Desde quando comecei a utilizar o Facebook, no início de 2008 (na época morando em Londres), tenho analisado a gigantesca proporção que esta rede social ganhou em todo o mundo e imaginado os potenciais efeitos nocivos que podem ser desencadeados por esse tipo de sutil e autorizada invasão de privacidade e controle de informação.
Mês passado, após ler que o criador do website, Mark Zuckerberg, tinha sido eleito "personalidade do ano" do ano pela revista Time - tomando o lugar de Julian Assange como estratégia do governo estadunidense para diminuir os impactos políticos do vazamento dos documentos diplomáticos pelo WikiLeaks -, passei a olhar de forma atenta o que é e o que pode se tornar o (aparentemente) inofensivo "Face".
Primeiro, assisti ao filme The Social Network (2010) para ter uma melhor noção de como surgiu a ideia em Harvard. O filme mostra como um ambicioso rapaz de quase vinte anos de idade criou um website de relacionamentos para acadêmicos capaz de reunir as melhores qualidades do MySpace, Orkut, entre outros, tornando-se um fenômeno de acessos e popularidade em poucos meses. A ideia se espalhou rapidamente e o Facebook passou a incluir membros de Universidades europeias. Na seqüência, abriu seu networking ao grande público e foi aí que o era uma simples moda entre jovens de vinte e poucos anos tornou-se algo mundial, passando a ser utilizado por pessoas de todas as idades e diferentes classes sociais.
Estima-se que hoje o Facebook tenha um valor de mercado de mais de 33 bilhões de dólares, além de ser reconhecida como a maior rede social on-line do mundo.
É tudo assustador, considerando o pouco tempo de existência do site e seus extraordinários números. Mas confesso que fiquei mais assustado quando descobri que Mark Zuckerberg, a incontrolável mente por trás do Facebook, tem atualmente apenas 26 anos, ou seja, nasceu no ano de 1984 - a mesma data imaginada por George Orwell na sua mais importante obra literária, Nineteen Eitghy-four, na qual antecipa (em 1949) as análises de Foucault e Deleuze sobre a sociedade de controle e descreve, com riqueza de detalhes, um mundo vigiado a todo momento pelo Grande Irmão (Big Brother is watching you!) e pelos membros do Partido, tal como a Polícia do Pensamento, responsável por apanhar aqueles que cometiam o crimidéia ("o crimidéia não era coisa que pudesse ocultar. Podia-se escapar com êxito algum tempo, anos até, porém mais cedo ou mais tarde pegavam o criminoso").
Uma vez observada essa pequena coincidência, tentei estabelecer uma possível conexão entre o poder do Facebook e a sociedade distópica imagina por Orwell. As conclusões são sinistras, veja só.
Hoje o Facebook superou, em muito, o poder de controle das informações que o Google detinha sobre os usuários de internet no mundo todo, que era baseado em dados de pesquisas registrados em IPs. A grande façanha de Mark Zuckerberg é que ele conseguiu criar um serviço de rede social capaz de agregar milhares de informações sobre seus 500 milhões de usuários de forma espontânea, isto é, o sistema é progressivamente alimentado pelos próprios usuários. No Facebook, você declara onde estuda, onde trabalha, quem você conhece, quem são seus parentes, quem você namora (ou é casado), que tipo de música, livros, filmes e comida que você gosta, quais são seus bens de consumo, o que você gostaria de ganhar, o que você faz, o que você pretende fazer, onde você esteve (com muitas fotos), seu tipo de entretenimento e os comentários que você mais gosta (através do jóia, o botão Like). Todas essas informações são codificadas e armazenadas nos bancos de dados dos criadores do Facebook, que cobram milhões de dólares para oferecer às empresas do mundo todo suas informações.
Sim, isso é feito de forma declarada. O Facebook anunciou, em Abril de 2010, na conferência f8 (que ela mesmo promove) que está enviando informações de seus usuários para companhias privadas como Yelp, Pandora e Microsoft, de modo que quando os usuários entram em tais sites logados no Facebook eles visualizam versões personalizadas desses serviços, com propagandas direcionadas para seu padrão social e de preferências.
Para as empresas, é o melhor negócio que existe. O Facebook sabe tudo de você e utiliza tais informações para fornecer o "perfil direcionado do consumidor". Por isso, a propaganda no Facebook é caríssima, razão pela qual o website é tão valorizado no mercado on-line.
Mas se as informações presentes no Facebook fossem utilizadas somente para informar as empresas sobre o possível perfil do consumidor - facilitando assim os efeitos da propaganda sobre o usuário -, este seria um problema menor.
