"Neutralidade de rede" como campo de pesquisa: uma guia para Tim Wu


A votação do Marco Civil da Internet (projeto de lei 2126/2011) colocou a neutralidade de rede como princípio central do arranjo normativo em discussão no congresso brasileiro. Em razão da votação agendada para quarta-feira (07/11), a esfera pública está mobilizada para o debate acerca deste princípio. Nos jornais de grande circulação, tal discussão é visível e engrossará ao longo da semana. A Folha de São Paulo publicou em seu caderno Tendências/Debates duas opiniões contrastantes sobre a neutralidade de rede: (i) a opinião de Alessandro Molon, relator do projeto de lei e principal representante dos defensores do princípio; e (ii) a posição de Eduardo Levy, engenheiro e diretor-executivo da SindiTeleBrasil, contrário à neutralidade por desfavorecer novos "modelos de negócio".

A discussão está longe de ser simples. São muitos os interesses envolvidos, traduzidos em diferentes argumentações a favor ou contra a neutralidade ("princípio de arquitetura que endereça aos provedores de acesso o dever de tratar os pacotes de dados que trafegam em suas redes de forma isonômica, não os discriminando em razão de seu conteúdo ou origem", nas palavras de Pedro Ramos).

O que não pode ser ignorado - e muitas vezes parece ser - é que o debate sobre a neutralidade de rede não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. Há dez anos, uma fervorosa discussão entre economistas, juristas, tecnocratas e congressistas foi deflagrada nos Estados Unidos sobre o tema. Parte da academia exerceu seu papel e colocou a discussão no centro das conferências universitárias - principalmente em razão do esforço de Lawrence Lessig de discutir a regulação pela arquitetura e o futuro da internet (cf. 'Preserving  the Architecture of the Internet in the Broadband Era'). Não quero apresentar argumentos favoráveis ou contrários à neutralidade, mas sim introduzir os textos de um acadêmico, cujos textos sobre a neutralidade influenciaram diferentes centros de pesquisa (incluindo o Centro de Tecnologia e Sociedade, que ajudou a elaborar o Marco Civil da Internet). Como pesquisador, acredito que cumpro uma função melhor em fazer aquilo que não está sendo feito por articulistas, jornalistas e ativistas.

O acadêmico em questão é Tim Wu, atualmente professor de direito na Columbia Law School e um dos alunos mais destacados de Lessig no final da década de 1990. Há dez anos, quando ocupava a posição de professor na Universidade de Virgínia, Wu publicou o artigo Network Neutrality, Broadband Discrimination, conhecido por cunhar - ou ao menos popularizar - o termo "neutralidade de rede".

Segundo Wu, o debate sobre a neutralidade de rede nasceu de preocupações no final da década de 1990 sobre possíveis ameaças à natureza "end-to-end" da internet (ideia de que aplicações e controles devem ficar nas pontas, ou seja, nas mãos dos seus usuários). A preocupação era que a integração vertical de empresas de cabeamento (cable firms) com os fornecedores de acesso à internet (internet service providers) poderia gerar uma ameaça ao desenho end-to-end da rede. O remédio sugerido era permitir que os consumidores escolhessem seus servidores de internet (open acess remedy). Outro remédio, defendido por Wu, era a "regra anti-discriminação" - que embasa hoje o argumento de defesa da neutralidade de rede.

Não pretendo reconstruir a argumentação desse artigo de Tim Wu, cuja leitura é indispensável. O objetivo deste texto é outro. Meu argumento é bastante simples: os pesquisadores em ciências sociais precisam se apropriar desse debate e colocar a "neutralidade de rede" como objeto de reflexão nas universidades brasileiras. Esse é um campo apropriado para mesclar perspectivas disciplinares do direito, economia e sociologia. É óbvio que há trabalhos na área (como, por exemplo, a tese Neutralidades de Redes, Instituições e Desenvolvimento de Juliana Santos Pinheiro), mas o que existe ainda é muito pouco. Esse é um tópico que precisa ganhar mais robustez e mais diálogo interdisciplinar.

