Em um debate organizado em outubro de 2013 no Social Media Week SP sobre a "nova Guerra Fria" e o "caso Snowden", defendi -- em nome do Núcleo de Direito, Internet e Sociedade da USP -- um argumento bastante preliminar (e questionável) sobre a dimensão política da internet: diante do "Estado de vigilância" (surveillance state) contemporâneo, os indivíduos têm, basicamente, duas estratégias de ação: uma overground, baseada na organização e ação política para a regulação global da internet e definição de princípios para uso de dados e garantia de liberdades individuais; e outra underground, baseada na criptografia, no uso de tecnologias para anonimato e no fortalecimento da deep web.
As duas estratégias parecem estar jogo para proteger os direitos e liberdades dos usuários da rede mundial. Por um lado, parte da sociedade civil e da diplomacia governamental tem se mobilizado para modificar o modelo de governança da internet, predominantemente pautado na regulação de órgãos privados (como a ICANN), supervisionados pelos EUA. São muitas as tentativas de construção de um sistema de governança multissetorial -- governos, empresas, sociedade civil, comunidade técnica, academia e usuários -- desde a Agenda de Tunís (World Summit on the Information Society, 2005). A realização do NETmundial, organizado pelo Comitê Gestor da Internet e a 1net em São Paulo, é mais uma tentativa de definição de princípios e diretrizes normativas (soft law) para uso da internet no mundo todo. É a tentativa de governos de diferentes países de romper com a autorregulação supervisionada dos EUA.
Por outro lado, na perspectiva de estratégias políticas underground, tem crescido o uso de redes anônimas (deep web) e ferramentas de criptografia para sigilo das comunicações. Projetos como o The Onion Router (TOR) se consolidaram nos últimos dez anos, garantindo o anonimato por conexões em camadas, que inibem a identificação de protocolos de internet. Iniciativas como a Strongbox do The New Yorker, acessível somente através da rede Tor, permitem a produção de matérias jornalísticas de forma anônima, sem identificação de quem enviou os dados para o veículo de publicação. Ferramentas como essas permitiram que Edward Snowden denunciasse a Glenn Greenwald os esquemas de vigilância da National Security Agency (NSA/EUA). Os debates democráticos dependem de informações.
O anonimato e a criptografia chegaram também aos núcleos de pesquisa de algumas instituições de ensino. Estudos de caso sobre redes anônimas estão na pauta do Núcleo de Direito, Internet e Sociedade da Universidade de São Paulo (NDIS/FDUSP), que promoveu um evento sobre o assunto em julho de 2013. Para Francisco Brito Cruz, "precisamos perceber o anonimato como uma ferramenta de defesa da nossa privacidade". O anonimato não protege somente criminosos. Não ser identificado pode ser um elemento central nas democracias do século XXI.
Criptografia no centro de São Paulo: por que fortalecer o anonimato e a privacidade?
A realização da Cryptorave 2014 nos dias 11 e 12 de abril é um acontecimento que reforça a ideia de estratégias para defesa das liberdades individuais (anonimato, privacidade e liberdade de expressão). Durante 24 horas, a CryptoRave -- organizado pela Actantes, Escola de Ativismo, Grupo de Trabalho Segurança e Privacidade e ThoughtWorks -- "trará mais de 28 atividades sobre segurança, criptografia, hacking, anonimato, privacidade e liberdade na rede". Trata-se de um inovador encontro no Centro Cultural São Paulo dedicado ao debate sobre a filosofia da criptografia.
Na "Arena" acontecerão dez importantes debates, com ativistas e professores de diferentes áreas: (i) Cyberguerra e militarização da internet, (ii) Snowden, NSA e o fim da privacidade, (iii) As baixas da luta pela liberdade na rede (Aaron Swartz e Manning), (iv) Criptomoedas (Bitcoin e outras), (v) Quebra de filtros da NSA, (vi) Interesse na guarda de logs, (vii) Princípios para governança global da internet, (viii) Segurança, vigilantismo e soberania, (ix) Soluções e limites da criptografia e (x) Jornalismo investigativo e espionagem. Além dos debates, ocorrerão oficinas práticas sobre utilização de criptografia e navegação em redes anônimas (como Tor).
