Música nas escolas


Meu irmão, que é músico, compartilhou uma notícia sobre a obrigatoriedade do ensino da música nas escolas (cf. 'Música será matéria obrigatória nas escolas brasileiras'). A matéria diz que "a partir deste ano, as escolas brasileira vão incluir a música como matéria na grade de ensino de forma obrigatória de acordo com a Lei nº 11.769, de 18 de agosto de 2008". Como bom jurista curioso (e também guitarrista amador), fui analisar a referida lei para conferir o texto normativo que visa aprimorar a educação brasileira.

A lei 11.769/2008 é simplíssima. Na realidade, ela acrescenta um parágrafo a um artigo de uma importante norma, a Lei 9.394/1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (esta sim merece ser lida com cautela!). A alteração se dá no artigo 26, que já sofreu modificações por diversas outras inovações legislativas (Lei 10.328/2001, Lei 10.793/2003, Lei 11.769/2008 e Lei 12.287/2010).

A atual redação do artigo 26 da Lei das Diretrizes Educacionais diz o seguinte: "Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. § 1º Os currículos a que se refere o caput devem abranger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil. § 2º O ensino da arte, especialmente em suas expressões regionais, constituirá componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos. § 3º A educação física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica, sendo sua prática facultativa ao aluno: I – que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a seis horas; II – maior de trinta anos de idade; III – que estiver prestando serviço militar inicial ou que, em situação similar, estiver obrigado à prática da educação física; IV – amparado pelo Decreto-Lei no 1.044, de 21 de outubro de 1969; V – (VETADO); VI – que tenha prole. § 4º O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígena, africana e européia. §5º Na parte diversificada do currículo será incluído, obrigatoriamente, a partir da quinta série, o ensino de pelo menos uma língua estrangeira moderna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar, dentro das possibilidades da instituição. § 6º  A música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular de que trata o § 2º deste artigo" (grifo meu).

Da leitura da norma, fica claro que o ensino de música não será obrigatório para todas as séries, mas passa a ser conteúdo obrigatório de uma disciplina mais ampla: Arte. Como ressalta a revista Educar para Crescer, "a não especificação de alguns pontos da lei permite que em diferentes anos de estudos se tenha diferentes tipos de aula de artes. Tudo depende da proposta político-pedagógica de cada escola". De qualquer forma, trata-se de um avanço importante. A norma pode ser um instrumento de fomento ao ensino da música dentro da disciplina de artes.

Outro ponto fundamental é ter uma noção mais precisa de quem poderá ministrar tais aulas de música. Obviamente, o responsável deve ser um profissional da educação. O art. 61, nesse sentido, diz o seguinte: "Art. 61.  Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são: I – professores habilitados em nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e médio; II – trabalhadores em educação portadores de diploma de pedagogia, com habilitação em administração, planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacional, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas mesmas áreas; III – trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim". No caso específico da música enquanto parte da disciplina de artes, fica claro que as aulas devem ser ministradas por professores especialistas em música, ou seja, que tenham licenciatura. A questão é muito simples: não basta ser músico, é preciso desenvolver habilidades para o ensino; é necessário, enfim, um treinamento em pedagogia. A educação musical é coisa séria.

O desafio pela frente é enorme, visto que as instituições de ensino possuem autonomia para definir o tipo de educação musical que irão implantar de 2012 em diante. Os cursos de graduação em pedagogia, pelo pouco conhecimento de causa que possuo, ainda não oferecem uma formação sólida em educação musical (suponho que seja um campo minoritário de teoria e prática). Ainda, os músicos que possuem licenciatura geralmente detém um amplo conhecimento sobre um determinado instrumento, mas não são treinados nos conservatórios para educar musicalmente com base em métodos sólidos. O Brasil ainda esbarra nesse obstáculo: as universidades de pedagogia e conservatórios musicais ainda não levaram a sério a formação de professores de música. A responsabilidade pela mudança do atual quadro, no entanto, deve ser de todos.

O parecer de Sonia Albano, docente da área, dá o tom do cenário: "nós, profissionais de música, precisamos trabalhar para instituir gradualmente um Ensino Musical de qualidade, com metas pedagógicas precisas e contínuas. Devemos cuidar para que essa nova lei tenha um destino melhor do que as outras".

De qualquer modo, o esforço pela mudança vale a pena. Com uma educação musical conduzida por competentes professores em escolas públicas, o Brasil terá um capital humano muito mais rico, com jovens dotados de novas habilidades e sensibilidades que a música pode potencializar. Como ressaltou Nietzsche num aforismo memorável e atemporal, "sem a música a vida seria um erro".

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