Occupy Wall Street: da lama ao caos?

Há algumas semanas tenho acompanhado pela internet a manifestação Occupy Wall Street, um protesto pequeno em Nova Iorque que tem reunido diariamente dezenas de pessoas no centro financeiro de Manhattan para manifestações contra contra a corrupção, a cobiça e os cortes de orçamento do governo federal americano. Desde o dia 17 de setembro, o protesto era um movimento social pequeno, com um "desempregado preso ali e outro anarquista algemado aqui", mas hoje tornou-se um evento grande com a Occupy Wall Street March, uma espécie de marcha contra o sistema.



O protesto foi pacífico, porém mais de 700 foram presas no que ficou conhecido como The Battle of Brooklin Brigde. Em razão do elevado número de cidadãos que tiveram seu direito de liberdade violado, o protesto repercutiu nos grandes veículos de informação deste nosso magnífico mundo globalizado em crise. Veja, por exemplo, as matérias da British Broadcasting Company ('Hundreds of Occupy Wall Street protesters arrested'), The Guardian ('Occupy Wall Street protest: NYPD accused of heavy-handed tactics  ') e Agence France-Presse ('More than 700 Occupy Wall Street protesters arrested').

Há três dias, um grupo anônimo (por questões de segurança) publicou um documento que é reconhecido como a "Declaração da Ocupação de Nova Iorque", um chamado para que o povo estadunidense ocupe as ruas em protesto contra o declínio do Welfare State e as manobras ardilosas dos atores globais do sistema financeiro que provocaram o crash de 2008 (algo denunciado pelo filme Inside Job, que compartilhei aqui no blog) e que novamente se beneficiam de mais uma potencial e catastrófica crise, cada dia mais próxima (o recado do trader Alessio Rastani, acusado de charlatão, é tão irreal assim?). Eis o conteúdo do manifesto, traduzido pelo Diário da Liberdade do inglês para a última flor do Lácio (nossa língua portuguesa):


"Enquanto nos reunimos em solidariedade para expressar um sentimento de injustiça em massa, não devemos perder de vista o que nos uniu. Nós escrevemos para que todas as pessoas que se sentem injustiçados pelas corporações do mundo saibam que nós somos seus aliados.

Como um só povo, unido, nós reconhecemos a realidade: que o futuro da raça humana requer a cooperação de seus membros; que o nosso sistema deve proteger os nossos direitos, e frente a corrupção desse sistema, cabe aos indivíduos proteger seus próprios direitos, e os de seus vizinhos; que um governo democrático deriva seu poder apenas do povo, mas as empresas não buscam autorização para extrair a riqueza do povo e da Terra, e que nenhuma democracia verdadeira é atingível quando o processo é determinado pelo poder econômico.

Viemos até vocês em um momento em que corporações, que colocam o lucro sobre as pessoas, auto-interesse sobre a justiça, e da opressão sobre a igualdade, lideram nossos governos. Estamos aqui reunidos pacificamente, como é nosso direito, para que estes fatos sejam conhecidos.

