A grande Curitiba que ninguém vê

Entenda o caso das famílias de Piraquara, região metropolitana de Curitiba, que ocuparam um terreno protegido por legislação ambiental e foram despejados (primeiro do terreno, depois do pátio da escola que estavam alocados). Um grande amigo advogado trabalha de forma voluntária para ajudar essas pessoas desamparadas, mas a questão é muito mais complexa do que parece. Não se trata somente de um simples conflito gerado pela ocupação de famílias sem terra, mas sim de ações populares que podem colocar em risco o projeto de reurbanização do Guarituba, onde vivem 55 mil pessoas – 70% sem o título de posse dos terrenos.

Há interesses maiores por trás dessas ações de reintegração de posse e despejo. Interessante refletir sobre quais fins serve o direito e o aparato estatal.



Famílias completam dez dias na rua

Cerca de 15 famílias de Piraquara, na Região Metropolitana de Curitiba, completam hoje dez dias morando na rua. Na sexta-feira 18 de fevereiro, as famílias foram despejadas do abrigo em que se encontravam desde dezembro, um ginásio pertencente à Prefeitura e anexo a uma escola no bairro Guarituba. Participaram da operação de despejo quatro viaturas da Polícia Militar do Paraná, agentes à paisana do serviço de inteligência da corporação (PM-2) e o Secretário do Meio Ambiente de Piraquara, Gilmar Clavisso (PT).

Segundo a Prefeitura, que havia cedido provisoriamente o imóvel aos sem-teto, o Município não tem responsabilidade habitacional pelas famílias. A juíza que decretou a reintegração de posse, Diocélia Mesquita Fávaro, acolheu o argumento, considerando, em audiência, que Piraquara não pode atender aos "filhos de outros municípios".

Em dezembro, as famílias já haviam sido despejadas de terreno localizado às margens da Rodovia Leopoldo Jacomel, em ação que contou com cerca de 1.000 homens da PM-PR. Na ocasião, o Ministério Público do Paraná, representado pelo Promotor Marcelo Luiz Beck, requereu o despejo em ação judicial, alegando que a ocupação do terreno destruiria o meio-ambiente, prejudicando os mananciais da região. Logo após a remoção das famílias, porém, a Prefeitura anunciou a construção de um areial no terreno, empreendimento destinado à extração de areia para construção civil, muito comum na região. 

O Prefeito Gabriel Jorge Samaha, o Gabão (PPS), chegou a estar presente no ginásio em dezembro, prometendo aos moradores que trabalharia por uma solução junto ao Estado e ao Município. O presidente da Companhia de Habitação do Paraná, Nelson Roberto Justus (DEM), empresa responsável pela habitação social no Estado, declarou que, por mais emergencial que seja a situação das famílias, o cadastro da Cohapar deve ser respeitado.

Drama habitacional
O Guarituba é a maior ocupação irregular do sul do Brasil, com cerca de 55 mil habitantes. Desde 2006, o Governo Federal tem implementado, em consórcio com a Prefeitura de Piraquara e a Cohapar, o PAC Guarituba, obra de regularização fundiária que, na primeira etapa, despendeu 98 milhões de reais. As obras previam  saneamento básico, ligações de água e luz, asfaltamento e a construção de 800 casas, destinadas à relocação das famílias que moram dentro da faixa de preservação dos rios.

No entanto, a regularização avança a passos lentos - as casas, com menos de 40 m2 em média, estão em construção há dois anos, as ações de usucapião ainda não ultrapassaram a primeira fase e somente duas ou três ruas foram asfaltadas no Guarituba. No fim de 2010, denúncias de corrupção levaram à criação da CPI dos barracões na Câmara dos Vereadores de Piraquara. Entre os moradores do Guarituba, é forte a suspeita de desvio das verbas do PAC. "Estas ruas foram todas roubadas, é por isso que não foram asfaltadas", relata um líder comunitário local, que preferiu não se identificar.

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