Paralamas do Sucesso: mais que English Beat brasileiro

Eu tenho uma relação muito próxima com Os Paralamas do Sucesso. Não que eu conheça o Herbert Vianna, Bi Ribeiro ou João Barone pessoalmente. Longe disso. O motivo dessa suposta proximidade com a banda decorreu da audição constante de quatro discos nos meus primeiros dez anos de vida (1987-1997), por influência de meus pais, o que acabou por criar uma relação natural com o grupo. Desde sempre ouço Paralamas. Cresci com a sonoridade peculiar deles.

Na vitrola de casa lá em Campo Grande (morei por lá até 1992) rolava muito o LP Arquivo (1990). O disco, que muita gente tem em casa, é uma coletânea (crime musical!) dos primeiros seis álbuns do grupo (Cinema Mudo - 1983, O Passo do Lui - 1984, Selvagem? - 1986, D - 1987, Bora-Bora - 1988 e Big Bang - 1989) em sete anos de carreira.

Pô! Conhecer uma banda através de uma coletânea torna precária a compreensão da sonoridade de um grupo, ou de suas fases. Isso já foi pano pra manga aqui no blog na discussão sobre Chico Buarque (vide os comentários de Guigo), mas nunca é demais refletir novamente sobre o tema.

Não é atoa que há uma divergência muito grande de opinião entre as gerações de 70 e 80 sobre Os Paralamas do Sucesso. Pergunte pra alguém que tinha mais de quinze anos no começo da década de oitenta sobre o que eles pensam dos Paralamas? Agora pergunta pra alguém que não era nem nascido naquela época o que ele pensa sobre a banda?

Muita gente da nossa geração vai dizer que adora os Paralamas. Muita gente vai dizer que é só mais uma "bandinha" dos anos oitenta (brock), e que não gosta do som deles.

Pra mim, parte desta rejeição da minha geração (e nem vamos falar dessa nova geração, dos nascidos em 90/00) pode ser explicada pelo fato de o Paralamas ter chegado ao ouvido deles já pelo mainstream. Coletâneas, propagação massiva em rádios, televisão e videokês. Tudo isso causa repulsa aos mais "alternativos".

Só que esse pré-conceito sobre o grupo impede uma análise mais sincera sobre o que é, de fato, o fenômeno Os Paralamas do Sucesso.

Bom. Vamos voltar um pouco no tempo, pois para entendê-los é preciso voltar à Brasília no final da década de setenta.

Pois bem. Agora imagine alguns moleques de quinze/dezesseis anos, filhos de funcionários do governo (militares/civis) que não tinham nada pra fazer, numa cidade nova, funcional e isolada como Brasília. Foi nesse contexto que surgiram algumas bandas como Legião Urbana, Capital Inicial, Plebe Rude e Os Paralamas do Sucesso.

Todo mundo meio que da mesma galera. O irmão de Bi, Pedro, era aluno de inglês do Renato (sim, o Russo, que passava as letras do Sex Pistols em aula). Bi Ribeiro e Dinho foram juntos pra Europa na adolescência. Os caras do Capital tocavam com os caras da Plebe nos prédios habitacionais da UnB. Enfim, todos tocavam. Cresceram juntos com festas e rock.


Galera de Brasília. Só bagunça.

Só que as coisas foram um pouco diferentes pros Paralamas. Herbet Vianna e Bi Ribeiro foram estudar no Rio de Janeiro, e lá faziam constantes ensaios na casa da vó do Herbet, a lendária vó Ondina (que ganhou uma homenagem no primeiro disco). Lá no Rio, acharam um baterista, o Vital. Faziam ensaios, gravaram uma ou duas demos e tocavam nas festinhas da universidade. Só que Vital estava mais interessado no estágio, na namorada e na sua moto (e não é atoa que Vital ganhou uma música para si, a famosa Vital e Sua Moto, do primeiro disco). Herbert e Bi (com 21 anos) conheceram então o estudante de Biologia João Barone, um ano mais novo que os outros dois. A amizade e a afinidade musical pintou fácil. Os três ouviam The Police, The Jam, The Beat, The Clash e Bob Marley.