A situação torna-se realmente alarmante quando se lê notícias como esta publicada hoje (05/01) na Folha de São Paulo ("Estados Unidos da América preparam lei para grampear Skype e Facebook"): "A Casa Branca deve apresentar ao Congresso em breve proposta de lei para regular serviços de comunicação on-line como Skype e Facebook para facilitar grampos de mensagens de texto e voz. A intenção é obrigar qualquer serviço a ser capaz de decodificar e enviar ao governo toda a comunicação que passa por suas plataformas".
Ora, não duvide que isso possa acontecer. Mark Zuckerberg, o gênio da informática, é uma pessoa que não acredita em privacidade nos dias atuais. Seu discurso é de que o mundo precisa estar conectado e compartilhado ao máximo, e que o Facebook é um facilitador para esse processo.
Isso significa que, em muito breve, grandes conglomerados corporativos (e talvez os próprios governos ou serviços de inteligência) terão todos os seus dados, preferências e comentários salvos em bancos de dados fornecidos, a troca de muito dinheiro, pelo Facebook.
O projeto de lei do governo estadunidense é apenas um sinal dos tempos que estão por vir - algo que nem Orwell foi capaz de prever em tal dimensão (a "teletela" é o mais próximo deste cenário).
Estaremos, sim, sendo observados. E o pior: os usuários estão progressivamente sendo seduzidos pelo discurso da conectividade global sem desconfiar dos potenciais efeitos maléficos de tal processo de controle de informação.
Seria o suficiente para apagar sua conta do Facebook? Eliot Buskirk pensa que não, mas alerta que o usuário não pode ser ingênuo a ponto de compartilhar qualquer informação que publicitários, autoridades legais ou membros do governo pudessem de ver e utilizar, de alguma forma, contra a pessoa: "Facebook CEO Mark Zuckerberg appears to have been outed as not caring one whit about your privacy — a jarring admission, considering how much of our personal data Facebook owns, not to mention its plans to become the web’s central repository for our preferences and predilections. (...) Zuckerberg’s apparent disregard for your privacy is probably not reason enough to delete your Facebook account. But we wouldn’t recommend posting anything there that you wouldn’t want marketers, legal authorities, governments (or your mother) to see, especially as Facebook continues to push more and more of users’ information public and even into the hands of other companies, leaving the onus on users to figure out its Rubik’s Cube-esque privacy controls".
Não estou dizendo que Mark Zuckerberg é o Grande Irmão ou que o Facebook tem planos satânicos para controlar o mundo.
Entretanto, é preciso reconhecer a existência do poder do Facebook e avaliar os potenciais efeitos da crescente utilização deste serviço (que é comandado por uma empresa privada) e do progressivo fornecimento de dados pessoais e pensamentos (What's on your mind?) por parte dos usuários.
Parece loucura, mas o Facebook pode se tornar um instrumento de controle à serviço de regimes opressores. Estaríamos aí, não só vivendo o pesadelo orwelliano, mas a própria sociedade imaginada por Raul Seixas, antes mesmo da era digital: Eu quero saber o que você estava pensando / Eu avalio o preço me baseando no nível mental / Que você anda por aí usando / E aí eu lhe digo o preço que sua cabeça agora está custando.
Estima-se que hoje o Facebook tenha um valor de mercado de mais de 33 bilhões de dólares, além de ser reconhecida como a maior rede social on-line do mundo.
É tudo assustador, considerando o pouco tempo de existência do site e seus extraordinários números. Mas confesso que fiquei mais assustado quando descobri que Mark Zuckerberg, a incontrolável mente por trás do Facebook, tem atualmente apenas 26 anos, ou seja, nasceu no ano de 1984 - a mesma data imaginada por George Orwell na sua mais importante obra literária, Nineteen Eitghy-four, na qual antecipa (em 1949) as análises de Foucault e Deleuze sobre a sociedade de controle e descreve, com riqueza de detalhes, um mundo vigiado a todo momento pelo Grande Irmão (Big Brother is watching you!) e pelos membros do Partido, tal como a Polícia do Pensamento, responsável por apanhar aqueles que cometiam o crimidéia ("o crimidéia não era coisa que pudesse ocultar. Podia-se escapar com êxito algum tempo, anos até, porém mais cedo ou mais tarde pegavam o criminoso").
Uma vez observada essa pequena coincidência, tentei estabelecer uma possível conexão entre o poder do Facebook e a sociedade distópica imagina por Orwell. As conclusões são sinistras, veja só.