Talvez um primeiro passo seja se apropriar da literatura estadunidense, tendo em mente algumas questões básicas: o que se entende por neutralidade de rede? Quais os tipos de discriminação de tráfego existentes? Por que o remédio de acesso aberto é uma opção regulatória ruim? Por que a regra anti-discriminação protege de forma mais satisfatória os interesses do consumidores? Qual o interesse das empresas de telecomunicações em impedir a neutralidade de rede? Quais os "modelos de negócio" em jogo? Qual a tensão entre o interesse público (todos os usuários) e o interesse de algumas organizações privadas? Qual o embate entre a racionalidades jurídica (regras democráticas) e a racionalidade econômica (investimentos privados e eficiência) por trás desta questão? Por que a discriminação do tráfego pode gerar externalidades negativas, bloqueando a inovação? Por que a neutralidade de rede importa para o direito do consumidor e direito concorrencial?

As perguntas, inspiradas nas análises de Wu, mostram a riqueza deste campo de pesquisa. Assim, o que pretendo oferecer aqui é um pequeno roteiro de leitura dos textos de Tim Wu (produzidos entre 2003-2007) para os interessados. Não posso sintetizar os argumentos, comentá-los ou apresentar uma tese sobre as principais ideias do autor. A leitura é algo que também estou fazendo aos poucos. A ideia aqui é simplesmente a de compartilhar informações - o quanto antes, em razão da importância da discussão no Brasil - e facilitar percursos para pesquisadores independentes. Creio que esse é um passo importante para uma discussão mais qualificada sobre o tema, que está na agenda pública.

Vamos ao que interessa. Eis os textos selecionados do autor. O único obstáculo - ainda grande para a maioria das pessoas - é o idioma inglês. Boa leitura.

Um comentário:

  1. Boa Rafa! E obrigado pela citação! :)

    Certamente, há uma evidente ausência de pesquisa científica nesse tema no Brasil. Os EUA estão bem maduros nessa esfera (no Direito e na Economia), e há poucos estudos concretos sobre a neutralidade da rede por aqui. Certamente valorizaria bastante o debate termos uma academia mais preparada e engajada.

    O Tim Wu é sem dúvidas uma das principais referências nesse assunto! Outras grandes referências nesse tema são a professora de Stanford Barbara Van Schewick e o professor de economia da NYU Nicholas Economides. Vou dar uns pitacos aqui e sugerir outras referências para quem está começando no assunto, para quem quer se aprofundar e para aqueles que já querem desenvolver algum tema nessa área:


    Easy

    ROMINA, B.; MIKHEYEV, A.; VIRGINIA, P. The Network Neutrality Debate and Development. Malta: Diplo Foundation, 2007
    WU, Tim. Network Neutrality FAQ. Tim Wu Blog, 2010. Disponível em:http://timwu.org/network_neutrality.html.
    MAGRANI, B.; CTS/FGV. Contribuição do CTS/FGV sobre neutralidade de rede no Marco Civil, 2012.


    Medium

    VAN SCHEWICK, B. Network Neutrality: What a Non-Discrimination Rule Should Look Like. Stanford Law and Economics Olin Working Paper No. 402, 2010.
    FARBER, D.; VAN SCHEWICK, B. Point/Counterpoint: Network Neutrality Nuances. Communications of the ACM, v. 52, n. 2, 2009.
    BENKLER, Yochai. The Wealth of Networks. Disponível em http://www.benkler.org/Benkler_Wealth_Of_Networks.pdf


    Hard

    VAN SCHEWICK, B. Towards an Economic Framework for Network Neutrality Regulation. Journal on Telecommunications and High Technology Law, v. 5, 2007.
    ECONOMIDES, N.; HERMALIN, B. The Economics of Network Neutrality. RAND Journal of Economics, 2012.
    CHOI, J.; KIM, B. C. Net Neutrality and Investment Incentives. RAND Journal of Economics, v. 41, n. 3, 2010.

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