E realmente fica clara a influência das bandas inglesas do comecinho da década de oitenta no som e na formação dos Paralamas. Por exemplo, Police e Jam são trios. The Jam tem uma sonoridade pós-punk, enquanto que o Police incorporou elementos do Reagge ao rock, criando praticamente um novo estilo, que influenciou demais os Paralamas. Repare na bateria de João Barone e compare com Steward Copeland (os dois são ágeis, com uma pegada muito firme). Ouça o timbre da guitarra de Andy Summers e compare com a de Herbert. É bastante semelhança.

Praticamente assim, como se fossem os The Police brasileiros, o grupo lançou Cinema Mudo, em 1983. Vital e Sua Moto, que era uma música de festinhas universitárias do Rio e Brasília, ganhou repercussão nacional, tocando na maioria das rádios do país.

A banda daí passou a ampliar a sonoridade, incorporando teclados, percussões e outros instrumentos. Com muita influência de ska, lançaram O Passo do Lui em 1984. Com o sucesso de Óculos, Meu Erro, Romance Ideal e Mensagem de Amor, a banda definitivamente deixou de ser apenas no underground do rock, tornando-se uma das bandas mais ouvidas no Brasil.

Se tivessem surgido hoje, seriam os Vampire Weekend brasileiros.

E cara! Repara como que Óculos é igualzinha Hand's Off She's Mine do The Beat, inclusive o teclado no meio da música! Só que com uma letra muito mais descolada, praticamente um hino geek! E Meu Erro, apesar de ninguém mais hoje em dia aguentar ouvir (nem aguentar sua tia cantando no videokê em encontros natalinos de família), tem seus méritos. A linha de baixo é simples, mas incrível.

Em 1985 o grupo fez um show tido como histórico no Rock In Rio. O registro da apresentação saiu em dvd recentemente. Eu assisti na casa do meu pai lá em Curitiba ano passado. É realmente bacana ver um Herbert Vianna moreno, magrelo, camisa social, shorts e óculos.

Bom. Agora em 1986 foi o ano em que os Paralamas se superaram. Romperam as barreiras sonoras que estavam limitados, e embasados na música africana, no reagge e no ska, lançaram o disco Selvagem?. João Barone disse em entrevista que as principais influências foram "Yellowman, reggae de todo tipo, bandas afro como Sparrow e Toure Kundá, nomes como Fela Kuti, Ille Ayê, Gil...". De fato, Gilberto Gil fez a brilhante letra de A novidade, que está nesse disco.

O álbum apresenta letras muito mais maduras (por exemplo, em Selvagem: O governo apresenta suas armas / Discurso reticente, novidade inconsistente / E a liberdade cai por terra / Aos pés de um filme de Godard) e melodias que reuniram Jamaica, Inglaterra, África e Brasil num som só. Bicho, imagine a repercussão que Alagados gerou? Eles foram tão vanguarda quanto foi Peter Gabriel e Paul Simon naquela época. Ou então como os hypes do Vampire Weekend dos dias atuais.

Selvagem influenciou muita gente. Otto uma vez afirmou que decidiu fazer música brasileira após ouvir o disco. O manguebeat reconheceu o álbum como um marco no rock brasileiro. Diversos músicos dos anos noventa, como John do Pato Fu e Henrique Portugal do Skank, reconhecem que o disco é um dos mais importantes da música brasileira, por trazer ao grande público a mistura exótica de rock brasileiro com música africana e o english beat.


De Selvagem? em diante os Paralamas ganharam status internacional. Gravaram um disco ao vivo no respeitado Montreaux Jazz Festival, o álbum D (1987) e se tornaram conhecidos no cenário europeu e latino-americano.

Em 1988, o disco Bora-Bora consolidou o uso de metais, hoje marca registrada do grupo. Com um som cada vez mais complexo, com letras com caráter um pouco menos social. Não sei se por causa do fim do namoro com Paula Toller (Vianna é pegador!) do Kid Abelha. Talvez sim.

Em 1989 vem o Big Bang que contava com o clássico dos clássicos, Lanterna dos Afogados. Sem comentários.

