O que Curitiba pode ensinar ao Brasil: experimentalismo democrático pelas redes sociais

Uma equipe de sete pessoas na Prefeitura de Curitiba está liderando uma pequena revolução no Brasil. A partir das redes sociais -- especialmente o Facebook e o Twitter --, eles estão confrontando a velha tradição formalista de comunicação institucional dos poderes públicos. 

Com muito humor e inovação, a assessoria de comunicação social da Prefeitura de Curitiba está provando que o aprofundamento da experiência democrática no Brasil envolve a simplificação da linguagem e a aproximação da população curitibana com as questões de ordem pública. Mesmo em questões complexas e técnicas, como a regulamentação dos táxis ou a definição de políticas ambientais de reciclagem, a Prefeitura aposta na atração do debate público via memes e montagens engraçadas

Além disso, estão mostrando que a comunicação institucional pode ser mais simples e eficiente do que o modelo do século passado. Ao invés de documentos formais e ofícios, é possível estabelecer o diálogo com outras Prefeituras pelas plataformas sociais. A partir de um "meme de política pública", é possível comparar resultados e experiências de outras políticas, elaboradas por outras Prefeituras no Brasil.

Um meme de política pública: um debate aberto sobre meio ambiente
Nessa quinta-feira (03/07), a equipe de comunicação social da "Prefs" (como é chamada pelos curitibanos nas redes sociais) resolveu iniciar mais um experimento bem-humorado no Facebook. A partir de um dos símbolos do Paraná -- a Capivara --, eles publicaram um "meme de política pública" para discutir políticas ambientais em nível municipal. A proposta era simplesmente "trocar uma ideia" sobre meio ambiente em parceria com outras Prefeituras, de diversas regiões do Brasil, presentes nas redes sociais.

Além da hilária foto da Capivara "estudando soluções para o meio ambiente", os funcionários da Prefeitura puxaram a pauta do debate: "E aí, Prefeitura do Natal, Prefeitura Guarujá, Prefeitura de Manaus, Prefeitura de Feliz, Prefeitura de Betim, Prefeitura do Rio de Janeiro, Prefeitura de Blumenau, Prefeitura de Santos e demais Prefeituras, o que vocês estão fazendo nessa área?".


A Prefeitura de Manaus logo se manifestou, destacando as políticas criadas na cidade para proteção ambiental. A resposta foi bem-humorada, clara e repleta de informações disponíveis na internet. A ideia é de simular uma conversa entre amigos -- lembrando, em alguns momentos, a lógica de comunicação do TeleCurso 2000.

"Olá amigos de Curitiba!  Muito bacana essa iniciativa de interação de vocês, ainda mais para falar de um assunto tão importante para a humanidade. Para nós esse assunto é tratado com muito carinho e cuidado. Afinal, estamos no coração da Amazônia, o que nos dá uma responsabilidade ainda maior. Mas vamos falar das ações? Prefs, atualmente, plantamos cerca de 1,7 mil mudas no entorno da Arena da Amazônia (http://bit.ly/1pMd8bC). Só na Djalma Batista, uma das principais avenidas da cidade, foram 400 pés de ipê-branco e pau-pretinho nas calçadas e meio-fio da avenida (http://bit.ly/1qTRT4T). As ações não param por aí prefs. No dia 27 lançamos uma nova ferramenta para comunicação de denúncias de infrações ambientais. Além da "Linha Verde", que atende pelo telefone 0800-092-2000, funcionando de segunda à sexta-feira, no horário comercial, a população agora pode contar com o link ‘Faça Aqui a Sua Denúncia’, disponibilizado no site da nossa Secretaria de Meio Ambiente (http://www.semmas.manaus.am.gov.br). Outra coisa boa, prefs, é que no dia 22 do último mês, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) esteve conosco para conferir in loco o projeto “Coleta Seletiva Solidária”, uma ação que temos a honra de dividir com 15 associações de reciclagem da cidade. São plásticos, garrafas pet, latinhas e papelões que deixam de ir para o Aterro Municipal de Manaus e são destinados e reutilizados de maneira sustentável. O pessoal do MMA elogiou bastante esse projeto que ajuda as associações. Só na Copa, no período em que a cidade recebeu os jogos do Mundial, foram retiradas aproximadamente 12 toneladas de resíduos sólidos, não é bacana?. Estamos fazendo muito e temos a consciência de que podemos fazer muito mais! Fiquem a vontade para navegar pelo nosso site (http://manaus.am.gov.br) e conferir as matérias que competem ao tema.". 