Hoje o Facebook superou, em muito, o poder de controle das informações que o Google detinha sobre os usuários de internet no mundo todo, que era baseado em dados de pesquisas registrados em IPs. A grande façanha de Mark Zuckerberg é que ele conseguiu criar um serviço de rede social capaz de agregar milhares de informações sobre seus 500 milhões de usuários de forma espontânea, isto é, o sistema é progressivamente alimentado pelos próprios usuários. No Facebook, você declara onde estuda, onde trabalha, quem você conhece, quem são seus parentes, quem você namora (ou é casado), que tipo de música, livros, filmes e comida que você gosta, quais são seus bens de consumo, o que você gostaria de ganhar, o que você faz, o que você pretende fazer, onde você esteve (com muitas fotos), seu tipo de entretenimento e os comentários que você mais gosta (através do jóia, o botão Like). Todas essas informações são codificadas e armazenadas nos bancos de dados dos criadores do Facebook, que cobram milhões de dólares para oferecer às empresas do mundo todo suas informações.
Sim, isso é feito de forma declarada. O Facebook anunciou, em Abril de 2010, na conferência f8 (que ela mesmo promove) que está enviando informações de seus usuários para companhias privadas como Yelp, Pandora e Microsoft, de modo que quando os usuários entram em tais sites logados no Facebook eles visualizam versões personalizadas desses serviços, com propagandas direcionadas para seu padrão social e de preferências.
Para as empresas, é o melhor negócio que existe. O Facebook sabe tudo de você e utiliza tais informações para fornecer o "perfil direcionado do consumidor". Por isso, a propaganda no Facebook é caríssima, razão pela qual o website é tão valorizado no mercado on-line.
Mas se as informações presentes no Facebook fossem utilizadas somente para informar as empresas sobre o possível perfil do consumidor - facilitando assim os efeitos da propaganda sobre o usuário -, este seria um problema menor.
A situação torna-se realmente alarmante quando se lê notícias como esta publicada hoje (05/01) na Folha de São Paulo ("Estados Unidos da América preparam lei para grampear Skype e Facebook"): "A Casa Branca deve apresentar ao Congresso em breve proposta de lei para regular serviços de comunicação on-line como Skype e Facebook para facilitar grampos de mensagens de texto e voz. A intenção é obrigar qualquer serviço a ser capaz de decodificar e enviar ao governo toda a comunicação que passa por suas plataformas".
Ora, não duvide que isso possa acontecer. Mark Zuckerberg, o gênio da informática, é uma pessoa que não acredita em privacidade nos dias atuais. Seu discurso é de que o mundo precisa estar conectado e compartilhado ao máximo, e que o Facebook é um facilitador para esse processo.
Isso significa que, em muito breve, grandes conglomerados corporativos (e talvez os próprios governos ou serviços de inteligência) terão todos os seus dados, preferências e comentários salvos em bancos de dados fornecidos, a troca de muito dinheiro, pelo Facebook.
O projeto de lei do governo estadunidense é apenas um sinal dos tempos que estão por vir - algo que nem Orwell foi capaz de prever em tal dimensão (a "teletela" é o mais próximo deste cenário).
Estaremos, sim, sendo observados. E o pior: os usuários estão progressivamente sendo seduzidos pelo discurso da conectividade global sem desconfiar dos potenciais efeitos maléficos de tal processo de controle de informação.
Seria o suficiente para apagar sua conta do Facebook? Eliot Buskirk pensa que não, mas alerta que o usuário não pode ser ingênuo a ponto de compartilhar qualquer informação que publicitários, autoridades legais ou membros do governo pudessem de ver e utilizar, de alguma forma, contra a pessoa: "Facebook CEO Mark Zuckerberg appears to have been outed as not caring one whit about your privacy — a jarring admission, considering how much of our personal data Facebook owns, not to mention its plans to become the web’s central repository for our preferences and predilections. (...) Zuckerberg’s apparent disregard for your privacy is probably not reason enough to delete your Facebook account. But we wouldn’t recommend posting anything there that you wouldn’t want marketers, legal authorities, governments (or your mother) to see, especially as Facebook continues to push more and more of users’ information public and even into the hands of other companies, leaving the onus on users to figure out its Rubik’s Cube-esque privacy controls".
Não estou dizendo que Mark Zuckerberg é o Grande Irmão ou que o Facebook tem planos satânicos para controlar o mundo.
Entretanto, é preciso reconhecer a existência do poder do Facebook e avaliar os potenciais efeitos da crescente utilização deste serviço (que é comandado por uma empresa privada) e do progressivo fornecimento de dados pessoais e pensamentos (What's on your mind?) por parte dos usuários.
