Governança econômica e totalitarismo: o Mecanismo Europeu de Estabilidade

Os sonhos do político francês Jean Monnet de criar uma espécie de "Estados Unidos da Europa" estão prestes a se concretizar. A ideia de um Estado supranacional europeu, um projeto motivado por questões de "mercado comum", está se consolidando de forma assustadoramente veloz. Trata-se de um Coup d'État silencioso - amplamente ignorado pela população ocidental e irresponsavelmente não discutido pelos veículos de comunicação -, que tem por objetivo estruturar um novo poder que tem seu próprio sistema financeiro, suas próprias regras de assuntos externos e militares, sua própria polícia e seu próprio sistema judiciário. Sob o lema da governança econômica, um novo regime totalitário está em gestação na União Europeia. Basta observar com cuidado.

Fiquei impressionado ao ler o estudo do pesquisador holandês Rudo de Ruijter sobre o Mecanismo Europeu de Estabilidade, uma nova instituição financeira que poderá ser criada através de um tratado, assinado por 17 países. Ele explica a movimentação política que ocorreu nos últimos onze meses para a elaboração de um novo mecanismo que previna riscos sistêmicos na Zona do Euro, um fundo para garantir liquidez bancária para empréstimos para países endividados: "Em 17 de Dezembro de 2010 o Conselho Europeu decidiu ser necessário um mecanismo de estabilidade permanente, para retomar as tarefas do Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira (EFSM, na sigla em inglês) e da Facilidade de Estabilização Financeira Europeia (EFSF, na sigla em inglês). Estas duas organizações foram montadas rapidamente, respectivamente em Maio e Junho de 2010, a fim de proporcionar empréstimos a países com demasiadas dívidas. Contudo, falta uma base legal a ambas as organizações. Note-se desde já que estas duas organizações foram concebidas explicitamente para intervenções financeiras, mas que a emenda no Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, para montar o MEE, permite igualmente o estabelecimento de outras organizações em campos de acção muito diferentes. Esta emenda acontece em 25 de Março de 2011. Para evitar ter de organizar novamente referendos na Europa, eles utilizaram o artigo 48.6 do Tratado da União Europeia, o qual permite ao Conselho Europeu decidir modificações aos artigos do tratado – desde que elas não impliquem uma extensão das competências da União. (Tais decisões devem, contudo, ser ratificadas pelos Parlamentos nacionais, mas geralmente isso é apenas uma formalidade). A emenda consistiu num acréscimo de aparência inocente a um parágrafo do artigo 136. Em suma, este acréscimo estipula que "os países da UE que utilizam o euro são autorizados a estabelecer um mecanismo de estabilidade para salvaguardar a estabilidade da zona euro no seu conjunto". Aqui, já não se trata mais explicitamente da estabilidade financeira. Através desta emenda, também a repressão de tumultos, a vigilância de cidadãos vigilantes ou o combate contra qualquer outro elemento desestabilizador na zona euro poderão igualmente ser conferidos a novas organizações sob a bandeira da UE. Por outras palavras, esta emenda constitui com certeza uma extensão das competências da UE. Contraria portanto o artigo 48.6 do Tratado da União Europeia. Contudo, nem um ministro, nem um Parlamento nacional manifestou descontentamento em relação a isso e em Bruxelas eles continuaram alegremente e rapidamente a montar o tratado do MEE. Em 20 de Junho de 2011 os Parlamentos nacionais autorizaram que as tarefas do tratado do MEE fossem efectuadas pela UE e o Banco Central Europeu. Em 11 de Julho de 2011 o tratado foi assinado. Embora a assinatura tenha sido anunciada posteriormente, na abertura de uma conferência de imprensa à qual assistiam dezenas de jornalistas, no dia seguinte não houve uma única manchete nos jornais (nem ao nível nacional, nem ao internacional) acerca da assinatura deste novo Tratado Europeu".

O alerta de Ruidjer é que o objetivo do Mecanismo Europeu de Estabilidade é fazer com que os cidadãos europeus paguem as centenas de milhares de milhões de euros dispendidos com "ações de socorro" para salvar o euro e estrangular qualquer possibilidade de intervenção dos parlamentos. Para o autor, a instituição supranacional terá o poder de esvaziar os cofres dos Estados sem que os Parlamentos possam se opor. O vídeo abaixo é bastante explicativo. O rascunho do tratado também pode ser acessado aqui.