Enfim. Tudo o que conheci nos meus primeiros anos de vida foi uma coletânea que sintetizou esses diversos momentos da banda num disco chamado Arquivo. Uma sacanagem. Como é possível falar de Paralamas de O Passo do Lui (que está mais para The Police) e de Bora-Bora (que está mais pro The Specials) como se fosse a mesma coisa? Não é.

Bom. Em 1991 veio o segundo disco dos Paralamas que me cresci ouvindo: Os Grãos. Tido como o maior fracasso comercial da banda, eu considero um dos melhores discos brasileiros dos últimos vinte anos.


Esse disco mostra os Paralamas mais introspectivos, mais maduros, utilizando os recursos de estúdio da melhor forma possível. E ainda traz a parceria de Vianna com Fito Paez (músico argentino que aprendi a gostar com o Odaça, também) em Trac-Trac. Vale muito a pena ouvir. Recomendo o download.

O terceiro disco que esteve presente na minha infância e adolescência foi o brilhante registro Vamo Batê Lata, de 1995. Um disco com um repertório contagiante, brilhantemente executado por todos os músicos do grupo. E o mais impressionante é a energia da galera presente. Como guitarrista eu tenho que tirar o chapéu pro Herbert. O cara é foda (veja Caleidoscópio ao vivo). Deve ter influenciado até o Nevilton!

Já o quarto disco que me acompanhou nos primeiros dez anos de vida foi o 9 Luas, de 1996. Um disco conhecido pelo apelo comercial e pop dos hits Lourinha Bombril, Outra Beleza, La Bella Luna e Busca Vida.

Tá certo que La Bella Luna foi até gravado por uma dupla sertaneja (eles estão em toda parte) e é uma musiquinha fraca. Mas convenhamos: tem algo mais brasileiro que Lourinha Bombril? É genial.


Se Paralamas fosse cachaça, seria tipo exportação.

A banda toca hoje em Maringá, no Country Club. Um bom show aos que vão. Eu, por incrível coincidência do destino, raspei o paralamas do meu carro e tive que comprar um novo, que me custou R$ 375,00!

Os Paralamas já eram. Por uma besteira (raspei no pilar da garagem de casa) vou perder um grande show.

Trágico, cômico e irônico. A vida é assim.

4 comentários:

  1. Porra...

    Agora, tocou meu coração. Paralamas é das minhas bandas prediletas.

    Também não poderei ir, hoje, ao show. Mas já fui a alguns e todos foram muito bons (estando o Herbert em pé ou sentado).

    Na minha humilde opinião, Paralamas foi a banda dos 80 que melhor envelheceu. Herbert, Bi e Barone são três senhores muito distintos.

    Belo texto, Zanatta! E um grande show pra todos que forem ao Country hoje.


    Abraços.



    Renatão

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  2. To muito triste de não ir ao show também. Paralamas é muito infância/adolescência, Paralamas é muito estrada, viagem de carro. Quanto ouço Paralamas muita coisa gostosa me vem em mente. (Exceto pelo mais recente acontecimento).

    Legal saber mais dos Paralamas, Rafa. Vamos tomar uma gelada em casa hoje ouvindo os caras! hehehe

    ;* Amo-te.

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  3. Bem falado, Renatão! "Herbert, Bi e Barone são três senhores muito distintos."

    Concordo plenamente!

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  4. Quando vi o título, achei que você tava falando que eles eram beatniks! AHUAHUA!

    Também concordo com o Renatão, os caras souberam mesmo envelhecer. Todo mundo fala mal do rock dos anos 80! Mas e hoje? Na época esses caras tavam na mídia, tinha muita coisa boa na mídia, bem produzida etc. Hoje é esse chiqueiro em todo canto. Eu tenho O Passo do Lui em bolachão aqui, e é bom pra caraaalho.

    Legal pra caramba o texto, eu talvez não tenha vivido os caras como você, mas eu senti os impactos de Loirinha Bombril e Busca Vida, por exemplo. Lembra da gente tocando La Bella Luna em espanhol lá no rancho? Claro que você não lembra! AHUAHA!

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