A CryptoRave tenta reverter o quadro distópico imaginado por Julian Assange -- ainda exilado na embaixada do Equador em Londres -- na introdução do livro Cypherpunks, publicado em 2012:
A reversão pode ocorrer pela criptografia, consciência política e programação, tal como pensado pelo matemático Eric Hughes em 1993 (Privacy is necessary for an open society in the electronic age. (...) We cannot expect governments, corporations, or other large, faceless organizations to grant us privacy (...) We must defend our own privacy if we expect to have any. (...) Cypherpunks write code. We know that someone has to write software to defend privacy, and we're going to write it.).
O ideário dos cypherpunks está na raiz da CryptoParty organizada na Austrália em 2012, que deu origem a outras organizações espontâneas do tipo do it yourself (um velho mantra do punk). A proposta da CryptoRave de São Paulo é levar adiante a ideia de Hughes de que a privacidade é necessária para uma sociedade aberta.
É possível disseminar tal visão de mundo e compartilhar conhecimentos sobre proteção à privacidade?
Essa parece ser a grande questão em aberto. Veremos os desdobramentos nos próximos anos.
A CryptoRave é gratuita e as inscrições prévias podem ser feitas no site. O evento conta com o apoio da Bsides, CCSP, iMasters, (ISC)², PoP RNP e Saravá. O credenciamento poderá ser feito com "pseudônimos" -- evitando a contradição de registro em um evento sobre anonimato. Let's go underground?
Na "Arena" acontecerão dez importantes debates, com ativistas e professores de diferentes áreas: (i) Cyberguerra e militarização da internet, (ii) Snowden, NSA e o fim da privacidade, (iii) As baixas da luta pela liberdade na rede (Aaron Swartz e Manning), (iv) Criptomoedas (Bitcoin e outras), (v) Quebra de filtros da NSA, (vi) Interesse na guarda de logs, (vii) Princípios para governança global da internet, (viii) Segurança, vigilantismo e soberania, (ix) Soluções e limites da criptografia e (x) Jornalismo investigativo e espionagem. Além dos debates, ocorrerão oficinas práticas sobre utilização de criptografia e navegação em redes anônimas (como Tor).
A CryptoRave tenta reverter o quadro distópico imaginado por Julian Assange -- ainda exilado na embaixada do Equador em Londres -- na introdução do livro Cypherpunks, publicado em 2012:
A internet, nossa maior ferramente de emancipação, se transformou no maior e jamais visto instrumento de totalitarismo. A internet é uma ameaça à civilização humana. Essas mudanças aconteceram em silêncio porque aqueles que sabem o que está ocorrendo trabalham na indústria global de vigilância e não têm incentivo para falar. Se correr solta, essa trajetória levará a civilização global a se transformar, em alguns anos, em uma distopia pós-moderna da qual será impossível para todos, menos alguns indivíduos muito especializados, escapar. Na real, talvez já estejamos neste ponto.
A reversão pode ocorrer pela criptografia, consciência política e programação, tal como pensado pelo matemático Eric Hughes em 1993 (Privacy is necessary for an open society in the electronic age. (...) We cannot expect governments, corporations, or other large, faceless organizations to grant us privacy (...) We must defend our own privacy if we expect to have any. (...) Cypherpunks write code. We know that someone has to write software to defend privacy, and we're going to write it.).
O ideário dos cypherpunks está na raiz da CryptoParty organizada na Austrália em 2012, que deu origem a outras organizações espontâneas do tipo do it yourself (um velho mantra do punk). A proposta da CryptoRave de São Paulo é levar adiante a ideia de Hughes de que a privacidade é necessária para uma sociedade aberta.
É possível disseminar tal visão de mundo e compartilhar conhecimentos sobre proteção à privacidade?
Essa parece ser a grande questão em aberto. Veremos os desdobramentos nos próximos anos.
A CryptoRave é gratuita e as inscrições prévias podem ser feitas no site. O evento conta com o apoio da Bsides, CCSP, iMasters, (ISC)², PoP RNP e Saravá. O credenciamento poderá ser feito com "pseudônimos" -- evitando a contradição de registro em um evento sobre anonimato. Let's go underground?
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