A rede do poder (who runs the world?)

"Sede do Barclays, banco inglês fundado em 1690"

Me desculpem as feministas, mas a Beyoncé está errada. Quem manda no mundo não são as mulheres, mas sim as instituições financeiras. Poucas, aliás. Essa afirmação, que parece relativamente óbvia, foi demonstrada empiricamente pela primeira vez através de um complexo estudo de dimensão global realizado por pesquisadores do Instituto Federal Suíço de Tecnologia (Eidgenössische Technische Hochschule Zürich - ETH Zürich), sob coordenação da jovem doutora italiana Stefania Vitali, e que recebeu  o título de The network of global corporate control (leia o trabalho aqui).

O estudo é inovador (ou melhor, groundbreaking) pois consegue demonstrar empiricamente a inter-dependência de um grupo restrito de instituições financeiras na economia global, algo que jovens de movimentos pós-capitalistas como Occupy Wall Street haviam anunciado em protestos, mas até então sem apoio científico.

No final do mês passado, época em que foi publicado, o artigo que tenta mapear as estruturas de poder da economia global provocou repercussão em diversos meios de comunicação. Matérias sobre a "rede de poder que controla o mundo" foram publicadas na New Scientist, Scientific American, Washington Post, Huffington Post, Russia Today, entre outros.

"Os pontos representam as 1.318 corporações transnacionais que estão no centro da economia. Os pontos vermelhos são as instituições superconectadas"

Após a coleta de dados, os pesquisadores concluem que há uma super-entidade econômica na rede global corporativa ("the top holders within the core can thus be thought of as an economic 'super-entity' in the global network of corporations").

Tal fenômeno pode trazer graves implicações para a (i) estabilidade do sistema financeiro global (visto que há uma interdependência que, em tempos de crise, pode ruir o sistema) e para a (ii) competitividade (o fato de estarem conectados por relações de domínio pode facilitar a formação de blocos, o que travaria a competição do mercado).

Eis a lista dos 20 maiores control holders: 1. Barclays plc, 2. Capital Group Companies Inc, 3. FMR Corporation, 4. AXA, 5. State Street Corporation, 6. JP Morgan Chase & Co, 7. Legal & General Group plc, 8. Vanguard Group Inc, 9. UBS AG, 10. Merrill Lynch & Co Inc, 11. Wellington Management Co LLP, 12. Deutsche Bank AG, 13. Franklin Resources Inc, 14. Credit Suisse Group, 15. Walton Enterprises LLC, 16. Bank of New York Mellon Corp, 17. Natixis, 18. Goldman Sachs Group Inc, 19. T Rowe Price Group Inc, 20. Legg Mason Inc.

Destas corporações, 13 são estadunidenses, 2 são britânicas, 2 são francesas, 2 são chinesas e uma é alemã - o que demonstra o poder da elite dos Estados Unidos no controle das operações financeiras (e legitima ainda mais o mote dos "99%" dos movimentos em rede que se espalham pelo país).

O estudo de Vitali não questiona a concentração de renda, mas sim o grau de profundidade da integração da rede negocial. Trata-se de uma pesquisa pioneira sobre a realidade que, apesar da possível falibilidade de seus métodos, pode não só impulsionar os protestos anti-capitalistas, como pode também auxiliar economistas, juristas e políticos a criarem arranjos institucionais que evitem o risco sistêmico e promovam a competitividade, desatando os nós deste núcleo interdependente identificado pela pesquisa empírica.

O primeiro passo foi dado. A partir do momento em que cientistas de ponta se propõem a compreender a dinâmica das operações financeiras e os efeitos da interdependência das relações de um pequeno grupo dominante, toda a sociedade tem a ganhar. O conhecimento é emancipador.

O segundo passo é aprimorar tal pesquisa e mapear a invisível rede de poder da economia global. A partir deste aporte científico, a luta e o debate na esfera política se tornam mais robustos. Novas políticas formuladas com amplo apoio popular podem ser pensadas para que a crise que o Ocidente vive não volte a ocorrer. Eles são grandes, mas não muitos.

Se a mudança pela via democrática não se concretizar, perpetuando um regime reconhecido como injusto, não há outra forma senão a revolução.

Um comentário:

  1. "Não há outra forma senão a revolução". Há algum tempo, Meszarós tem escrito que o futuro do capitalismo será o socialismo ou a barbárie, uma quebra com o modelo atual ou algo como a 4ª Guerra Mundial de paus e pedras de Einstein.
    Ricardo Antunes tem apontado a Crise Estrutural do capitalismo, fruto dos rearranjos das cadeias produtivas, tanto nas estruturas micro como macroeconômicas, há muitos anos.
    Confesso que tive um espanto quando eu li a respeito deste estudo. De fato, entendo que o capitalismo não esta mais em naquela época de crises constantes, como dizia Marx, mas de um constante estado de crise.
    Ver que 60% de todo o capital MUNDIAL esta nas mãos de 1300 e poucas empresas, e que 40% desta fatia esta nas mão de 147 TNCs, é extremamente preocupante, mas também esclarecedor.
    Penso que estas empresas estão acima de qualquer política pública, de qualquer ação institucional. Elas ditam as regras do jogo, os Estados e as instituições as executam. Você conhece melhor do que eu a influencia do Banco Mundial na reforma do judiciário por aqui...
    A questão é, Zanatta, na minha opinião: será que "a luta e o debate na esfera política" pode gerar "Novas políticas formuladas com amplo apoio popular (...) para que a crise que o Ocidente vive não volte a ocorrer"? Será que pesquisas conseguirão mover, frear, pelos meios institucionais, esta concentração de capitais e poder?
    Pode até parecer um idealismo esquerdista, que anda fora de moda há algum tempo, mas não consigo enxergar outro destino: o sistema, uma hora ou outra, vai quebrar. Quando meia duzia destas empresas cair, vai todo o resto junto. Ai, teremos que optar pelo socialismo (?) ou barbárie. Até lá, fica a luta para tentar desenvolver não o “taxas de crescimento econômico”, não o PIB, o empreendedorismo, não o mero aumento da classe média, pois percebe-se por esta rede de TNCs quem são os verdadeiros beneficiados com tudo isso. Lutemos pelos 99%, na medida do possível, contra o poder e o discurso desse 1%.
    Opiniões a parte, parabéns pelo texto ae Zanatta. Ficou legal mesmo.

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