Parece loucura, mas o Facebook pode se tornar um instrumento de controle à serviço de regimes opressores. Estaríamos aí, não só vivendo o pesadelo orwelliano, mas a própria sociedade imaginada por Raul Seixas, antes mesmo da era digital: Eu quero saber o que você estava pensando / Eu avalio o preço me baseando no nível mental / Que você anda por aí usando / E aí eu lhe digo o preço que sua cabeça agora está custando.
É! E os brasileiros agora inventaram o Fuckbook, que é o Facebook pornô! Imagina só! Veio pra desbancar o original! Aposto que vai conseguir!
ResponderExcluirEai Rafa, tudo bem?
ResponderExcluirAchei muito bom o seu texto e a discussão que ele promove. O uso de redes sociais cresce a cada dia, contudo, muitos usuários não tem a mínima nocão de quão nocivas tais formas de divulgação de informacões intimas pode ser.
Porém, acho inclusive um pouco ingênuo acreditar que as informacões disponibilizadas no facebook e outras redes sociais ainda não sejam compartilhadas com orgãos governamentais, afinal,considerando que nossa era já caminha ao encontro do distópico 1984, que informacão pode ser mais valiosa e facilmente acessível do que a presente nesses aparentemente inofensivos "big brotheres"?
quem foi que escreveu o livro 1984? quem foi que escreveu o livro 1984? quem foi que escreveu o livro 1984?
ResponderExcluirJÓRJOORWEEEEEEEEEEEEEEELL!
JÓRJOORWEEEEEEEEEEEEEEELL!
JÓRJOORWEEEEEEEEEEEEEEELL!
Seu ótimo texto me arremeteu a um outro livro lançado em 1932: Admirável Mundo Novo do Aldous Huxley. Acredito que desde que existe um estado na forma como o conhecemos, existe uma preocupação por parte das pessoas de sermos dominados por completo pelo.
ResponderExcluirEssa preocupação geralmente é de dominação estatal, pois como bem disse no texto, essas comunidades virtuais já utilizam desses recursos para nos dominar economicamente através da comunicação e venda de produtos. Essa dominação já existe desde a formação do estado que parte da premissa de que cedemos a nossa liberdade para o estado em troca de segurança, lazer, educação, enfim. Acredito que essa realidade apenas esta atingindo esferas globais, porém conforme essas dominações acontecem mudamos nosso senso de liberdade e nos adequamos ao que é mais conveniente e menos frustrante. Noções de liberdade é algo tão abrangente, enfim. Muito bom o seu blog nunca comento resolvi colocar aqui minha opinião e estabelecer assim a "comunicação" e aproveitar o lado bom desse serviço que nos é prestado. Não de graça. Abraço
Olá Zanatta,
ResponderExcluirÓtimo texto. Eu sei que o Google utiliza um mecanismo semelhante para selecionar as propagandas com base nas pesquisas previamente feitas pelo usuário. Preocupo-me ao saber que esta forma de “serviço” já se disseminou.
Acredito que a vigilância constante não foi a única característica antecipada por George Orwell em seu livro, 1984. Ao utilizar e observar o funcionamento das redes sociais (no meu caso apenas o Orkut e o Msn) freqüentemente me lembro da noção de novilíngua.
Uma forma de comunicação simples, neutra, não adjetivada, não pessoal. Um estimulo verbal previamente determinado, visando uma reação também facilmente antecipável. Não é uma comunicação propriamente dita, mas uma interação.
Além da óbvia limitação física das mensagens (algo que dificulta qualquer forma de diálogo que realmente comunica algo), notei que a interação nessas redes sociais (e isto é uma generalização) comumente centra-se na função fática da linguagem, ignorando qualquer forma de comunicação real sobre algo em prol do simples “estabelecer contato”.
Poderíamos nos alongar na discussão teórica, citar os mecanismos de apropriação e centralização do discurso pelo poder estabelecido (falarmos em Focault ou Bakhtin) ou a invasão da linguagem mecânica e instrumentalizada no mundo da vida (Habbermas), mas detenho-me aqui, apenas no “diagnóstico”, citando uma frase de Saramago, sobre a comunicação no twitter e nas novas redes sociais: “É a tendência para o monossílabo. De degrau em degrau, vamos descendo até o grunhido".
Abraço
Cara, acho que vou me WEBsuicidar.
ResponderExcluirPois é, tem várias pessoas fazendo o Facebook Suicide. Mas mesmo assim eles te dão 14 dias pra pensar se realmente vai deletar a conta. E ainda guardam os dados que você publicou.
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