Lula: o modelo do líder político?

Acabei de ver essa foto no TwitPic do ator José de Abreu, tirada agora há pouco - nesta tarde de quarta-feira (13/04/11) - em Londres, capital da Inglaterra. 


Obviamente, o leitor já reconheceu o homem à esquerda, o ex-Presidente da República Federativa do Brasil (2002-2010), Luís Inácio Lula da Silva - que recebeu no último dia 30 de Março o Prêmio Mikhal Gorbatchev na categoria "Perestroika" por contribuir para o desenvolvimento da civilização ("Revived his country economically and laid the foundations for the BRIC alliance which has driven new development around the world") -, líder carismático idolatrado pelas massas e criticado por parte da elite.

Mas e o distinto senhor ao seu lado, quem é?

Se a pessoa que está lendo esse texto é formada em História, sabe muito bem de quem se trata: é Eric Hobsbawm, brilhante e incansável historiador - ainda em atividade, com 93 anos - da vertente British Marxists Historians, que tem também como representantes Christopher Hill e E.P. Thompson. Hobsbawm é (indubitavelmente) referência científica em História Social. Ele escreveu os clássicos "A Era das Revoluções", "A Era do Capital", "A Era dos Impérios" e "A Era dos Extremos" - leitura obrigatória em diversos cursos ao redor do globo -, além de inúmeras outras obras que são discutidas em bancos universitários.

É provável que você se pergunte o que fazem Lula e Eric Hobsbawm juntos em Londres. Bom, eles foram convidados pela Organização Não-Governamental britânica OXFAM para uma palestra sobre novos rumos para diminuição da desigualdade social numa escala global. Entretanto, antes do encontro com Barbara Stocking (presidente da ONG), se reuniram na casa do embaixador brasileiro Roberto Jaguaribe para um bate-papo informal.

Hobsbawm não cansou de tecer elogios ao ex-Presidente brasileiro.  Os trechos a seguir foram escritos pela repórter Fernanda Calgaro: "'Lula fez um trabalho maravilhoso não somente para o Brasil, mas também para a América do Sul.' Em relação ao seu papel após o fim do seu mandato, Hobsbawm afirmou que, 'claramente Lula está ciente de que entregou o cargo para um outro presidente e não pode parecer que está no caminho desse novo presidente'. 'Acho que Lula deve se concentrar em diplomacia e em outras atividades ao redor mundo. Mas acho que ele espera retornar no futuro. Tem grandes esperanças para [tocar] projetos de desenvolvimento na África, [especialmente] entre a África e o Brasil. E certamente ele não será esquecido como presidente', disse".

É sabido que Hobsbawm é um admirador de Lula. Em 2009, numa entrevista concedida ao argentino Martin Granovsky, afirmou: "Lula é o verdadeiro introdutor da democracia no Brasil. E ninguém o havia feito nunca na história desse país. Por isso hoje tem 70% de popularidade, apesar dos problemas prévios às últimas eleições. Porque no Brasil há muitos pobres e ninguém jamais fez tantas coisas concretas por eles, desenvolvendo ao mesmo tempo a indústria e a exportação de produtos manufaturados. A desigualdade ainda assim segue sendo horrorosa. Mas ainda faltam muitos anos para mudar as cosias. Muitos."

Lula está em alta não só entre os acadêmicos de vertente marxista, mas em todo o Ocidente. Não é à toa que a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra - uma das mais tradicionais do mundo - concedeu ao líder sindicalista o título de Doutor Honoris Causa pela diminuição de desigualdade, diálogo com diversos setores da sociedade e respeito às instituições durante sua gestão no Executivo (veja aqui os motivos, explicados por J.J. Gomes Canotilho). No ano passado, ainda no poder, recebeu da Times o título de homem mais influente do mundo.

Lula transita em diversos circuitos. É um homem que dialoga com pensadores de esquerda e empresários de direita. Amanhã, por exemplo, dará uma palestra na Espanha para altos executivos da Telefônica - provavelmente, interessados em investir ainda mais no país, que apresenta excelentes níveis de desenvolvimento econômico.