A angústia de Ruidjer não é solitária. Na Áustria, um professor chamado Heinrich Wohlmeyer publicou uma carta aberta para o Presidente de República e para o Presidente do Parlamento Austríaco, na qual defende a ideia de que os países irão se acorrentar em favor do grande capital, aumentando muito mais a instabilidade social quando a população se der conta de que não será capaz de modificar as "regras do jogo" financeiro pela via parlamentar: "Se esse acordo for assinado, os Estados-membros da União Europeia serão dirigidos por uma oligarquia financeira anônima sem qualquer legitimidade democrática. É permitir que seja instalado um regime de escravidão financeira anônimo sob o pretexto da solidariedade. Particularmente o comprometimento de responsabilidades em favor do setor financeiro que irão causar sobretaxas à capacidade das economias nacionais e à cooperação dos cidadãos que serão submetidos a maiores sacrifícios financeiros. As obrigações 'incondicionais e irrevogáveis' com pagamentos iniciais e adicionais (artigos 8 e 9) dão testemunho de que os países se colocam em correntes em favor dos donos do grande capital".

A grande mídia e os economistas pouco comentam sobre o déficit de legitimidade democrática desta instituição financeira supranacional ou mesmo seus pontos polêmicos. O que é divulgado é apenas que há um novo "plano de salvamento" dos países endividados através de um órgão que irá compartilhar e gerir de forma ágil o crédito europeu para países endividados. Nesse domingo, uma nova decisão deve ser tomada em Bruxelas, o momentâneo centro político da União Europeia. Muita coisa pode acontecer, incluindo novas definições sobre o MEE.

Até o momento, essas foram as atuais medidas - em ordem cronológica - para combater a crise europeia, segundo o portal Crise Econômica Mundial do iG: "15-16/10/2008 - O Conselho respalda um plano comum contra a crise creditícia e decide impulsionar um debate sobre a reforma do sistema financeiro; 11-12/12/2008 - Aprovado um plano de reativação econômica de 200 bilhões de euros (1,5% do PIB comunitário); 19-20/3/2009 - A UE decide defender uma profunda reforma do sistema financeiro na cúpula do Grupo dos 20 (G20, bloco das principais nações ricas e emergentes) em Londres e concede ao Fundo Monetário Internacional (FMI) um crédito de 75 bilhões de euros para que dobre sua capacidade de auxílio aos países atacados pela crise; 18-19/6/2009 - Acordo para revisar o sistema de supervisão financeira; 17/9/2009 - A UE decide, em reunião extraordinária, defender na cúpula do G20 em Pittsburgh regras vinculativas sobre as gratificações aos executivos bancários e que sigam os planos de reativação; 10-11/12/2009 - Respaldo ao Governo grego para um plano "urgente" de reformas e chamada ao setor financeiro para evitar que a sociedade pague os excessos dos bancos; 11/2/2010 - Cúpula extraordinária perante a crise grega, na qual se decide que os países da Eurozona adotem "as medidas necessárias para salvaguardar a estabilidade da zona do euro"; 25/3/2010 - O Conselho europeu aprova o mecanismo de ajuda à Grécia e de defesa da zona do euro, baseado em uma combinação de empréstimos bilaterais dos países deste bloco e do FMI; 7/5/2010 - Os líderes da UE concordam em criar um mecanismo para resgatar os países com problemas de dívida, para o qual contribuirá o FMI, dotado com um máximo de 750 bilhões de euros; 17/6/2010 - Um acordo decide publicar as provas de solvência bancária, para evitar as especulações, e se aprova uma taxa aos bancos para evitar futuras crises; 28-29/10/2010 - O Conselho europeu aprova a proposta alemã de retocar o Tratado de Lisboa para proteger o euro de uma eventual crise de insolvência e fazê-lo compatível com a cláusula de "não co-responsabilidade financeira"; 16-17/12/2010 - Conselho para criar um fundo permanente de estabilização financeira para a zona do euro e compromisso de aplicar as recomendações em matéria fiscal e correção do déficit; 11/3/2011 - Principio de acordo sobre o "Pacto do Euro", que pretende aumentar a competitividade europeia; 24-25/3/2011 - Aprovado o "Pacto do Euro" e a criação de um fundo de resgate a partir de 2013 com um capital de 700 bilhões de euros, denominado Mecanismo de Estabilidade Europeu (ESM); 21/7/2011 - Uma cúpula extraordinária de líderes europeus aprova o segundo resgate à Grécia, no valor de 159 bilhões de euros para o período 2011-2014, dos quais 49,6 bilhões terão origem no setor privado".

É bom analisar de perto. Os europeus podem estar em maus lençóis (costurados em Bruxelas).

2 comentários:

  1. "os Estados-membros da União Europeia serão dirigidos por uma oligarquia financeira anônima sem qualquer legitimidade democrática."
    Ora, já é assim. As grandes questões não são decididas pelo Parlamento Europeu.
    Abraços,

    Pádua

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  2. Hoje a tarde a Folha publicou uma notícia sobre a aceleração das negociações.

    http://www1.folha.uol.com.br/mundo/995286-em-bruxelas-lideres-europeus-dizem-que-acordo-sobre-fundo-esta-proximo.shtml

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