Com as "curtidas" dos curitibanos, a publicação tornou-se viral e começou a atrair mais pessoas. Algumas horas depois da publicação, uma pessoa comentou: "Tenho certeza que a Prefeitura de Vila Velha, Prefeitura de Vitória, Prefeitura da Serra e Prefeitura de Cariacica tem bons exemplos pra mostrar". Horas depois, o pessoal de Cariacica -- "marcado" por um dos cidadãos do Espírito Santo -- respondeu:

Bom dia, Prefs! Cariacica recicla oito toneladas de resíduos por mês. Mas a prefeitura tem desenvolvido projetos para aumentar essa marca. A Secretaria de Meio Ambiente tem apoiado as duas associações de catadores de Cariacica, oferecendo capacitação e incentivo aos trabalhadores. Um investimento de R$ 480 mil está sendo realizado na Associação Beneficente dos Catadores de Material Reciclável (Acamarp) para a ampliação do galpão, compra de novos caminhões, balança, mesa separadora e prensa. Tudo isso para que a produtividade dos trabalhadores possa crescer, diminuindo os impactos ao meio ambiente. E tem mais! Cinco bairros de nossa cidade já contam com Pontos de Entrega Voluntária (PEVs), com recipientes localizados em pontos estratégicos para recolher o lixo seco. Outros 30 PEVs serão instalados em mais cinco regiões do município  Já nas escolas, está sendo implementado o projeto Coleta Seletiva, que visitará 50 unidades de ensino, distribuindo bags, treinando funcionários e instalando estruturas que permitam aos alunos também separar o próprio lixo. A coleta seletiva foi ampliada na cidade no mês de junho. Agora, os moradores de Campo Grande também podem contribuir com a sustentabilidade e a preservação do planeta, separando lixo seco do úmido e depositando o que pode ser reciclado em dois Ecopostos. Ah! E o Parque Municipal Natural do Monte Mochuara está em processo de demarcação. O primeiro parque natural de Cariacica ocupará 1,52% da área total do município. Com 436,18 hectares de extensão e 9,390 quilômetros de perímetro, o espaço ambiental deve estar em funcionamento até 2016. O local será dotado de equipamentos, como sede, museu, trilhas e auditório, para permitir a visitação de escolas, de pesquisadores e do público em geral.

Além de Cariacica, dezenas de outras Prefeituras entraram no debate e "pediram a palavra" -- como fez Gramado -- para explicar quais experiências foram criadas de forma bem sucedida na cidade. Tudo isso aos olhos públicos e com enorme interação das pessoas. Cada explicação foi seguida de dezenas de "curtir" dos seguidores das Prefeituras.

Diálogo institucional informal e aprendizado em políticas públicas
A ideia central desse tipo de diálogo é a facilitação do aprendizado institucional via comparação de políticas e resultados. Mesmo que sem um método previamente definido ou sistemática rigorosa, o aspecto mais valoroso desse diálogo é sua abertura e facilidade de compreensão. Trata-se do oposto à tecnocracia e à "república dos notáveis". É uma perspectiva de democracia que inclui todo o interessado no debate público.

Um efeito inovador dessa experiência de Curitiba foi o debate informal entre as Prefeituras e o aprendizado sobre políticas feito através do diálogo. Um dos exemplos é a discussão entre os funcionários de Curitiba e Campinas sobre a coleta de lixo mecanizada na cidade. O diálogo teve início após a resposta da Campinas sobre as políticas ambientais da cidade:

Antes de tudo, queremos parabenizá-los pela iniciativa e agradecer pela oportunidade de poder compartilhar nosso trabalho e de conhecer um pouco sobre as ações de outras prefeituras. Em Campinas, a questão ambiental é prioritária. Temos uma pasta exclusiva para tratar do assunto, a Secretaria Municipal do Verde e Desenvolvimento Sustentável. São diversas ações desenvolvidas em parceria com outros setores da administração pública, porém, aqui, destacamos três delas: 1-) Somos pioneiros na América Latina no reaproveitamento da água. Nossa companhia da saneamento, a Sanasa, acaba de implantar sua primeira Estação Produtora de Água de Reuso (EPAR) com tecnologia de purificação das mais modernas do mundo. A membrana filtrante adotada possibilita a remoção de vírus, bactérias, sólidos e nutrientes, deixando a água com 99% de pureza. O nosso Corpo de Bombeiros será a primeira corporação do Brasil a utilizar água de reuso para atender ocorrências de incêndio. Outra finalidade da água de reúso, é o abastecimento para atividades industriais, economizando assim, água tratada e potável para consumo humano. 2-) Campinas foi eleita pelo Conselho Estadual de Meio Ambiente (Consema) como um dos quatro municípios do Estado de São Paulo aptos a licenciar atividades e empreendimentos de alto, médio e baixo impacto ambiental local. A deliberação do órgão, de nº 01/2014, foi publicada no Diário Oficial do Estado de 12 de junho de 2014, Poder Executivo. Com a decisão, a cidade passa a licenciar 160 itens específicos. 3-) Começamos neste ano a substituir o modelo de coleta de lixo comum, feito de porta em porta, pelo sistema mecanizado. O projeto-piloto está em curso na Cidade Universitária, no distrito de Barão Geraldo e, em breve, será expandido para o distrito de Sousas e o bairro Cambuí.

