2011 e o início do crepúsculo


Mais um ano se encerrou. E que ano. Em termos gerais, 2011 poderá ser lembrado como o ano da Primavera Árabe, da indignação global (o 1968 da nova geração europeia e estadunidense) e da mais alta possibilidade de crise financeira sistêmica experimentada desde a década de 30 do século passado. O sistema quase entrou em colapso em razão da sua completa desregulamentação nas últimas décadas. Em agosto, os Estados Unidos foram forçados a elevar o teto da dívida pública e, como consequência, tiveram o rating rebaixado pela empresa de avaliação de riscos Standard & Poor’s, que suspeita do óbvio: não há possibilidade do país cumprir com todas as obrigações assumidas perante credores privados (o 1% que governa, de fato, o mundo, tal como deflagrado pelo movimento Ocupe Wall Street). Apesar de não haver alarde, o medo assombrou as mentes dos detentores do capital. O possível calote da Grécia gerou pânico no mercado e forçou uma mobilização política na União Europeia para celebração de novos acordos e planos de austeridade junto ao Fundo Monetário Internacional. A Itália, balançada pela crise da dívida (algo já vivido pelos brasileiros na década de 80), deu o sinal claro dos novos tempos: todas as medidas serão tomadas para garantir a credibilidade dos títulos, independentemente da vontade popular. Nem mesmo Berlusconi, bilionário da mídia populista, resistiu: para o Banco Central Europeu, o tecnocrata Mario Monti é a marionete ideal para garantir o pagamento daquilo que o Estado deve. O mesmo deve acontecer em outros países que não demonstrem comprometimento com as exigências do sistema financeiro global, o novo Império.

Por aqui, o otimismo brasileiro de 2010 não resistiu à conjuntura internacional de pessimismo, recessão econômica e medo. No plano econômico, o país sofreu com a elevação dos preços das exportações de manufaturados, o que torna o produto brasileiro menos competitivo. A indústria brasileira experimenta momentos difíceis. Ainda, a contínua elevação dos preços das commodities (em curso desde 2001 quando a China ingressou no comércio internacional) e o alto índice de sua exportação provocam a apreciação do câmbio, o que agrava o processo de desindustrialização. Não é preciso ser economista para entender que o país está se desindustrializando (os sinais são evidentes): nem mesmo os esforços do governo federal de elaborar uma nova política industrial (Plano Brasil Maior) foram suficientes para reverter o dramático quadro da economia nacional, que retoma sua “vocação agrícola”. A criação de “campeões nacionais”, estratégia defendida pelo BNDES, também não apresenta sinais claros de progresso: as grandes empresas brasileiras que pretendem competir no mercado global são de baixa tecnologia e a utilização de recursos públicos para desoneração tributária e concessão de empréstimos com juros abaixo do usual apenas beneficiam grandes atores econômicos, envolvidos politicamente com setores da burocracia estatal. Por outro lado, o país quer adotar uma postura schumpeteriana de inovação e competitividade, mas ainda esbarra em obstáculos primários, como uma educação básica de qualidade e o investimento em capital humano, ainda muito precário.

É certo que a comparação do país com outras nações torna o cenário favorável. Por exemplo, se compararmos o crescimento do PIB do Brasil (3,5%) com o da Inglaterra (1%) em 2011, ou a taxa de desemprego nacional (6,5%) com o índice de desemprego da população espanhola (inacreditáveis 22%!), o quadro se mostra mais otimista. Mas esses são apenas números que revelam pouco sobre a realidade de cada nação, cada qual marcada pela sua dependência histórica e institucional. O Brasil governado por Dilma Rousseff, apesar dos programas como “Bolsa Família”, “Microcrédito Orientado” e “Minha Casa, Minha Vida”, ainda é um país extremamente desigual, com um dos piores índices do Coeficiente de Gini do mundo, que oferece poucas oportunidades de empreendedorismo e progressiva ascensão social. Basta sair às ruas do centro de qualquer cidade grande para comprovar essa tese: o Brasil ainda é um país de gente pobre (que é feliz com pouco). Apesar de ter conquistado a notória marca de 6ª maior potência econômica, falta muito para que o verdadeiro desenvolvimento (compreendido como aumento real das capacitações individuais) seja atingido em nosso país. Não há muitos motivos para comemorar.

Se no espectro econômico o ano de 2011 foi marcado pela estagnação das potências ocidentais e um novo fluxo da crise econômica global de 2007, no espectro político, o ano passado também poderá ser lembrado como um turbulento período de intensificação dos movimentos em rede pró-democracia, aquilo que Antonio Negri e Michael Hardt sinalizavam como consequência inevitável da globalização: a emergência do poder da multidão (sujeito social internamente diferente e múltiplo cuja constituição não se baseia na identidade ou unidade, mas naquilo que tem em comum) e de novas lutas em rede (marcadas pela criatividade, a comunicação e a cooperação auto-organizada) que ocorrem no terreno biopolítico, produzindo novas subjetividades e novas formas de vida. De fato, 2011 deixou ainda mais claro a emergência não de um novo corpo político, mas de uma “carne viva” em luta de democracia real e fim do brutal apartheid social gerado pelo atual estágio do capitalismo em diversas partes do globo (Tunísia, Egito, Síria, Bahrein, Israel, Espanha, Itália, Grécia, Inglaterra, Islândia, Estados Unidos, Brasil, Chile, Índia, China, etc). Esse movimento global, caracterizado pelas ocupações e pelas acampadas, não possui hierarquias formais e articula-se em rede. O objetivo é um só: reinventar a democracia em novas bases, tendo como elemento central o (ainda vago) conceito de justiça social. Eis o projeto em construção.

Ainda é muito cedo para compreender o significado de um ano tão intenso como o de 2011. É preciso tempo para poder olhar para trás e compreender melhor o significado dos acontecimentos. A metáfora da Coruja de Minerva de Hegel sintetiza bem tal situação de incompreensão perante o presente: a sabedoria, simbolizada pela coruja, surge somente no início do crepúsculo.

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