Ironicamente, Lula é aquilo que Fernando Henrique Cardoso - renomado sociológo e leitor de Max Weber - não conseguiu ser: "o político ideal", na concepção weberiana.

Uma pergunta incomodava Weber. Como seria possível existir um líder real no contexto de uma sociedade industrial moderna, burocraticamente organizada? Que homem é preciso ser para adquirir o direito de introduzir os dedos entre os raios da roda da História?

Esse líder deveria corresponder ao tipo ideal do líder político democrático, responsável pela dominação não só puramente legal-racional ou carismática (dentro da concepção dos tipos de dominação legítima), mas uma variação da dominação carismática que assumisse a forma de um constitucionalismo puramente racional (Zweckrational) e formalmente legal. Esse líder deveria apresentar características personalíssimas que garantissem seu carisma perante o povo, ao mesmo tempo que deveria respeitar as regras do jogo previamente instituídas, dialogando com os diversos setores organizados da sociedade.

Nesse sentido, a "democracia do líder" atinge o nível máximo de dominação, que deve ser exercitada com base no consentimento livre dos dominados (e nós não aceitamos essa dominação todos os dias sem contestá-la?). Ademais, como diria Weber (em Wirtschaft und Gesellschaft), somente uma forte liderança seria capaz de grandes conquistas no campo social, enquanto que uma administração burocrática nunca pode esperar exceder os limites da ordem estabelecida.

Ao meu ver, Fernando Henrique Cardoso, enquanto político burocrático, não conseguiu grandes mudanças sociais, mas sim econômicas (manutenção de uma correta política monetária) e gerenciais (reforma do Estado da década de noventa). Já Lula, como líder político carismático, foi além: aprendeu as regras do jogo político (e, infelizmente, fez alianças com estruturas de poder que corrompem o país) e conduziu o diálogo com diferentes atores, buscando diminuição das desigualdades sociais através de programas que hoje inspiram diversos países do mundo.

Por que? O que diferencia um líder de outro, considerando que se trata da mesma estrutura estatal burocrática (entendida a burocracia aqui no sentido weberiano, isto é, como estrutura social legalmente organizada)?

Weber diria que não basta ao líder político ser um estrategista, um homem inteligente puramente racional. O líder político nas democracias modernas deve ser, acima de tudo, um apaixonado (ele havia identificado essa característica da política em "Ciência e Políticia: duas vocações").

Além da paixão, o homem político deve ter sentimento de responsabilidade e senso de proporção ("Faz-se política usando a cabeça e não as demais partes do corpo. Contudo, se a devoção a uma causa política é algo diverso de um frívolo jogo de intelectual, constituindo-se em atividade sinceramente desenvolvida, essa devoção há de ter a paixão como fonte necessária e deverá nutrir-se de paixão. Todavia, o poder de subjugar energicamente a alma, poder que caracteriza o homem político e apaixonado e o distingue do simples diletante inchado de excitação estéril, só tem sentido sob a condição de ele adquirir o hábito de recolhimento - em todos os sentidos da palavra. O que se chama "forma" de uma personalidade política indica, antes de tudo, que ela possui essa qualidade", Ciência e Política: duas vocações, p. 106).

Lula foi um líder com senso de proporção, isso é inegável. Agiu sempre com o apoio do Partido dos Trabalhadores, calculando os riscos políticos de determinadas atitudes e políticas públicas. Em nenhum momento tomou alguma decisão desesperada por clamor social ou pressão do mercado.

Novamente, faço menção a Weber, que se dedicou ao tema da política: "A política é um esforço tenaz e enérgico para atravessar grossas vigas de madeira. Tal esforço exige, a um tempo, paixão e senso de proporções. (...) O homem capaz de semelhante esforço deve ser um chefe e não apenas um chefe, mas um herói, no mais simples sentido da palavra. E mesmo os que não sejam uma coisa nem outra devem armar-se da força da alma que lhes permita vencer o naufrágio de todas as suas esperanças".

Para muitos, Lula é um herói. E mesmo se não fosse, armou-se (com diversos meios) para vencer o fracasso de três eleições presidenciais. Aprendeu, mesmo que sem querer, a ser o líder político ideal.

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