A vida é dura, por Nelson Alexandre

Nelson Alexandre - talvez o melhor escritor de Maringá - ataca novamente, desta vez com um pequeno conto aparentemente autobiográfico.


A vida é dura

Nasci em Maringá, Paraná, e naquele dia o médico que fez o parto estava assistindo um jogo do Grêmio Maringá e teve que sair às pressas do estádio Willie Davis e, por pouco, tanto eu quanto a minha mãe fomos assistir a um bom clássico nos gramados alvos dos domínios do Altíssimo. 

Fui retirado à fórceps e isso deixou algumas marcas no meu crânio. Pequenas imperfeições que só são notadas com o leve toque de algum dedo feminino. Minha primeira namorada não foi nada complacente quando sentiu essas pequenas oscilações em minha cabeça como se fossem crateras lunares. 

_ Que diabo é isso? 

_ O símbolo da minha bravura ao vir a esse mundo. 

O namoro não durou muito. E ela não foi a única. Na escola, eu gostava de jogar futebol, e por Deus, cheguei a pensar que poderia vestir a camisa do Santos F.C., mas a minha trajetória como atleta terminou quando vesti a camisa 12 de goleiro e fiquei horas sentado num banco duro de madeira numa peneirada do Greminho esperando jogar cinco minutos que fosse. Um treinador magro e negro chamado Niltinho foi o meu primeiro carrasco. 

_ Você é muito magro e não tem estatura suficiente para jogar no gol, por que não procura outra coisa para fazer? 

Mas ele não me deixou nem ao menos tentar. O “Aranha Negra” jamais pisou no gramado da Vila Progresso. 

Fiquei mudo como um corpo num necrotério. Depois mandei: 

_ Sinceramente, eu ia perguntar o mesmo. 

A vida era dura, e um dia, quando estava pra completar 16 anos, resolvi sair por aí para procurar emprego. Não consegui nada. Minha mãe, preocupada com o meu futuro, me deu algum dinheiro que havia economizado vendendo algumas muambas oriundas do Paraguai e lá fui eu buscar alguns cigarros e outros badulaques para vender. Meus primeiros clientes foram os trabalhadores de uma fábrica de confecções. 

_ Esses cigarros são falsificados. Um abelhudo afirmou. 

Para não ficar por baixo resolvi acender um dos cigarros e demonstrar o sabor nacional que havia neles. Dei uma tragada e comecei a tossir como um cachorro tuberculoso. Todos riram até se esborracharem e, depois daquilo, dei por encerrada minha profissão de muambeiro. 

O tempo passava, e um dia, sentado numa das cadeiras da biblioteca pública de Maringá, eu simplesmente não sabia o que fazer e perguntei: “Deus, por que você não gosta de mim?” Então, antes de enfiar o rabo entre as pernas e sair da biblioteca, bati os olhos em um livro. Era Trópico de Câncer, de Henry Miller, li uma página, depois outra e outra e, definitivamente, havia encontrado meu irmão gêmeo que morrera no dia do meu nascimento. 

Fiquei meses como um vagabundo indo de casa para a biblioteca e vice e versa. 

Eu não passava de uma piada para todos os moradores do Jardim Liberdade, carregando aquele monte de livros embaixo do sovaco. 

Até que um dia, coloquei as palavras no papel. E todo um mundo fantástico, bem ao contrário da minha pequena existência naquele bairro, desabrochou para mim como uma virgem surreal, parecida com uma mágica reveladora de um mundo novo, e por Deus, eu finalmente descobrira o que eu tinha de ser, mesmo com essas palavras saindo de mim como um parto atrasado que primeiro expõe o coração.

3 comentários:

  1. Caralho.

    Pinto.

    Esse conto é bom, a escrita do cara é boa, a história é muito sincera e não tem nada de demais. simplesmente bom de ler.

    quero ler mais coisas desse cara.

    por um momento pensei que esse fosse um "ghost writer" manipulado pelo Guilherme Tadeu, e se for... ele tá muito bom. Diferente... a "pegada" é outra.

    ganhei o dia, mesmo sendo um perdedor.

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  2. Zanatta, meu brother, que dizer com tamanha gentileza e generosidade vindas de você e do projeto Contos Maringaenses (aquela quadrilha de bebedores de cerveja). "tanque iu".

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  3. Realmente, aquilo é uma quadrilha. Está longe de ser um grupo honesto.

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