmicas de ensino utilizadas por professores de todas as regiões do país pode ser um primeiro passo para o compartilhamento das dificuldades que cada um enfrenta no seu microcosmo, e das soluções que buscam para contorná-las.

Acreditamos que as grandes mudanças podem começar aos poucos. O que o Prêmio Esdras se propõe a realizar são essas pequenas transformações. As mudanças no ensino jurídico brasileiro estão acontecendo de forma silenciosa. Basta enxergar.

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