Três palavras resumem a apresentação da violonista croata Ana Vidović no auditório da Oficina de Teatro da Universidade Estadual de Maringá na noite de ontem: técnica, sentimento e calor.
E quando falo de calor, não estou me referindo às fortes emoções expressadas pelas melodias deliciosamente harmônicas de Ana (até poderia utilizar essa figura de linguagem para descrever seu incrível recital), mas falo literalmente da alta temperatura no ambiente, em razão do inadequado espaço escolhido, considerando não só o número de pessoas que foram prestigiar o evento, mas também o nível de uma artista do porte de Vidovic.
Não sei quais foram os motivos determinantes na escolha do local pelo Departamento de Música da UEM, mas ficou claro - e quem estava lá vai concordar comigo - que a apresentação de Ana merecia um ambiente maior e melhor. Infelizmente, a Oficina de Teatro, com seus cento e pouco lugares, não atendeu a demanda de mais de trezentos maringaenses sedentos por música de qualidade.
Numa tentativa de amenizar a situação, os organizadores do evento distribuíram alguns convites a mais para dezenas de pessoas que aguardavam desde as 19h, na fila, para o espetáculo. Para nossa sorte - minha, da Pri, Cesar e Vanes -, recebemos um desses convites entregues pelo Uchôa, pois chegamos atrasados. Mas o que era pra ser uma boa ação acabou se tornando a principal causa para o incômodo calor no teatro. Além de ter todas as poltronas lotadas, qualquer espaço disponível no chão e nas escadas foi preenchido por estudantes, pais e filhos, e senhores e senhoras.
Ana Vidović, acostumada com os ares frescos dos pomposos teatros europeus, teve que lidar com o intenso calor de um pequeno teatro lotado de atenciosos brasileiros. Mesmo com a imobilidade das pessoas em seus lugares, era impossível conter a energia que exalava de cada pessoa ali dentro, transformando o ambiente num caldeirão de música erudita - um contraste interessante experimentado por todos na noite de ontem.
Quanto à música (e é isso que realmente importa), Ana deixou a platéia impressionada (e emocionada) com sua perfeição ao executar complexas peças musicais. De fato, é difícil assimilar o que está acontecendo ao ver Ana de perto. Um poderia pensar: como é que mãos tão suaves podem tocar com tanta agilidade e perfeição seqüências de notas tão difíceis assim?
Vidović, jóia rara em tempos de banalização musical. Foto: Priscila Costa
Asturias (Isacc Albeniz), Recuerdos de La Alhambra (Francisco Tárrega) e La Catedral (Agustin Barrios) foram exemplos claros de como se expressar profundamente através de um violão. Somente um violão, nada mais - foi o que bastou para preencher o teatro com peças musicais que pareciam ser executadas por uma orquestra.
O interessante é que as músicas tocadas por Ana tem cores, cheiros, velocidades, sabores. E penso que é bem isso que passa em sua cabeça ao tocar tais peças: que a música não possui somente sons, mas vida. Digo isso pois, na manhã de ontem, assisti a uma masterclass ministrada por Ana para os alunos do curso de Música da UEM e reparei na forma como ela expõe de forma didática a melhor forma de se tocar uma peça musical. Em certo momento, ela disse: "You need to feel the music and be inside it. Sometimes, you need to enhance some notes and make it warmer. You can also use some vibratos to give the piece more colors".
Na apresentação de ontem não foi diferente. As peças começavam suave, depois cresciam, passavam sentimentos de tranqüilidade, de tensão, de agonia, de amor. Era só fechar os olhos e imaginar todo um ambiente criado por sua perfeita execução.
Os instrumentistas presentes no espetáculo tiveram uma valiosa lição de concentração (mesmo com o calor, o incômodo suor, e as interrupções por pausas na primeira metade de sua apresentação, Ana não se desconcentrou e duvido que tenha errado uma nota sequer) e sentimento musical. E de graça.
Seja Bach ou Beatles, Ana mostrou, com muita humildade e beleza, que a arte está em todo lugar. Basta viver e sentir.
O show dela não foi para qualquer um. A Ana não é qualquer uma. Não poderia ser num lugar qualquer. Não fui.
ResponderExcluir