O dilema da common law: os juízes devem aplicar leis injustas?

Segue abaixo uma rápida tradução que fiz das primeiras páginas do livro Judges and Unjust Laws, escrito por Douglas Edlin (Dickinson College) e relançado em 2010 pela Michigan University Press (o original foi publicado em 2008). O livro está disponível no Scribd. Aproveite enquanto dá tempo.



Introdução: A Justiça da Common Law*

A. Leis Injustas
Leis injustas têm perturbado advogados, cientistas políticos e filósofos desde que eles, pela primeira vez, refletiram sobre os padrões jurídicos pelos quais as pessoas se governam. As leis injustas levantam questões difíceis sobre nossa compreensão do direito, nossas aspirações sobre nossas leis, nossas obrigações para com o outro e as nossas responsabilidades de governo para cada um de nós. De Aristóteles e Tomás de Aquino até Hart e Fuller, o debate sobre essas questões tem continuado por milênios, e vai durar enquanto as pessoas precisarem do direito para ordenar suas sociedades e para guiar suas vidas.

Existem várias maneiras que uma lei pode ser injusta. Ela pode proibir ou restringir uma conduta que deveria ser permitida. Ela pode permitir uma conduta que deveria ser proibida. E pode aplicar ou executar de forma injusta uma lei de outro modo inquestionável. As pessoas podem e vão discordar sobre quando e de que modo uma determinada lei é injusta. Entretanto, eu não pretendo entrar neste debate. Para os fins deste estudo, quero colocar que uma determinada lei é injusta e, em seguida, perguntar por quais bases legais, se for o caso, um juiz pode resistir e tentar corrigir essa injustiça. Pareceu-me que poderia ajudar a esclarecer a discussão ao ter um exemplo concreto de lei injusta em mente. O exemplo de uma lei injusta que utilizarei no capítulo 7 é um que permita a discriminação racial sancionada pelo governo. Eu não vou tentar defender a reivindicação, se a defesa é necessária, de que as leis discriminatórias raciais são injustas. Assumo tal premissa para os propósitos de meu argumento. Naturalmente, alguém pode imaginar uma política na qual as leis discriminatórias raciais não são necessariamente injustas por definição. Estou, no entanto, interessado em sistemas de common law existentes. Minha seleção de leis discriminatórias raciais como paradigmaticamente injustas se referem as experiências relacionadas com as nações da common law, com relação, por exemplo, ao tratamento de populações indígenas e a história política e constitucional dos Estados Unidos no tocante à escravidão, segregação racial legalizada e subjugação.

Além de leis abertamente ou substantivamente injustas, certas leis também tentam, de várias maneiras, enfraquecer a posição institucional ou as obrigações constitucionais dos Tribunais da common law. Nos capítulos 8 e 9, eu também examino alguns exemplos específicos deste tipo de lei. Eu analiso casos em que juízes responderam a essas leis e se recusaram a permitir que a integridade e autoridade de seus tribunais fossem debilitadas dessa forma. Nessas discussões, eu destaco alguns princípios fundamentais da common law que operam através de decisões judiciais para manter a relação constitucional dos órgãos do governo e para impor as limitações legais nas ações governamentais.

Apesar do longo histórico de interesse em problemas apresentados por leis injustas, relativamente pouco tem sido escrito sobre as dificuldades particulares que essas leis implicam para os juízes chamados a aplicá-las. O pouco que foi escrito tende a simplificar ou compreender de forma errada a natureza genuína do conflito que leis injustas representam para os juízes. Meu objetivo é oferecer uma outra maneira de olhar para o conflito criado por leis injustas e para as respostas judiciais a ele.

* EDLIN, Douglas. Judges and Unjust Laws: common law constitutionalism and the foundations of judicial review. Ann Harbor: University of Michigan Press, 2010, p. 1-2.

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