Eles tomaram nossas casas através de um processo de execução hipotecária ilegal. Eles usaram dinheiro dos dos contribuintes para salvar as corporações impunemente e continuam a dar a executivos bônus exorbitantes. Eles têm perpetuado a desigualdade e a discriminação no local de trabalho com base na idade, a cor da pele, sexo, identidade de gênero e orientação sexual. Eles envenenaram os alimentos com negligência e comprometeram o sistema de cultivo por meio da monopolização. Eles lucraram com a tortura, o confinamento e o tratamento cruel de inúmeros animais não-humanos, e ativamente escondem essas práticas. Eles continuamente retiram dos funcionários o direito de negociar por melhores salários e condições de trabalho mais seguras. Eles têm mantido alunos reféns com dezenas de milhares de dólares de dívida em educação, que é em si um direito humano. Eles têm terceirizado de forma consistente e usado a terceirização como alavanca para cortar os direitos à saúde e diminuir os salários dos trabalhadores. Eles têm influenciado os tribunais para conseguir os mesmos direitos que as pessoas, sem culpabilidade ou responsabilização. Eles gastaram milhões de dólares em equipes jurídicas que buscam maneiras de tirá-los dos contratos no que diz respeito ao seguro de saúde. Eles venderam a nossa privacidade como uma mercadoria. Eles usaram a força militar e policial para impedir a liberdade de imprensa. Eles têm deliberadamente se recusado a recolher produtos defeituosos que colocam vidas em perigo, em nome da busca pelo lucro. Eles determinam a política econômica, apesar da falhas catastróficas que as suas políticas têm causado e continuam a produzir. Eles doaram grandes somas de dinheiro a políticos que supostamente são responsáveis por regulá-los. Eles continuam a bloquear formas alternativas de energia para nos manter dependentes do petróleo. Eles continuam a bloquear formas genéricas de medicamentos que podem salvara vida das pessoas, a fim de proteger os investimentos que já deram um lucro substancial. Eles têm propositadamente escondido os derramamentos de óleo, acidentes, prestações de contas fraudulentas e ingredientes inativos em nome da busca pelo lucro. Eles propositadamente mantém as pessoas mal informadas e com medo através de seu controle dos meios de comunicação. Eles aceitaram contratos privados passa assassinar prisioneiros, mesmo quando apresentadas sérias dúvidas sobre suas culpas. Eles têm perpetuado o colonialismo nos EUA e no exterior. Eles participaram da tortura e assassinato de civis inocentes no exterior. Eles continuam a criar armas de destruição em massa a fim de receber contratos do governo. 

Aos povos do mundo, Nós, da Assembleia Geral de Nova Iorque ocupando Wall Street em Liberty Square, os exortamos a afirmar o seu poder. 

Exercitem seu direito de se reunir pacificamente, ocupem o espaço público, criem um processo para resolver os problemas que enfrentamos e gerar soluções acessíveis a todos.

A todas as comunidades que agirem e formarem grupos com o espírito da democracia direta, oferecemos apoio, documentação e todos os recursos à nossa disposição.

Junte-se a nós e faça sua voz ser ouvida!"

Inspirador, não? A previsão é que o movimento ganhe força e que no dia 05 de outubro aconteça uma imensa paralisação de Wall Street com mais de um milhão de pessoas nas ruas, incluindo os grandes sindicatos de trabalhadores de Nova Iorque e os "novos indignados" estadunidenses (os anonymous, tal como se proclamam).

Coincidência ou não, a JP Morgan Chase, instituição financeira líder mundial em serviços financeiros (e que participou do Complô dos Empresários contra o New Deal de Franklin Roosevelt em 1933), anunciou em seu website que doou U$ 4,6 milhões para o Departamento de Polícia de Nova Iorque para melhoria de sua estrutura e aquisição de novos equipamentos de monitoração eletrônica ("JPMorgan Chase recently donated an unprecedented $4.6 million to the New York City Police Foundation. The gift was the largest in the history of the foundation and will enable the New York City Police Department to strengthen security in the Big Apple. The money will pay for 1,000 new patrol car laptops, as well as security monitoring software in the NYPD's main data center").

Seria isso o indício de uma antecipação da crise planejada pelas instituições financeiras para fortalecer o aparato repressivo policial? O que acontecerá nos próximos dias? A prisão de quase mil pessoas irá fortalecer o movimento de ocupação de Nova Iorque e, quem sabe, se espalhar para outras cidades estadunidenses? O Occupy Wall Street irá perder força? Há alguma saída política para a crise ou as ocupações somente deflagram o total colapso da falsa democracia estadunidense, a crise de representatividade política (infestada de lobistas e representantes das grandes corporações) e o surreal capitalismo financeiro especulativo desregulamentado?

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