Na sequência, os curitibanos perguntaram: "Prefeitura de Campinas, que legal uma secretaria chamada Secretaria do Verde! Como é essa coleta mecanizada?". Em menos de uma hora, veio a resposta de Campinas:

O lixo doméstico é depositado pelos moradores em contêineres dispostos nas ruas. Então, o sistema funciona assim: o caminhão da coleta para próximo ao contêiner e um coletor acopla manualmente o contêiner aos braços mecânicos do caminhão e o suspende. O lixo é despejado no compactador e o contêiner é recolocado em sua posição inicial. A conteinerização tem o objetivo de fazer com que o lixo orgânico não fique mais colocado na calçada, em sacos plásticos, exposto à chuva e aos animais, que se espalhe e suje as ruas, causando entupimento de bueiros, além de minimizar o mau cheiro e a proliferação de insetos. Paralelamente, a região beneficiada recebe visitas periódicas de caminhões da coleta seletiva. Portanto, só vai para o contêiner resíduo orgânico. Materiais recicláveis são coletados separadamente em dias alternados.


De forma bem humorada, os curitibanos agradeceram a resposta e explicaram que estão lançando uma campanha sobre reciclagem na cidade (imagem acima).

Democracia bem-humorada e o "carinho institucional"
Um outro aspecto que chama atenção é a "linguagem carinhosa", típica da juventude que usa o Facebook, utilizada pela Prefeitura. Repare, por exemplo, no diálogo entre Gramado e Curitiba a partir da resposta, com a fotografia da "campanha bonitona de coleta de lixo".

Prefeitura Municipal de Gramado: Criamos uma campanha de coleta de lixo toda bonitona, tornando lúdicos os materiais que seriam considerados “lixo” antes. Essa campanha mostra crianças brincando com objetos que seriam descartados, buscando usar uma linguagem de fácil compreensão pras pessoas e mostrar que quando se usa a criatividade e se respeita o meio ambiente tudo pode ser feito. Além disso, investimos uma grana alta na compra de novos equipamentos pra coleta seletiva e orgânica, além de modernizarmos toda a nossa central de recolhimento de resíduos. Outra coisa bacana, é que estamos engajados na educação ambiental nas escolas. Por exemplo, nosso maior evento, o Natal Luz cria boa parte de sua decoração de rua com garrafas pet que são recolhidas pelas crianças das escolas da cidade. Essas foram formas que encontramos de preservar e acima de tudo, respeitar o meio ambiente. Tem mais coisa, mas como é nossa primeira visita, não queremos ser os chatos. PS: olha que lindinha a foto.


Além do humor, os funcionários de comunicação social dessas Prefeituras notaram que a linguagem carinhosa -- com os corações e as palavras meigas -- é apreciada pelos usuários das redes sociais. Assim, a comunicação institucional é feita de forma "carinhosa". É esse fenômeno que estou chamando de carinho institucional, na falta de uma expressão melhor.

O uso das redes sociais pelos poderes públicos: lições de Curitiba
Em um dia, o "meme de política pública" de Curitiba teve mais de 6.000 curtidas e 400 compartilhamentos. Pode parecer pouco, mas já é algo de enorme impacto quando se considera que essa é uma comunicação institucional de uma Prefeitura e que a distância do cidadão brasileiro com o Poder Executivo é enorme.

A experiência de Curitiba merece ser mais estudada e discutida. Obviamente, há potenciais problemas regulatórios nessa estratégia de comunicação (quem controla o que a Prefeitura escreve? como evitar a cooptação desses agentes por empresas privadas? como evitar a propagando partidária na comunicação institucional? qual a consequência de uma ofensa?). Entretanto, esse é um rico caso de experimentalismo democrático que pode aproximar o brasileiro do debate sobre políticas públicas e redefinir a relação que nós (cidadãos) temos com o Poder Público.

Além disso, é uma prova de que a administração pública tem capacidade de inovação, desde que não haja bloqueios rígidos para a tomada de decisão por parte do servidor público. Nesse sentido, a gestão do prefeito de Curitiba é meritosa por não impedir essa experiência por argumentos legalistas e permitir o trabalho criativo de sete pessoas dedicadas à comunicação social. 

A administração pública precisa de mais flexibilidade, espaço para inovação e comparação de políticas públicas. Curitiba tem mostrado que o humor pode ser um aliado da democracia, facilitando a aproximação das pessoas com suas Prefeituras. Se compartilhamos fotos e notícias, por que não podemos compartilhar projetos de lei e planos diretores de nossas cidades?

Os tecnocratas dirão que essa discussão de políticas públicas é de baixo nível e superficial, pois é feita fora dos espaços institucionalizados de formulação de políticas, no qual uma pequena elite de formação universitária e boa relação política tem acesso. Esse tipo de pensamento aristocrático desmerece o potencial de autoeducação de pessoas curiosas -- que existem em todo o Brasil -- e nossa própria capacidade de aprofundar a experiência democrática brasileira.

Se a participação social e a democratização dos poderes são valores, precisamos levar essa discussão a sério. Mesmo que com memes e Capivaras hilárias como a de Curitiba.

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